De MGF às diretas: os cinco anos que mudaram a história do Bahia

Da primeira eleição de Marcelo Guimarães Filho, a polêmica reeleição e todo processo de afastamento

Quando os votos dos sócios forem apurados no próximo dia 7 de setembro, o Bahia estará diante de uma nova era. Pela primeira vez nos seus 82 anos de história, o clube terá seu futuro decidido por uma parte significativa da torcida, que fez em 2013 a sua Primavera Árabe. No entanto, é preciso voltar no tempo para entender o processo que mudou os rumos de uma das agremiações mais populares do país.

Como novo estatuto, sócios vão eleger presidente 'ficha limpa'

Salvador, 17 de novembro de 2008. Um grupo de 24 conselheiros do Bahia se reúne com o então deputado federal Marcelo Guimarães Filho, em um escritório na capital baiana. O teor do encontro foi um pedido ao parlamentar. Os conselheiros levaram a Guimarães Filho o desejo de que fosse ele o candidato da situação nas eleições para presidente do clube. Para o grupo, que fazia parte da gestão Petrônio Barradas, Guimarães Filho representava o “novo”, ainda que geneticamente ligado à gestão responsável pelos seguidos rebaixamentos, que fizeram o Tricolor chegar até a Série C. Ele é filho de Marcelo Guimarães, presidente do clube na desastrosa gestão de 1997 a 2005, quando o time somou quatro rebaixamentos.

Vinte e quatro dias após a reunião que sacramentou Guimarães Filho como candidato da situação, o então parlamentar foi eleito pelo Conselho Deliberativo do Bahia com 193 votos. Dos 400 conselheiros, apenas 201 votaram. Os candidatos de oposição não somaram sequer dez votos. Fernando Jorge recebeu sete, e Rui Cordeiro apenas um voto. Os candidatos Jorge Maia, Emanuel Vieira, Ivan Carvalho, Alexandre Teixeira, Mário Silva e Robson Rafael se inscreveram em protesto à candidatura de Guimarães Filho e não obtiveram votos.

Marcelo Guimarães Filho foi eleito pela primeira vez em dezembro de 2008

Marcelo de Oliveira Guimarães Filho tornou-se o 36º presidente da história do clube e o mais jovem a comandar a agremiação. Logo na sua chegada, o dirigente atendeu a uma reivindicação antiga dos opositores ao seu grupo e decidiu profissionalizar a diretoria de futebol. No entanto, a primeira mostra da profissionalização foi polêmica. Marcelo Filho anunciou, poucos dias após sua eleição, que Paulo Roberto Carneiro, ex-presidente do Vitória, seria o homem forte do futebol tricolor. Além dele, o presidente repatriou Newton Motta para coordenar as divisões de base, além de realizar mudanças que pouco surtiram efeito no marketing.

Com o ex-rival à frente do clube, o Bahia contratou mais de 40 jogadores na temporada de 2009. Mas Paulo Carneiro permaneceu na agremiação até setembro daquele ano: com seis meses de salários atrasados, o ex-dirigente do Vitória saiu do futebol do Esquadrão, deixando como maior legado a melhoria na infraestrutura do CT do Fazendão. O homem forte passou, então, a ser Elizeu Godoy, ex-jogador do Bahia e superintendente de futebol na época.

No começo de 2010, Paulo Angioni chegou ao Tricolor para formar a mais longa, vitoriosa e polêmica parceria com Marcelo Guimarães Filho. Sob o comando da dupla, cinco treinadores foram contratados pelo Bahia: Márcio Araújo, Rogério Lourenço, Vagner Benazzi, René Simões e Joel Santana. Na Era Angioni, que durou três anos, mais de cem jogadores passaram pelo Fazendão. Com a dupla MGF-Angioni, o Bahia voltou à Série A em 2010 e voltou a conquistar o título estadual em 2012, após 10 anos de jejum de títulos. A parceria foi encerrada em maio de 2013, após a segunda goleada humilhante diante do Vitória pelo Campeonato Baiano, por 7 a 3, quando o diretor de futebol pediu demissão.

O cartão vermelho que abriu as portas do clube

Sem adversário, Guimarães Filho é reeleito na polêmica eleição de 2011

Em dezembro de 2011, Marcelo Guimarães Filho lançou-se candidato à reeleição. Para o segundo mandato, que tinha previsão para durar de 2011 a 2014, o presidente do Bahia apontou como principais metas o acordo para o clube atuar na Fonte Nova, além da construção do novo CT e a reforma no estatuto, visando eleições diretas - uma promessa não cumprida quando foi eleito pela primeira vez.

