Entrevista: Charles fala sobre alguns atletas e admite ansiedade por acesso

Técnico explica ausência de Pittoni e admite má fase de João Paulo Penha

Aos 47 anos, Charles Fabian tem uma das maiores missões de sua vida, que é conduzir o Bahia rumo à Série A do Brasileirão. Depois de dois triunfos consecutivos no campeonato, o treinador tricolor concedeu entrevista ao CORREIO e falou sobre diversos assuntos: o seu amor pelo clube, diferença do elenco de 2014 para o atual, jogadores como Pittoni e João Paulo Penha, entre outros. Confiram!

Charles Fabian não esconde a vontade de seguir como treinador do Bahia na próxima temporada. Antes, no entanto, ele quer cumprir a meta de subir com o tricolor para a Série A (Foto: Felipe Oliveira/ E.C. Bahia)

Como ídolo e ex-jogador, o que sente ao ouvir a torcida gritando seu nome novamente?

Fico encantado mesmo, lisonjeado, quando entro no estádio e, ainda hoje, em outra situação, o torcedor chama meu nome. Fiquei muito emocionado quando vi que 88% da torcida queria que eu fosse efetivado. É um sentimento de gratidão muito grande mas, ao mesmo tempo, é uma responsabilidade imensa que carrego nos ombros. Tenho que conduzir o Bahia à Série A. Não é outro time, é o Bahia, sabe?

Como recebeu a notícia de que seria o novo técnico?

Na minha estreia, contra o Oeste, não consegui dormir bem nenhum dia. Ficava acordando 3h, 4h da manhã e não conseguia dormir mais. Isso tudo porque sei do desafio que me foi feito. Tenho o sonho de uma nação nas mãos. É responsabilidade minha conduzir isso. É um peso grande, no sentido positivo de dizer, mas, ao mesmo tempo, me sinto muito preparado. Estou pronto para fazer isso pelo Bahia.

Treinar um clube que você torce e ama facilita o trabalho?

Facilita demais, porque, além da parte técnica, você se doa muito mais. Mas, ao mesmo tempo, a responsabilidade é grande demais. Porém, como eu disse, estou muito preparado e vou me empenhar pelo Bahia. Nós estamos muito focados, muito mesmo.

Ano passado, você não conseguiu evitar o rebaixamento do Bahia. O que faz você acreditar no acesso no fim do ano?

Existe uma diferença muito grande de situações e, principalmente, de perfil dos jogadores. Claro que não era o grupo todo, mas existia uma vaidade muito grande por parte de alguns atletas que estavam aqui no ano passado. Isso atrapalhou a convivência, o relacionamento, a integração, tudo. Este ano, muitas peças mudaram e há uma diferença grande de perfil. É o nosso diferencial. É fácil ficar falando isso para a imprensa, principalmente nas vitórias, mas o grupo não estava fechado no ano passado. Este ano, sim. No jogo contra o Oeste, por exemplo, a força que os caras tiveram, como se uniram, se fecharam pra ganhar, me impressionou.

Os atletas falam muito que tudo mudou desde que você foi efetivado. O que aconteceu?

Sempre que há mudança de treinador, tem esse negócio de o jogador que não vinha jogando se sentir motivado e até aliviado. Eles treinam mais. E os que já estavam jogando  precisam treinar ainda mais para justificar a posição de titular. O jogador sai da zona de conforto. Tenho meu perfil de trabalho e Sérgio Soares tinha outro. Gosto mais de conversar com o jogador, ter feedback deles, saber a situação de como gostam de jogar, como se sentem no clube. Quando assumi, conversei com quase todos individualmente e acho que isso ajuda. Sou agregador, que conversa e sempre procura enaltecer o que o atleta fez de bom. Nunca foco nos erros, no que eles fizeram de negativo no passado. Muito do que consegui com eles passa por aí também. Procuro estimular, dar moral para os atletas.

A primeira experiência de Charles como treinador do Bahia aconteceu na Série C, em 2006. Na foto acima, é possível ver o volante Marcone, um dos jogadores de confiança dele (Foto: Acervo Pessoal)

Quando você era auxiliar, a zaga era muito criticada. Você já sentia vontade de interferir e colocar Gabriel Valongo no time?

