O Bahia, que no último mês de novembro, já havia promovido ações de combate ao racismo, se posicionou mais uma vez contra a discriminação. Nesta segunda-feira (17), o Tricolor promoveu o lançamento do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, em evento na Arena Fonte Nova.
Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial, que organiza o relatório desde 2014, declarou que, em uma análise prévia, foram registrados 93 casos de preconceito em eventos esportivos no Brasil em 2018.
Em 2014, primeiro ano do Relatório, foram registrados 20 casos. Em 2015, 35. Em 2016, houve uma queda, com 25 casos. Porém, em 2017, houve um grande aumento e 77 casos foram registrados, incluindo a polêmica do Ba-Vi, que envolveu Renê Júnior, então no Bahia, e Tréllez, que jogava no Vitória:
Em 2018, uma análise prévia que a gente fez, a gente tem 93 casos de preconceito. Isso, a gente não dividiu ainda o que é racismo, o que é machismo, o que é LGBTfobia, mas 93 subiu em relação ao ano anterior, que são 77. Em 2017, foram 77 casos de preconceito, 43 de racismo no futebol. Então a gente percebeu que tem aumentado. E aí esse aumento eu acho muito em cima da repercussão que está tendo das denúncias, e aí outros atletas estão se sentindo mais encorajados a denunciar. Acho que o número de casos vem aumentando. Pelo aumento que o Brasil vive, o mundo vive de intolerância, vem aumentando o número de casos. Mas também as denúncias estão partindo do encorajamento que os atletas estão tendo. A gente tem o caso do João Marcelo [ex-jogador do Bahia], que sofreu racismo no shopping e ele mesmo vai denunciar esse caso. Antigamente, a gente não tinha isso. A gente tem atletas que diziam que: "Se eu for parar um jogo de futebol toda vez que eu for chamado de macaco, não vai ter jogo". Isso antes. Agora, não. Agora o jogador está entendendo que o que acontece no campo não tem que morrer no campo, se for discriminação, preconceito, violência. E isso é muito interessante, essa movimentação que está acontecendo dos atletas e dos clubes, nessa luta contra a discriminação.
Makota Valdina, líder religiosa e ativista, que foi uma das homenageadas pelo Bahia no último mês de novembro, acredita que o aumento de casos reflete uma mudança na sociedade, que agora reconhece e denúncia os casos de racismo:
Eu acho que antes a sociedade brasileira não se reconhecia racista. A partir do ponto em que a sociedade se enxerga racista, sem essa de democracia racial, que ela é racista mesmo, e as pessoas estão se tornando cada vez mais conscientes, então está vindo à baila tudo que sempre esteve. Não é que aumentou. Sempre esteve, mas antes as pessoas ficavam caladas, não tinham a coragem de denunciar, de dizer o que está acontecendo. Então as pessoas se manifestam das forças de racismo em todos os campos. E o campo do esporte não iria ficar fora e está incluso. Aí vem a questão do racismo religioso, da homofobia, de tudo. É o momento de pegar isso, começar a trabalhar e educar a sociedade pelo esporte. Eu acho muito positivo que se pegue isso. Vamos ver como nós, através do esporte, da torcida, pode contribuir para combater e acabar o racismo na sociedade.
Vitor Ferraz, vice-presidente do Bahia, ressaltou a importância do debate e do combate ao racismo no esporte. Em 2018, o Bahia anunciou a criação do Núcleo de Ações Afirmativas (NAA), no qual, existe o objetivo de promover ações que destacam a diversidade no futebol:
É um evento simbólico, porque dá fechamento a um ano que ficou muito marcado pelas ações que o Bahia promoveu, a fim de colocar para o debate do torcedor temas que muitas vezes são sensíveis, mas que são importantes para a sociedade. Não só as questões racionais, mas identidade de gênero, questões relacionadas à sexualidade, que são, muitas vezes, consideradas tabus, principalmente no esporte e no futebol ainda mais, por ser um meio naturalmente e até exageradamente machista. O que o Bahia está fazendo é, com todo cuidado, todo o critério, com bastante cautela, mas conseguindo fazer com que esses temas circulem entre os torcedores, seja um objeto de debate. E tenha uma excelente aceitação, sem que isso implique numa imposição de ideologia, sem que isso implique em uma ofensa àqueles que pensam de uma maneira diferente. É simplesmente a promoção de debates que são relacionados a temas fundamentais para a nossa sociedade, para a nossa evolução enquanto seres humanos. A gente entende que o Bahia é um clube, hoje, iminentemente, de futebol, mas que dialoga com o povo e que tem contato com um grande número de pessoas e que, por isso, tem uma responsabilidade social, um papel que pode e deve ser cumprido, com muito cuidado e muito critério, mas que transpassa o estádio de futebol, o campo, e que atinge toda a sociedade.
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Jorge Washington, ator do Bando de Teatro Olodum, que também esteve entre os homenageados do Tricolor em novembro, espera que outros setores da sociedade utilizem o exemplo do Bahia para lutar permanentemente contra o racismo:
Eu acho que esses 77 casos [de 2017] são os que chegaram a serem registrados, porque acho que é muito mais. O racismo no Brasil é cruel, é em todos os momentos, todos os lugares. Esses 77 aí são os que foram registrados, é muito mais. A gente só vai acabar no dia em que o país assumir, o país como um todo, assumir: "Nós somos um país racista e vamos agora trabalhar para mudar isso". Ações como essa do Bahia ajudam. Acho que os outros clubes, outros segmentos também, não só do futebol, mas entretenimento, a música... A sociedade como um todo tem que se envolver. Isso não é uma questão só da raça negra, isso é uma questão de todo mundo.
O Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol de 2018 ainda não foi fechado. Após o seu encerramento, ele será publicado como um livro e também será disponibilizado no site do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.