Insatisfeita com os rumos do Tricolor, a oposição decidiu não apresentar candidatura, e Guimarães Filho foi para as urnas como candidato único. A eleição parecia favas contadas, mas um ato da diretoria 90 dias antes do pleito seria determinante para o futuro do Bahia. Três meses antes da escolha do novo presidente, a gestão MGF realizou uma reforma no conselho do clube.

Sessenta e dois conselheiros foram substituídos - 58 deles seriam ligados a Paulo Maracajá, que foi presidente da agremiação de 1979 a 1994 e chegou a ser aliado de Marcelo Guimarães, pai do então presidente. A ligação, entretanto, havia se desfeito na eleição de 2008. Para esta reforma no conselho, a gestão MGF alegou que os membros retirados do grupo estavam inadimplentes ou haviam faltado três reuniões seguidas ou cinco encontros no mandato em questão - quesitos estabelecidos pelo estatuto tricolor.

Insatisfeito com as mudanças, um dos conselheiros expulsos, Jorge Maia, entrou com uma ação na Justiça, alegando estar em dia com todas as suas obrigações no Bahia. Uma liminar que suspendia a eleição chegou a ser concedida pelo juiz Paulo Albiani Alves, da 28ª vara cível de Salvador, que determinava ainda que o clube ficasse sob intervenção e nomeava o advogado Carlos Rátis como gestor. No entanto, menos de 24 horas depois, uma decisão do desembargador Gesivaldo Brito, concedida durante a madrugada, anulou o primeiro ato e validou a eleição de Marcelo Guimarães Filho para o seu segundo mandato.

Jorge Maia (de azul) foi autor da ação que mudou os rumos do Tricolor

Três meses após as eleições, em março de 2012, o Bahia voltou a ficar sob intervenção. O juiz Paulo Albiani Alves anulou novamente o pleito e determinou que Rátis assumisse o clube. Além disso, a decisão judicial previa que o interventor convocasse “eleições para a constituição do Conselho Deliberativo do clube, do Conselho Fiscal e, após isso, para presidente da diretoria para o próximo triênio”.

Três dias após a nova intervenção, Marcelo Guimarães Filho voltou ao cargo, mais uma vez graças a um efeito suspensivo concedido pelo desembargador Gesivaldo Brito.

De volta à presidência naquela ocasião, Guimarães Filho ironizou a Justiça citando o desaparecimento dos computadores da administração do clube, que seriam alvos da intervenção.

- Ôoooo, o tricolor voltou... O tricolor voltou.... Ôoooo a CPU voltou, ôoooo! – escreveu o cartola do Bahia em sua conta no twitter.

Oposição cresce e ganha importantes apoios

O ano de 2013 começou com esperanças para o Bahia, que após seis anos voltaria a jogar na Fonte Nova, reformada para a Copa do Mundo. No entanto, o estádio só trouxe humilhações para a Era Marcelo Guimarães Filho. Na abertura da Arena, o Bahia perdeu por 5 a 1 para o Vitória. Um mês depois, nova derrota com goleada histórica na final do Campeonato Baiano : 7 a 3 para o rival. As humilhações e a falta de transparência – as contas de 2012 sequer foram apresentadas – fizeram a oposição a Marcelo Guimarães Filho ganhar força e, desta vez, com apoios de peso.

Depois da goleada na decisão do estadual, o Tricolor chegou ao ápice de uma das piores crises de sua história. O diretor de futebol pediu demissão, assim como o vice-presidente jurídico, Ademir Ismerim, que renunciou ao cargo e deixou uma carta para MGF, que continha duras críticas àquela gestão.

- Inúmeras dificuldades foram criadas para a vida democrática do clube, a exemplo de eleições com filtro, a ser parido de um Conselho engessado e autocrático na sua formação e na sua condução, com como o aumento excessivo das mensalidades daqueles que quisessem se associar, na medida em que a mesma saltou de R$ 40 para R$ 80. (...) Neste momento, o que se respira e transpira no seio da nossa torcida é um clamor por mudanças, porquanto o presente é negro e o futuro, a continuar nesta toada, nos remete à mais lenta e sofrida morte – escreveu Ismerim.

