Postado por - Newton Duarte

Próximo Presidente terá a responsabilidade de fiscalizar a negociação com os clubes

Quem se eleger presidente terá a responsabilidade de fiscalizar a negociação com os clubes

Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência da República (Foto: divulgação)

No dia 5 de outubro de 2014 os brasileiros vão às urnas para escolher seus governadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores e presidente. A escolha dos representantes no legislativo e no executivo tem muito a ver com diversas questões do cotidiano. Isso inclui também o esporte e, especificamente, o futebol. Os políticos influenciam diretamente no futebol e isso é evidente. Mas mesmo com vontade política, até o poder do presidente é limitado. Então, o que presidente pode fazer?

CBF e a administração do futebol

Desde o surgimento do Bom Senso FC, muito se fala em mudanças no futebol brasileiro. Os 7 a 1 da Alemanha na semifinal da Copa do Mundo aumentaram os pedidos por mudanças, que passaram a ser ainda mais fortes. Ainda no calor da eliminação traumática, o ministro do esporte, Aldo Rebelo, falou sobre aumentar a participação do governo na administração do futebol.

“O Estado não pode ser excluído da competência de zelar pelo interesse público dentro do esporte”, afirmou o ministro em entrevista ainda durante a Copa.“A lei Pelé tirou do Estado qualquer tipo de poder de atribuição e poder de intervenção. Se depender de mim, não teríamos tirado o Estado completamente dessa atribuição. Se depender de mim, parte dessa atribuição deve voltar”, disse o ministro.

A CBF, claro, não gostou dessa ideia de intervenção, como dito por Rebelo. “A participação do Estado é sempre bem-vinda, dentro dos limites do que se pode fazer”, afirmou Marco Polo Del Nero, atual vice-presidente e presidente eleito da CBF a partir de 2015. O dirigente, que também é presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), se mostrou irônico no dia 12 de julho, quando rebateu as propostas do ministro.

“A participação do Estado é sempre bem-vinda, dentro dos limites do que se pode fazer”, declarou Del Nero. “A escola é a base de tudo”, declarou. “O governo precisa dar maior prioridade para o esporte na rede pública”, defendeu. “Os clubes não podem fazer tudo. Parte desse trabalho de base precisa ser construído pelas escolas”, completou, em entrevista ao Estadão.

A ideia uma intervenção estatal no futebol causou indignação na oposição ao governo e Aécio Neves, candidato do PSDB, criticou a postura do governo. “O país não precisa da criação de uma ‘Futebras’”, afirmou o senador mineiro. “O futebol brasileiro precisa, é claro, de uma profunda reformulação. Mas não é hora de oportunismo. Principalmente daqueles que estão no governo há 12 anos e nada fizeram para melhorá-lo. E nada pode ser pior do que a intervenção estatal”, disse Aécio, em nota divulgada por sua assessoria.

O governo prontamente respondeu negando qualquer ideia de intervenção. “Não há nenhuma intervenção. A Constituição brasileira transformou a administração do esporte em assunto da esfera do direito privado, portanto a Constituição veda qualquer tipo de intervenção do governo federal nas entidades esportivas”, disse o ministro Aldo Rebelo, em nota.

“Fiscalizar o interesse público e nacional é promover uma série de medidas, alterações na legislação (…). Medidas administrativas e outras que cabem aos próprios clubes e instituições adotarem, o que está sendo tratado pelo Congresso através do projeto que estabelece regras para o pagamento de dívidas como contrapartida dos clubes”, completou ainda Rebelo.

A presidente Dilma Rousseff também negou as acusações de tentativa de intervenção na CBF. “O governo não quer comandar o futebol. Queremos ajudar a modernizá-lo. Contem conosco para isso”, declarou a presidente no Twitter. Então, a possibilidade de uma intervenção, ao menos nesses termos, não existe legalmente, portanto. O que, então, o governo pode fazer?

Governo é credor e pode cobrar as dívidas

Quem não deve não teme, diz o ditado. Os clubes brasileiros têm muito o que temer, então. Os clubes brasileiros somam R$ 5,6 bilhões de dívidas em tributos. O governo pode executar essa dívida, se assim quiser, o que provavelmente significaria que alguns clubes ficariam sem recurso nenhum para operar. Isso porque as dívidas dos clubes são grandes demais, o que torna quase impagável. Claro, por incompetência na gestão dos clubes, mas também por condescendência dos sucessivos governos, como mostra essa reportagem da Zero Hora, que já renegociaram e parcelaram a dívida ao menos três vezes e os clubes continuam não pagando, porque não há contrapartidas.

