Postado por - Newton Duarte

Paulo André: 'As manifestações de junho nos deram coragem'

“As manifestações de junho nos deram coragem”

Um dos líderes do Bom Senso FC, o zagueiro corintiano Paulo André fala das propostas do movimento e promete medidas duras caso reivindicações não sejam atendidas

Paulo André

Para Paulo André, as manifestações deram coragem para os jogadores lutarem por seus direitos

As manifestações de junho cravaram o lema “não são só 20 centavos”. O bordão revelava como uma causa pontual poderia servir de estopim para uma discussão mais profunda sobre o transporte público no Brasil. A mobilização indutiva, do particular para o geral, tornou-se uma inspiração para vários setores da sociedade. Até mesmo para os jogadores de futebol, uma classe tradicionalmente desorganizada.

Embora não tenham formulado uma frase de efeito, é possível afirmar que o pontapé inicial do Bom Senso F.C., grupo com adesão de mais de mil jogadores das Séries A e B, começou com a negação “Não são só trinta dias de férias”. Inconformados com o fracionamento de seu descanso em 2014 por causa da Copa do Mundo, atletas experientes e consagrados decidiram formar o movimento em defesa de uma ampla reestruturação do futebol brasileiro.

Paulo André, zagueiro do Corinthians, é uma das lideranças do grupo. Acostumado a criticar o futebol brasileiro em seu blog, o jogador de 30 anos decidiu se unir à Alex, Seedorf, Juninho Pernambucano e outros craques em defesa da moralização do esporte. A primeira vitória do Bom Senso foi garantir as férias contínuas de 30 dias em 2014. Agora a luta é por um período maior de pré-temporada, pela redução do número de jogos das equipes grandes e pela criação de competições autossustentáveis para clubes pequenos.

Em entrevista a CartaCapital, Paulo André conta como começou sua militância no movimento, defende mudanças no calendário dos campeonatos estaduais, critica a postura do sindicato de jogadores, a Fenapaf, e elogia a entidade de classe do futebol francês, no qual atuou por quatro anos. E, claro, não tem dúvidas sobre o impacto das jornadas de junho sobre o Bom Senso. “Foram as manifestações que nos incentivaram e nos deram coragem. Quem não acreditava, concluiu que era possível fazer. Quem nunca tinha visto uma ação assim, falou: ‘Pô, que legal fazer isso. É pelo bem do País, pelo bem do futebol, vamos nessa.’”

CartaCapital: Como você se envolveu com o Bom Senso F.C.?

Paulo André: Por meio do Rafael Antoniutti, hoje assessor do grupo. Sempre reclamei dos problemas do futebol brasileiro no meu blog, no meu livro. Ao conversar com o Rafael, ele me falou: "Paulo, o Juan (zagueiro do internacional) comentou que falou com o Alex (meia do Coritiba) depois do último jogo, e eles estavam reclamando do número de jogos. Tudo o que você falou, eles falaram". Eu respondi: "Pois é, eu vi o Seedorf comentando, o Juninho Pernambucano. Faz o seguinte: me consegue o telefone do Alex”. Mas eu não tive paciência, acessei o Twitter dele e mandei uma DM (mensagem direta). O Alex me passou o telefone no ato. Liguei e falei: "Acho que está na hora. Ninguém aguenta mais o que está acontecendo”.

CC: O que fez desse movimento um sucesso de adesão, ao conseguir o apoio de mil jogadores em poucas semanas?

PA: São dois fatores importantes. O primeiro é que realmente há uma necessidade de mudança, todo mundo cansado, irritado, machucado, prevendo um 2014 pior e um 2015 também. A segunda contribuição foram as manifestações de junho, que nos incentivaram e nos deram coragem para nos movimentarmos. Então, quem não acreditava, concluiu que era possível fazer. Quem nunca tinha visto uma ação assim, falou: “Pô, que legal fazer isso. É pelo bem do país, pelo bem do futebol, vamos nessa”.

CC: Como é para você estar liderando um movimento político no futebol e jogar no Corinthians, famoso pelo movimento da Democracia Corintiana nos anos 1980?