Naquele momento, jogadores foram afastados, o centro de treinamentos e o site oficial foram invadidos. Nas arquibancadas, torcedores abandonaram o clube em um protesto chamado de "Público Zero", deixando vazias as arquibancadas da Fonte Nova. Todo este cenário culminou com uma grande manifestação popular para o lançamento do projeto 'Bahia da Torcida', movimento que pedia a renúncia de Guimarães Filho e que reuniu mais de seis mil pessoas na Arena Fonte Nova. O grupo ganhou a adesão de importantes nomes da sociedade baiana, até do governador da Bahia, Jaques Wagner, e do prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto.

Movimento Bahia da Torcida reuniu mais de seis mil pessoas na Fonte Nova

Intervenção definitiva e reforma no estatuto

No dia 9 de julho de 2013, a desembargadora Lisbete Maria Teixeira Almeida Cézar Santos julgou improcedente o recurso do Bahia e derrubou a liminar que mantinha o presidente Marcelo Guimarães Filho no cargo desde março do ano passado. A decisão do juiz Paulo Albiani Alves voltou a valer, e o advogado Carlos Eduardo Behrmann Rátis Martins foi nomeado interventor do Tricolor. Com a decisão, além de Guimarães Filho, todo o conselho eleito em dezembro de 2011 foi destituído.

A partir daí, Carlos Rátis teve, pela primeira vez, tempo para trabalhar. Resguardada sob um forte aparato judicial e com forte apoio político, a intervenção, enfim, teve tempo para atuar. O grupo de Marcelo Guimarães Filho, mesmo defendido por um dos maiores advogados do país [Antônio Carlos de Castro Almeida, o Kakay], passou a acumular derrotas em diversas instâncias do Judiciário. E Rátis abriu a caixa preta do Bahia. Depois de ter acesso às salas da sede do clube e aos computadores com apoio da Polícia Técnica, uma auditoria foi instalada nas contas do Tricolor, sob determinação judicial de Paulo Albiani.

Interventor Carlos Rátis abriu a caixa preta do Bahia

O interventor também afastou os boatos de uma debandada no elenco e firmou o pacto de não haver interferência no futebol do clube. O advogado expôs as dificuldades da situação financeira do Bahia e deixou claro que o futuro presidente deve ter problemas consideráveis para administrar o clube.

Na rotina do interventor, estavam visitas constantes ao banco para evitar que o dinheiro do Tricolor seja destinado à Justiça Trabalhista e renegociação de antigas dívidas. Entre outras medidas, Rátis divulgou a lista de funcionários do Bahia, que revelou que duas irmãs do ex-presidente eram empregadas da agremiação - uma delas não frequentava o trabalho, de acordo com o ex-vice jurídico, Ademir Ismerim.

No entanto, o gol de placa ficou por conta da associação em massa. O interventor determinou a redução da joia de R$ 300 para R$ 10. Mais de 14 mil pessoas correram para se associar ao clube, em um recado direto à antiga direção: a torcida quer fazer parte da vida do Bahia. Além de trazer o torcedor para perto, Rátis conseguiu um novo meio de arrecadação para as devastadas contas do Tricolor.

No último sábado, enfim, em um dia histórico, mais de três mil sócios compareceram para à Arena Fonte Nova e votaram ‘sim’ para mudar o novo estatuto do clube. Símbolo da mudança, o interventor Carlos Rátis foi ovacionado pela torcida durante todo o evento.

Entre as alterações aprovadas está a eleição direta, na qual os associados elegem diretamente o presidente, que teria de se dedicar integralmente ao cargo e teria salário estipulado pelo Conselho Deliberativo. Aquele que for eleito durante a intervenção, no entanto, não poderá ser reeleito no próximo pleito, que será realizado, extraordinariamente, em dezembro de 2014.

Na assembleia que mudou o estatuto, Carlos Ratis foi ovacionado pela torcida

Além disso, os dirigentes terão que ser ficha-limpa. Ou seja, ninguém poderá ser candidato à presidência ou ao cargo de conselheiro se possuir condenação judicial. O conselho passou a ter 100 componentes em vez dos 300 que o compunham pelo estatuto antigo, e sua eleição será proporcional aos votos recebidos por cada chapa. A maior idade eleitoral foi reduzida para 16 anos.

O clube deve lançar nesta semana o edital de convocação para a eleição. A expectativa é de pelo menos três candidatos, todos com reais chances de triunfo. E assim, o primeiro campeão brasileiro e representante do Brasil na Libertadores dá mais um passo de pioneirismo. Não haveria data melhor do que 7 de setembro para o maior grito de independência da história tricolor.


Fonte: Eric Luis Carvalho – GE.COM

Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia / Divulgação - Eric Luis Carvalho - Divulgação/EC Bahia - Raphael Carneiro