O maior devedor entre os clubes grandes é o Flamengo, que deve R$ 386,4 em tributos, segundo dados apresentados pela BDO, com dados do ano fiscal de 2013. Depois, vem Botafogo (R$ 350,9 milhões), Vasco (R$ 270,5 milhões), Atlético Mineiro (R$ 258,8 milhões), Fluminense (R$ 238,6 milhões), Corinthians (R$ 173,5 milhões), Internacional (R$ 135,4 milhões), Santos (R$ 119,8 milhões), Bahia (R$ 110,4 milhões), Grêmio (R$ 104,3 milhões), Cruzeiro (R$ 88,8 milhões), Coritiba (R$ 69,7 milhões), Palmeiras (R$ 67,9 milhões), Portuguesa (R$ 66,4 milhões) e São Paulo (R$ 65,2 milhões).

O governo, então, poderia ser mais duro e simplesmente cobrar essa dívida, como faz quando você, cidadão, não paga o imposto? Pode sim. Não há como desfazer negociações feitas, mas o governo pode simplesmente se negar a negociar novamente e cobrar o que já foi feito, executando essa dívida. Isso significaria, na prática, que os clubes teriam que começar a pagar ou poderiam ter que se desfazer do seu patrimônio – como centros de treinamento, por exemplo – para pagar a dívida. Isso significaria, na prática, algo que já tem acontecido.

O Botafogo, por exemplo, tem parte da sua receita bloqueada por falta de pagamentos de dívidas. Muitos clubes acabam com as receitas de bilheteria bloqueadas. O Atlético Mineiro está com dinheiro bloqueado pelo governo federal oriundo da venda de Bernard ao Shakhtar Donetsk para pagamento das dívidas.

Uma das reclamações destes clubes é que o tratamento não é igual quando se trata de cobras as dívidas, que o governo é mais condescendente com uns do que com outros. Uma reclamação justa, porque nem todos os clubes possuem seus recursos bloqueados, embora todos eles tenham dívidas. Só que há diferenças: os clubes possuem dívidas negociadas e os que têm recursos bloqueados, normalmente, são aqueles que deixam de pagar os valores negociados. Mas, a rigor, todos estão em dívida.

Mas executar a dívida sem dó nem piedade é uma solução? Pode ser, mas os clubes provavelmente quebrariam com a medida. O governo poderia deixar que quebrassem e cobrar mesmo assim, mas isso geraria dois problemas, um de ordem política e outro de ordem financeira.

Política porque nenhum governo quer ser o algoz de um clube tradicional como o Flamengo, por exemplo. Isso implicaria, no mínimo, em um clube absolutamente sem recursos que se enfraqueceria muito e entraria em uma crise gigantesca. Mas esse é só um dos casos: imagine todos os times grandes tendo que sambar para pagar uma dívida tão grande, às vezes maior que o próprio faturamento anual? Significaria uma medida altamente impopular com todos os clubes que concentram a maior parte da torcida do país, de todos os maiores centros, de norte a sul do Brasil. Uma medida que geraria uma gritaria enorme, mesmo sendo justa. Um custo político que ninguém vai querer comprar.

Além da questão política, tem a questão econômica. Os clubes, mal geridos como são, provavelmente ficariam de mãos atadas pelos próximos anos, suas receitas tenderiam a diminuir e se criaria um problema maior: talvez os clubes parassem de pagar apenas por incompetência de gestão e, mesmo bem administrados, talvez não conseguissem pagar a dívida a médio prazo.

Ou seja: a medida radical é justa, sem dúvida, mas não é economicamente inteligente. Seria uma quebradeira tremenda e talvez o dinheiro não seja pago de qualquer forma, porque as dívidas já se tornaram grandes demais. É possível, talvez esses clubes tivessem que ser refundados, mas o fato é que é um problema que ninguém com alguma pretensão eleitoral tomará uma medida que seja tão dura. Até porque os governos não costumam fazer isso nem com as grandes empresas. O governo costuma ser leniente com as grandes empresas em termos fiscais porque sabe o custo que é ser duro demais com elas.

Mas então, o que fazer?

RENEGOCIAÇÃO, MAS COM RESTRIÇÕES E EXIGÊNCIA DE MUDANÇA

O próximo presidente e os membros do legislativo eleitos para os próximos quatro anos terão uma missão importante em relação ao futebol. Um dos grandes pontos sendo discutidos é a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE), que está sendo discutido na Câmara dos Deputados. O projeto é do deputado Otavio Leite, do PSDB-RJ, que tem como ideia criar ferramentas para que os clubes que descumprirem os acordos da renegociação tenham punições não só financeiras, mas também esportivas.