Não podia escalar ele no time, porque era auxiliar. Eu sempre vi potencial no Gabriel. Tive algumas conversas com ele. Depois daquela falha no jogo contra o Sport, pedi para ele não baixar a cabeça. Fizemos dois jogos-treinos contra Fluminense e Juazeirense e ele, além de postura profissional, teve uma performance impressionante, que chamou muito a atenção. Ali me despertou que ele estava pronto e queria mesmo dar a volta por cima, que foi o que ele  fez. Ele é rápido, tem boa estatura e o melhor: soube ficar quietinho no canto dele, esperando a oportunidade, sem fazer birra, corpo mole, nada disso.

É um time com mais velocidade que você busca no Bahia?

Com certeza. Busco aquilo que o futebol exige: intensidade, velocidade, triangulações, ultrapassagens, transições rápidas. É isso que é exigido e é isso que eu exijo dos meus atletas. Tem que ter intensidade alta, nada mais que isso. Basta eles assimilarem, entenderem e colocarem em prática, o que tem acontecido. No jogo contra o Criciúma, o time partiu para cima os 90 minutos.

A ausência de Pittoni no time titular tem a ver com essa busca por velocidade?

É uma opção tática. Se as pessoas perguntam o tempo inteiro por ele é porque sabem do valor que o atleta tem. Ele é muito querido, muito carismático e também é um cara sério, trabalhador. Essa cobrança constante por parte da torcida e até da imprensa para que ele entre no time não me incomoda. Só quero que entendam que reconheço o valor dele e sei da qualidade do atleta, mas ele tem características de jogo que, no momento, da forma que estou jogando, ele não é o que melhor se enquadra. Tem outros que fazem melhor a função. Pittoni está engajado e, no momento certo, terá oportunidade. Quanto tempo Tchô não jogava? Teve oportunidade. O que tem que ser feito por ele, está acontecendo. Tem treinado todos os dias. Se ficar quieto e de cara emburrada é que não adianta nada. Ele está tranquilo.

João Paulo Penha vem sendo muito criticado pela torcida, mas você sempre fala que ele tem sua confiança. Como enxerga o desempenho dele?

É um jogador que as pessoas  perguntam: atacante não tem que fazer jogadas e o gol? Tem sim, claro que tem. Tem que qualificar as jogadas, fazer gol, finalizar e servir. Na parte ofensiva, sei que ele tem deixado a desejar. Não sou maluco de chegar aqui e falar que ele está bem, super bem tecnicamente. Sei que não está e ele também tem essa consciência. Só que as funções que eu peço, ele tem feito. Estou satisfeito pela função que ele exerce no grupo, no campo, ajudando os companheiros. E obediência tática é uma coisa que conta pontos demais comigo. João Paulo é um jogador de muito potencial. Ele, bem defensivamente, na marcação, vai ganhando mais confiança e as coisas vão fluir mais fácil na parte ofensiva. No momento certo, vai jogar bem, dar puxada, driblar, fazer gol. É questão de tempo e paciência. O importante é entender que é um atleta de valor.

Em dezembro do ano passado, Charles participou do programa de qualificação de treinadores da CBF, na Granja Comary, no Rio de Janeiro. Ele mesmo pagou o curso (Foto: Acervo Pessoal)

Muitos jogadores falam com admiração, ao lembrar que você já foi campeão brasileiro. Você é um espelho para esse elenco?

De certa forma, eles me enxergam assim,  mas não me sinto um espelho para eles. Sinto que tenho uma responsabilidade muito grande por eles, principalmente os da base. Quando cheguei aqui, muitos   atletas ficaram  admirados, queriam saber mais, conversar sobre a história e, claro, sonhavam em ser profissionais do Bahia e conquistar coisas. Railan, Yuri, Robson e Jeam são jogadores que têm carinho por mim e eu por eles. Então, é natural que esses atletas me vejam como espelho. Se for positivo, fico feliz em inspirar de alguma forma.

Você passou um período no Bayern de Munique e no Borussia Mönchengladbach, na Alemanha. O que você aprendeu lá que aplica nos treinos?

