Com policiamento especial, Bahia vê queda na violência entre torcidas

Em semana de Ba-Vi, GE.com conversa com todos envolvidos na segurança do maior clássico do Norte/Nordeste. Saiba qual é o diferencial do estado

Dia de clássico entre as principais equipes da cidade. Na mesma medida em que a expectativa para o jogo cresce, aumenta também a tensão diante da possibilidade de um confronto entre as torcidas. Brigas nos estádios, bombas na rua, feridos e mortos. O futebol é deixado de lado e passa a ser reportado nas páginas policiais dos jornais. O cenário não é hipotético. Pode ter uma cena a mais aqui, outra a menos ali, mas é roteiro certo em quase todo o Brasil. Na Bahia já foi assim, mas a relação das torcidas em dias de Ba-Vi tem sido cada vez melhor.

A mudança no comportamento das chamadas organizadas não foi por acaso. Após um período de grandes confrontos, o estado passou de mortes violentas ligadas ao clássico para a ausência do registro de incidentes dentro do estádio sem precisar chegar ao extremo de adotar torcida única. Entretanto, ainda há muito que fazer para garantir a total tranquilidade das famílias nas arquibancadas.

Para entender o que aconteceu, o GloboEsporte.com ouviu as principais fontes envolvidas na situação. Todas elas apontaram a criação do Batalhão Especializado em Policiamento de Eventos (Bepe) da Polícia Militar como o ponto crucial para a diminuição das ocorrências violentas entre tricolores e rubro-negros. O Ministério Público e as torcidas organizadas também foram procurados. No entanto, o representante da torcida Os Imbatíveis, do Vitória, não quis dar entrevista.

Confira abaixo o que cada um apontou como o motivo da diminuição da violência entre organizadas no estado.

A MUDANÇA DO BEPE

A relação entre as torcidas organizadas na Bahia e a polícia tem dois períodos bem claros: antes e depois da criação do Batalhão Especializado em Policiamento de Eventos. Fundado em 2011, o departamento substituiu o Batalhão de Choque na segurança dos grandes eventos, especialmente nas partidas de futebol.

Com sua criação, foi implantada uma nova metodologia. Os policiais militares receberam treinamento especial para lidar com o público específico. Os torcedores passaram a ser entendidos pelos militares e vice-versa. Com a rotina de trabalho e pesquisas fundamentadas na área, o mesmo grupo de profissionais passou a trabalhar constantemente com as mesmas torcidas, o que gerou uma confiança recíproca. Outro ponto bastante comentado foi o fato de a atuação passar a ser preventiva e não repressora. Todo o trabalho é feito para evitar que haja o confronto entre torcedores rivais. Obviamente, algumas falhas acontecem, mas a redução da violência tem sido drástica.

Além disso, antes e após os grandes jogos, são realizadas reuniões com todos os órgãos envolvidos diretamente no evento, desde a Prefeitura até o responsável pela administração do estádio. No encontro, ficam definidos os papéis de cada um. O que acontece também com as organizadas.

- A gente acerta de onde é que a torcida tem que sair. Quem tem que providenciar os meios de deslocamentos é a torcida visitante. Eles têm que deixar claro para a gente de onde vão sair, quantos ônibus, quem é o responsável, para que a gente possa ter o controle. Não se faz a escolta de torcida a pé. A PM só se responsabiliza por aquilo que ficar definido na reunião. Durante o evento, algumas coisas básicas. Quantas faixas vão levar, o que está escrito e a disposição delas no estádio. No pós-evento, fica acertado que a torcida visitante vai ficar no estádio por cerca de 20, 25 minutos, ou até mais. Tempo suficiente para que a torcida representante do time mandante possa evacuar - explicou o capitão Ubiratan, um dos responsáveis do BEPE por coordenar o trabalho feito com as torcidas organizadas.

Mesmo com todo o cuidado e disposição dos agentes participantes, ainda são vistos alguns registros de conflitos. Eles deixaram de acontecer dentro do estádio, mas ainda acontecem nas redondezas e em alguns bairros. Quando eles ocorrem, na maioria dos casos, os líderes das organizadas culpam a dificuldade de controlar tanta gente diferente.

