Postado por - Newton Duarte

Talisca é pivô de briga entre importantes técnicos do cenário mundial; Entenda

José Mourinho e Jorge Jesus brigam por causa de… Talisca

Anderson Talisca começou bem no Benfica

Quando pegou o avião que o levaria de Salvador até Lisboa, o jovem Anderson Talisca, de 20 anos de idade, certamente pensou em muitas coisas. Deve ter ficado um pouco apreensivo, pois estava trocando um time que briga contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro, o Bahia, por outro que disputa a Champions League e é um dos gigantes da Europa, o Benfica. É possível que até que tenha sentido um certo medo, afinal, uma nova vida estava começando e a adaptação a outro país nem sempre é fácil. É provável que também tenha sonhado, com gols (como os quatro que já marcou, em oito jogos) e títulos.

O que certamente não passou pela cabeça de Talisca é que ele seria pivô de uma briga entre dois importantes técnicos do cenário mundial. Um deles, conhecido por Special One e de ego maior que a cidade de Feira de Santana – onde o meia-atacante nasceu – é tido algumas vezes como o melhor do mundo em sua profissão. O outro, atual campeão português, adora uma polêmica e acredita ser, ele próprio, o melhor do mundo – embora admita que falta provar isso com títulos.

Talisca provocou, sem querer, um grande atrito entre os portugueses José Mourinho, do Chelsea, e Jorge Jesus, do Benfica. Treinadores que já se declararam amigos em outras oportunidades, mas que são tão bons à beira do campo como apreciadores de uma briga nos bastidores. Tudo começou no domingo passado, dia 14, quando Mourinho revelou que Talisca só não foi para o Chelsea por questões trabalhistas. “Acho que o Benfica contratou bem. Dizem que ele é desconhecido, mas é tão desconhecido que só não está jogando na Inglaterra porque não tem licença de trabalho”, afirmou ao comentar os três gols do brasileiro na goleada encarnada de 5 a 1 sobre o Vitória de Setúbal.

Jorge Jesus não gostou das declarações do colega de profissão. Dias depois, emitiu a senha para a polêmica. “Talisca é um jovem e se o Benfica chegou primeiro mais uma vez, demonstra que tem muita qualidade naquilo que faz. Para mim, pelos jogos que fez no Brasil, conheciam tanto o Talisca como eu conhecia o D’Artagnan”, disse, comparando o conhecimento do Chelsea sobre o jogador ao dele próprio sobre o mosqueteiro imortalizado pela literatura.

Claro que a história não terminaria aí. Afinal, era a vez de José Mourinho dar a tréplica. E, em se tratando de alguém que coloca em si próprio o apelido de O Especial, era óbvio que viria chumbo grosso. O técnico do Chelsea foi buscar no passado de poucos estudos de Jorge Jesus as armas para cutucá-lo, lembrando das constantes gafes gramaticais que o benquista comete.

“Vou ser mais explícito, para os menos inteligentes perceberem claramente: o Benfica tem uma boa estrutura de observação com gente que eu conheço bem, tem um presidente com a capacidade de dar ao seu treinador a possibilidade de ter bons plantéis e bons jogadores. Não gostei de um colega de profissão ter duvidado das minhas palavras que, para além disso, foram comentários positivos. Mas fico contente por perceber que ele (Jorge Jesus) lê Alexandre Dumas. Ao contrário de mim que, sinceramente, com a vida que tenho, e por trabalhar fora de Portugal há tanto tempo, limito-me a ler quando posso a gramática portuguesa, que é para um dia não me acusarem de andar aos pontapés com ela.”

As declarações de Mourinho ocorreram numa longa entrevista que ele concedeu ao canal português TVI, na qual, aliás, falou sobre muitos assuntos relevantes. Alexandre Dumas, o escritor citado por ele, é o autor da célebre obra Os Três Mosqueteiros, na qual imortalizou D’Artagnan. Se fosse uma luta de boxe, poderíamos dizer que Mourinho estava ganhando por pontos. Por isso, todos aguardavam qual seria a nova resposta de Jorge Jesus. Mas ele resolveu encerrar a polêmica, “para o bem do futebol português.”

Na última vez em que falou sobre o assunto, Jesus disse que sua tese sobre o desconhecimento de Talisca não se referia exclusivamente a Mourinho ou ao Chelsea, mas sim aos clubes ingleses de maneira geral. “Volto a afirmar o que afirmei em relação ao Talisca. Eles, e quando dizia eles falo dos clubes ingleses, para mim conheciam tanto o Talisca como eu o D’Artagnan. Por quê? Normalmente, as equipes inglesas compram o produto final. Pagam 30 milhões, 50 milhões (de euros) e são jogadores que já têm de ser internacionais (jogar por sua seleção). Não respondi diretamente nem ao clube, nem ao José (Mourinho). Tenho uma boa relação com ele, não é agora por causa do Talisca… Tenho muito orgulho da minha carreira como treinador, comecei de baixo e sempre pensando pela minha própria cabeça”, disse, lembrando ainda que chegou a trabalhar com o pai de José Mourinho.

Parece que a briga está encerrada. Mas o que fica dela, além da curiosidade – e do importante registro jornalístico – de dois grandes treinadores se digladiando? É possível que não fique nada além disso. Cada um seguirá seu rumo com vitórias, derrotas e, invariavelmente, mais polêmicas.

Curiosamente, a discussão pública entre Mourinho e Jesus ocorre na mesma época em que o cargo de técnico da seleção portuguesa está vago. Ninguém duvida que ambos seriam ótimos nomes para a função. Mas os dois já descartaram qualquer chance de isso acontecer, muito por conta da política da Federação Portuguesa de Futebol.

Pensando bem, talvez valha a pena mudar a resposta da pergunta acima. O que fica da briga entre dois técnicos portugueses de ponta, com um insólito motivo, é que, mesmo sem querer, eles criaram um bom retrato do futebol lusitano: aquele que é pródigo em fazer muito barulho por nada.