PA: O fato de eles terem feito o que fizeram, em um momento político muito mais difícil, serve de exemplo para todo brasileiro que busca melhorias e quer ser ouvido. Por estar no Corinthians, e o clube ser reconhecido por sua participação nas lutas sociais e históricas, isso me dá o suporte necessário para que eu tenha mais coragem e me sinta mais à vontade de fazer essa defesa. Os jogadores demoraram muito tempo desde a Democracia para se expor por causa de uma pressão gigantesca da opinião pública e dos torcedores, que não conseguem separar o domingo de jogo da segunda-feira de folga. Se você perde domingo, você não pode falar sobre nenhum outro assunto que não seja a sua derrota. Mas a gente conseguiu combinar uma solução: quem perdia ficava quieto, e quem ganhava falava, para que o movimento não morresse ou esfriasse. Sabemos que, mesmo com ideais, quando se mexe com contrato, rebaixamento ou luta por título, todo mundo vai olhar para o próprio umbigo e depois para a condição geral. Então conseguimos equilibrar bem esses dois instintos humanos para buscar melhorias para o futebol.

CC: O que você pensa sobre os campeonatos estaduais? Acha que eles têm de ser revistos?

PA: Nosso objetivo é rever uma fórmula para o calendário como um todo. Defendemos pressupostos. Temos diferentes modelos para apresentar, mas a ideia-base é igual: a redução do número de jogos das principais equipes do País e o aumento do número de jogos das equipes menores. Hoje são 687 clubes profissionais, dos quais apenas 60 tem calendário o ano inteiro. Outros 80 jogam copas estaduais. Estamos falando de 140 contra 687. Nem 25% dos times tem calendário, tem emprego de fato para os atletas. É preciso mudar o formato que vem sendo jogado. Você pode reduzir o número de jogos? Pode, mas o que se fará pelos pequenos? Será criado uma competição para que os pequenos joguem o resto do ano? Até agora ninguém falou sobre isso. Ninguém fala porque competição de clube pequeno não tem transmissão na TV. Então, a discussão é sobre como se criar um produto de qualidade para que haja interesse da TV e do público e assim garantir a autossuficiência dos clubes menores.

CC: Vocês conversaram sobre essa questão com o Juninho Paulista, atual gestor do Ituano, por exemplo?

PA: Ontem eu tive notícia de que o Juninho Paulista apoia o movimento e até sugeriu alguns pontos. Em Araraquara, recebemos um carta da associação dos torcedores históricos do Ferroviária de apoio ao Bom Senso. Eles agradeceram pela esperança de dias melhores e argumentaram que a solução para o clube não é jogar contra os times grandes. Eles querem um campeonato longo para poder jogar o ano inteiro.

CC: O Atlético Paranaense esse ano poupou os titulares no estadual e fez uma pré-temporada maior. Agora, está colhendo os frutos, com boas campanhas no Brasileirão e na Copa do Brasil. É um caminho possível a ser adotado?

PA: É um exemplo dentro dessa movimentação toda. O Mário Celso Petraglia, presidente do clube, é reconhecido por ser um grande gestor e por acreditar em suas convicções. Mais uma vez ele se antecipou a todo mundo, enxergou qual era a dificuldade, e vai colher os frutos em 2014. O caminho é possível, mas as amarras políticas no futebol brasileiro são apertadas. Como o Corinthians pode deixar de jogar o campeonato estadual se, por um lado, ele depende do dinheiro da Globo? E, por outro, a Globo compraria o campeonato se os grandes não participassem? A situação está engessada. Ninguém pode se movimentar.

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CC: Porque os jogadores não se sentem representados pelo sindicato dos jogadores, a Fenapaf?

PA: No dia 19 de setembro, quando o sindicato soltou uma nota oficial dizendo que abria mão das negociações com a CBF e que torcia para os clubes e os atletas se acertarem, a gente ficou revoltado. Eles haviam ligado para gente e perguntado: "Vocês querem 24 ou 30 dias de férias?". Dissemos que queríamos 30. Eles abriram mão da negociação por não ter conseguido alcançar um consenso com a CBF e com os clubes. Então decidimos ir sozinhos. Mas o diálogo com a Fenapaf já foi pior. Nessa última reunião, o sindicato estava presente. A gente vê que eles caminham na mesma direção, apesar de não defenderem as mesmas propostas. O que me parece estranho, pois, se o sindicato representa os atletas, ele deveria representar a vontade dos atletas. Temos mil assinaturas de atletas da série A e B que defendem as propostas do Bom Senso. Então me parece estranho a Fenapaf defender uma proposta que não seja a nossa.