- Eles sempre dizem: “Temos os meus comandos, temos os meus distritos, mas eu não tenho o controle de todo mundo”. Eles mesmos falam isso. Mas aconteceu, é representante da torcida, a torcida é punida - acrescentou o capitão Ubiratan.

MINISTÉRIO PÚBLICO NA ATIVA

Além da Polícia Militar, o combate à violência entre torcidas organizadas na Bahia tem outro personagem forte. Com atuação conjunta ao Bepe, o Ministério Público integra os trabalhos preventivos que conseguiram reduzir as estatísticas nos últimos anos em todo o estado.

As condições ainda não são as ideais, mas já garantem mais tranquilidade. O estado ainda não conseguiu ter um promotor exclusivo para o futebol. Assim, as demandas são resolvidas pela comissão de direitos do consumidor. O Juizado do Torcedor foi criado, e punições são aplicadas tanto individual quanto coletivamente.

As torcidas organizadas podem ser impedidas de entrar no estádio com material alusivo - como faixas, bandeiras e camisas -, ter de pagar multas ou até mesmo chegar ao extremo da extinção. Já os torcedores são fichados e impedidos de irem aos jogos.

- O Rio Grande do Sul tem, desde o ano passado, no site da Federação Gaúcha de Futebol, a lista de pessoas impedidas de entrarem nos estádios. Aqui a gente está colocando também. Essa é a punição para o torcedor. Mas aí você começa a enfrentar algumas dificuldades. Às vezes, a delegacia não quer receber. A gente está sempre lutando para aprimorar. Vamos conversar com o comandante do BEPE, porque lá não vai ter outros criminosos, não vai ter problema, então pode ser que ele arranje uma solução para isso - comentou o Promotor Olímpio Campinho.

De acordo com o promotor, as delegacias dizem não ser responsáveis por receber e manter os torcedores fichados durante as partidas. Como o Bepe é um batalhão da Polícia Militar, a ideia é que o local seja adaptado e tenha um espaço reservado para que as pessoas punidas possam ser acomodadas.

TORCIDAS ORGANIZADAS INTEGRADAS

Além da atuação da Polícia Militar e do Ministério Público, a diminuição dos casos de violência nos estádios baianos passa também pela conscientização das duas principais torcidas organizadas do estado de que era preciso dar um basta. Após momentos críticos, como a morte de Hermílio Ribeiro Júnior, assassinado em 2006, o atentado a um menor em 2010, nas proximidades do Barradão, e outros tantos casos surgidos na primeira década dos anos 2000, a postura das diretorias das duas torcidas foi abrir caminho para o trabalho dos órgãos de segurança.

A Torcida Organizada Bamor, principal organizada do Bahia, vive uma nova fase na sua história. Denominada de “Bamor Nova Era”, a torcida segue as diretrizes indicadas por Polícia Militar e Ministério Público Estadual desde a filiação dos torcedores. De acordo com os diretores da entidade, atualmente, entre os documentos necessários para entrada na organizada, é pedido um atestado de antecedentes criminais. Além disso, de acordo com os diretores da torcida, a partir de agora há uma espécie de investigação interna para problemas ocorridos envolvendo a torcida.

Também passa pelo entendimento da Bamor que os conflitos envolvendo seus integrantes passam por uma questão social. No entendimento de Luciano Venâncio, que preside a torcida, as organizadas seriam vítimas de discriminação por conta da violência, que seria um problema de toda sociedade.

- Muitos ainda insistem em trazer uma briga de bairro para torcida organizada. Às vezes, nem torce pelo clube e traz isso. E junta com um, dois, três, e entra na torcida para tentar pegar a pessoa que é o alvo. É uma questão social também. Eles trazem muito isso do bairro. Às vezes, o cara está com um problema pessoal de bairro, de família, aí entra na torcida – diz Venâncio.

NA MEMÓRIA: CASOS DE VIOLÊNCIA QUE MARCARAM CLÁSSICO

O GE.com relembra casos emblemáticos de violência entre as torcidas de Bahia e Vitória, que marcaram negativamente a história do clássico baiano. Confira abaixo.