O projeto prevê apresentação obrigatória das Certidões Negativas de Débito antes dos campeonatos, sob pena de rebaixamento, responsabilizar pessoalmente os dirigentes pelo não pagamento das dívidas, proibir antecipação de receitas que ultrapassem o mandato do dirigente, entre outras medidas. Em tese, a ideia é excelente e prevê medidas mais duras aos clubes. O Bom Senso FC, movimento iniciado pelos jogadores por melhorias no futebol, discorda dos termos que estão sendo votados..

“Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a lei não tem o poder de mudar o regulamento das competições, uma vez que as entidades de administração do desporto (CBF e Federações) têm a garantia constitucional de autonomia. Isto é, os dispositivos de sanção que já constam na lei (e mesmo aqueles que nós propomos) dependerão, em última análise, do consentimento da CBF. Na prática, isso significa que o benefício do parcelamento só deve ser oferecido aos clubes, se eles conseguirem convencer a CBF e as Federações a alterarem os seus regulamentos”

O Bom Senso FC considera fraco o mecanismo de fiscalização ser apenas as CNDs.

Muitos clubes recebem, por exemplo, patrocínio da Caixa Econômica Federal — empresa pública que exige a CND — e nem por isso estão em dia com as suas dívidas fiscais.

O que o Bom Senso defende é uma fiscalização mais rigorosa, item por item, de contratos de trabalho (trimestral), padronização de demonstração financeira, reavaliação de endividamento, controle de déficit, custo do futebol (todos com controles semestrais) e também a apresentação das CNDs, esta anual. Mais do que o rebaixamento, o Bom Senso quer que, em último caso, o clube seja punido com a proibição de participar de competições. Além disso, há previsões de punições intermediárias, como retenção de verbas, multas e proibição de registro de novos contratos de jogadores.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) apresentou o projeto de lei nº 221/2014, que exige que tanto a CBF quanto as federações estaduais apresentem suas finanças no Tribunal de Contas da União (TCU). “O não cumprimento da legislação implicará em suspensão de todo e qualquer benefício que a CBF ou seus filiados recebam do governo federal ou de qualquer um de seus entes federativos, assim como bloqueio das transferências dos recursos de loterias federais”, segundo o texto.

Segundo Dias, não é uma tentativa de intervenção. “Não, não é uma intervenção no futebol, ao contrário, é uma tentativa de organização da administração do futebol como atividade econômica geradora de emprego, de renda e de receita pública. Intervenção no futebol seria escalar a Seleção Brasileira, seria designar o técnico da Seleção, isso não nos cabe”, disse o senador em entrevista ao portal G1.

O problema é que a CBF foge do recebimento de qualquer recurso federal justamente para não ser obrigada a apresentar suas contas de forma aberta. A única forma de, de fato, obrigar a CBF a apresentar as contas como proposto pelo senador é conseguir que a entidade seja enquadrada como paraestatal, como ele argumenta no texto do projeto.

“A CBF é uma empresa privada, ou é uma espécie de paraestatal? Essa discussão jurídica, nós já tivemos, durante a CPI do Futebol, com vitória no Supremo Tribunal Federal em razão de mandatos de segurança que pretendiam impedir a quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico para a apuração de denúncias efetuadas. Naquela oportunidade, ficou consagrado que a CBF é uma espécie de paraestatal e, como tal, deveria ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União”.

A ideia é boa, mas certamente haveria uma briga jurídica, porque a CBF não se considera uma entidade paraestatal, e sim privada. Seria preciso estabelecer isso, de fato, para que as contas tenham que ser apresentadas. É uma discussão que será preciso ter. E que terá a bancada da bola para tentar barrar.

Lidar com a bancada da bola e com essa grande questão sobre a renegociação das dívidas do clube é uma questão que o próximo, ou próxima, presidente terá que lidar. E essa é uma questão que pode ser crucial para o futuro do futebol brasileiro. A discussão deve voltar à pauta depois das eleições e a votação pode até acontecer esse ano. Mas mesmo que a aprovação aconteça ainda neste mandato, caberá ao novo (ou nova) presidente fiscalizar e fazer com que as punições sejam executadas. Cabe ao próximo governo, seja ele de que partido for, fazer o que até agora não se fez: ser de fato rigoroso para o cumprimento dos acordos negociados. Até porque se trata do dinheiro de todos os contribuintes do país.