CC: Vocês têm negociado com a Globo?

PA: Tivemos uma conversa com Marcelo Campos Pinto (diretor da Globo Esportes), que estava presente na reunião da segunda-feira 28. Eles têm a posição deles e defendem com maestria sua empresa, que visa lucro. O que me preocupa são as entidades do futebol, que não deveriam visar o lucro, não se importarem com a sociedade brasileira e com os times pequenos. A gente vê o futebol se arrastando. Ganhamos a Copa das Confederações, o que deu uma ludibriada em todo mundo. Mas a crise existencial do futebol brasileiro é evidente. Estamos ficando para trás. O único agente desse marasmo político que poderia se mobilizar eram os atletas. Conseguimos felizmente iniciar o movimento, mas é importante os clubes embarcarem e acreditarem que o estadual ou a quantidade de jogos está prejudicando não só a qualidade do jogo, mas a receita. Os clubes precisam entender que um campeonato mais exclusivo e qualificado pode aumentar a receita, pois haverá mais procura de torcedores e patrocinadores.

CC: Você jogou por alguns anos na França, no Le Mans. Como era o sindicato de jogadores na França?

PA: Na França, a luta de classes é fundamental. O sindicato dos atletas é muito forte, tem representatividade, tem um atleta por clube como representante. Tudo o que é decidido pela entidade tem de ser passado aos atletas e o que acontece dentro do grupo é levado a ela. No final de 2007, o sindicato foi ao clube e explicou que os grandes clubes franceses queriam acabar com a parada de Natal e Ano-Novo, como ocorre na Inglaterra. Por ser um período fértil de compras e festividades, eles enchem o estádio e vendem o futebol deles para o mundo inteiro, o que aumenta a receita dos clubes ingleses. A entidade então perguntou qual era nossa posição e fizeram uma votação. Após ouvir todos os jogadores de todas as séries, chegou-se ao consenso de que 75% queriam manter as férias de Natal e Ano-Novo. E fomos respeitados. No Brasil, talvez daqui a uns cem anos a gente consiga ver algo do tipo.

CC: Quanto ao “fair play financeiro”, qual você acha que deve ser o modelo adotado no Brasil? É preciso zerar a dívida dos clubes?

PA: A única forma de saldar as dívidas é criar o “marco zero”. Agora, não acho justo que deixemos 4 bilhões de reais de dívida para trás. O dinheiro existia, alguém fez besteira com ele. E a sociedade paga a conta? A anistia, graça a Deus, o governo cancelou. Outra opção, a contrapartida para esporte olímpico, apesar de eu adorar todas as modalidades, não resolveria. Pagamento da dívida sim, agora, como pagá-la, como criar esse marco zero, esse é o xis da questão.

CC: Como você avalia a reunião com a CBF na última segunda-feira 28?

PA: A gente comemora a pré-temporada (com duração de 11 dias, apesar da proposta original de 30 dias) e as férias. Essas mudanças só aconteceram devido ao Bom Senso. Mas a gente lamenta que as reformas importantes e estruturais não tenham começado ainda. A discussão que tivemos foi decepcionante, pois realmente não enxergaram a importância das nossas reivindicações. Por isso, precisamos continuar com o movimento, apontando direções, levantando a bola, para que os clubes, as federações e a CBF, que estavam engessados, possam começar a se movimentar e tomar as atitudes devidas.

CC: Caso a CBF não ceda às reinvindicações em 2015, qual você acha que deve ser a postura do Bom Senso? Greves podem ocorrer?

PA: O Bom Senso busca o bom senso. É diálogo, é conversa, é sugestão. Tivemos reuniões, conseguimos dois pontos que não são irrisórios, mas são paliativos. Não houve melhorias para os clubes pequenos e seus atletas. Se no diálogo não for possível,  reivindicações e manifestações mais fortes serão necessárias. Como reunimos mais de mil atletas que acreditam na causa, e temos o apoio da opinião pública, vamos continuar.


Fonte: Miguel Martins / CartaCapital

Foto: Marcos Méndez / CartaCapital