HERMÍLIO RIBEIRO JÚNIOR E EUGÊNIO DE SOUZA

Noite de 12 de abril de 2006, após o duelo entre Vitória e Cruzeiro, os integrantes da TUI, Hermílio Ribeiro Júnior e Raiuga Eugênio de Souza, sofreram uma emboscada no bairro de Pernambués. Os dois foram esfaqueados por integrantes da Bamor, que levaram uma bandeira da TUI (roubo que entre as organizadas tem valor de troféu) e um rádio. Mesmo ferido, Eugênio conseguiu fugir dos agressores. Júnior, ficou internado por dez dias no Hospital Roberto Santos, não resistiu aos ferimentos e faleceu, sendo enterrado no dia 23 de abril no cemitério da Quinta dos Lázaros.

LUIZ CARLOS VÍTOR PEREIRA E PEDRO SALES SILVA

O Ba-Vi do dia 11 de fevereiro de 2007 foi marcado por duas mortes. Quando chegava ao Barradão, a Bamor provocou um verdadeiro arrastão na frente do Estádio. Na confusão, o pedreiro Luiz Carlos Vítor Pereira, de 41 anos, foi agredido com um soco no rosto, bateu a cabeça ao cair e não resistiu aos ferimentos. De acordo com o pedreiro Jorge Heleno de Jesus Santos, de 23 anos, que acompanhava a vítima no momento da agressão, ele sequer era integrante da TUI. Casado e pai de uma menina, então com quatro anos de idade, Pereira era o responsável pela renda da casa, já que sua mulher é deficiente física e não tem condições de trabalhar.

No final do jogo, quatro integrantes de Os Imbatíveis seguiram o ônibus da Bamor ao final da partida. O destino da caravana da torcida era a região do Iguatemi. Mas, por comodidade, três torcedores pediram para descer do veículo antes do ponto final. Foi nesse momento que os homens que ocupavam os “rivais” decidiram agir. Esperaram as viaturas que faziam a escolta do ônibus da Bamor se afastarem, desceram do carro e ameaçaram os torcedores do Bahia de morte. Dois deles conseguiram fugir, mas o aposentado Pedro Sales Silva, de 43 anos, não teve a mesma sorte. Um problema na perna impediu que ele corresse. Mesmo não sendo integrante da torcida do Bahia, como os dois outros amigos que o acompanhavam, o aposentado foi apedrejado até a morte. Também casado, Sales tinha dois filhos. Um menino, então com 17 anos, e uma menina de nove anos.

ADELMARE DOS SANTOS JÚNIOR

No dia 6 de setembro de 2008, Adelmare dos Santos Júnior, de 20 anos, se arrumava para assistir o Bahia enfrentar o Grêmio Barueri, em São Paulo. Com alguns amigos da Torcida Organizada Bamor, esperava a partida começar nas proximidades da Escola de Engenharia Eletromecânica da Bahia, no bairro de Nazaré. Quando ia para um bar da região, o grupo de tricolores foi surpreendido. Integrantes da Torcida Uniformizada Os Imbatíveis (TUI), do Vitória, chegaram subitamente em um carro. Identificados apenas como Bethoven, Fernando e Chico, desceram do veículo para iniciar mais uma briga entre as duas torcidas. No meio da confusão, um dos torcedores do Vitória sacou uma arma e disparou. O tiro acertou o pescoço de Adelmare. Por ironia, o crime aconteceu quase em frente ao Ministério Público da Bahia.

ROUBO DA BATERIA DA BAMOR

Sete dias após o ocorrido em Nazaré, materiais da percussão da Bamor foram roubados na Avenida Mário Leal Ferreira, a Bonocô, em Salvador. De acordo com os integrantes da torcida, algumas crianças que fazem parte do projeto social estavam à espera de membros da torcida em um ponto de ônibus quando os assaltantes, que estavam em dois carros, vestidos com a camisa da Torcida Uniformizada Os Imbatíveis, do Vitória, roubaram os instrumentos. No dia 14 de setembro, quando o Vitória enfrentou o Coritiba no Barradão, a torcida organizada tirava um sarro da Bamor:

– Uh, é putaria! A Bagay sem bateria! – gritavam os torcedores durante a partida.