Algumas vezes, aqui no Brasil, quando um treinador se torna repetitivo nos trabalhos, o jogador reclama. Mas uma coisa que eles precisam entender é que, no futebol, se você quer que o time jogue de uma forma, precisa treinar daquela maneira exaustivamente, até que saia perfeito. Se quero que meu time jogue com triangulações, ultrapassagens, alta intensidade, transição rápida entre ataque e defesa, tenho que treinar isso. O que vi lá é que tem muita repetição, insistência na formação, na didática do sistema tático. Eu penso muito por aí. Foi o que me marcou muito, essa repetição. Às vezes, você muda um trabalho ou outro, mas os jogadores já têm na cabeça como é que tem que jogar.

Você se pega sonhando com um novo título nacional pelo Bahia?

O tempo inteiro. Me pego pensando na calada da noite, acordo de madrugada várias vezes pensando se isso vai acontecer, se nós vamos conseguir, em como isso tudo vai mudar minha vida. É uma coisa que mexe muito comigo, mas me esforço muito para não pensar, porque senão vou ficar maluco. Eu sou muito ansioso, sabe? Sou uma pessoa que se preocupa demais com as coisas, perco noite muito fácil. O Bahia meio que virou minha vida, mas de forma boa. Mexeu em tudo. É inevitável não ter essa carga emocional.

O Bahia tem chamado atenção pela organização fora de campo, pagamentos adiantados... Isso vai ajudar para o planejamento do ano que vem?

Com certeza, mas não só por isso. Ano passado, o Bahia teve muita dificuldade de contratar. Tinha muito jogador em time grande que se recusava a jogar na Série B. Viravam e falavam: “Pô, teria o maior orgulho de jogar no Bahia, mas não jogo Série B não”. Eles reconheciam o valor, a visibilidade, a grandeza do Bahia, mas simplesmente não aceitavam jogar uma divisão abaixo. Se a gente conseguir subir, não tenho dúvida que os jogadores vão brigar para vir para cá. A estrutura tem chamado muito a atenção deles. Tem que ter muita frieza para avaliar o mercado, porque, com certeza, muitos vão se oferecer.

Já parou para pensar que você foi o único a treinar o Bahia nas três divisões e, agora,  pode ser o primeiro técnico a cair e subir com o Bahia?

Eu só soube esse negócios de treinar o Bahia nas Séries  A, B e C por esses dias. Eu não sabia. Agora, você me traz mais um dado que não conhecia. Quero muito que se concretize. Eu tive a sorte de começar minhas duas carreiras no clube que eu sou torcedor. Fui campeão e ídolo como jogador e almejo isso como técnico. É um sonho entrar na história de um clube como o Bahia, desta vez como treinador. Se hoje eu sou reconhecido nacionalmente e internacionalmente é graças ao Bahia. Só tenho a agradecer por tudo que o clube fez na minha vida. Vai ter minha gratidão eterna.

(Foto: Acervo Pessoal)

Ter sido jogador do Bahia ajuda a suportar a pressão da torcida?

Acho que sim. Escuto muitas coisas ali na frente do banco de reservas. A gente precisa ter filtro, esquecer e focar no jogo. Talvez por ter sido jogador e ser torcedor, eu tenha mais compreensão de que aquilo não é por mal. É só vontade de ganhar o jogo, paixão, um querer ajudar de alguma forma. Eu, pelo menos, enxergo dessa forma.

Algum grito de torcedor já te deu uma luz e ajudou em algum momento do jogo?

Nunca passei por essa experiência, até porque eu ouço muito pouco o que eles falam. Além de ser muito barulho e muito grito, eu procuro não prestar atenção, para não atrapalhar a concentração.

Caso o Bahia opte por outro treinador no ano que vem, você planeja seguir sua carreira de treinador ou voltaria ao cargo de auxiliar?

Eu não quero pensar agora, meu foco é subir. O que vai acontecer futuramente, eu não sei. Mas sempre deixei claro que meu sonho é ser treinador. Eu me preparei para isso. Fiz cursos no Brasil e fora daqui, viajei, busquei novos conhecimentos. Aproveitei a convivência com o Sérgio Soares, o Gilson Kleina. Tudo isso me fez crescer muito. O importante, para trilhar um bom caminho nessa área, é ter cabeça aberta e saber ouvir. A gente só aprende se estiver disposto a isso e souber escutar quem tem mais anos de estrada. Também é fundamental ouvir sua comissão técnica, sabe? Não adianta querer aparecer sozinho.  Se eu não ouvisse eles, com certeza, eu não conseguiria colocar esse time para jogar.