Valongo, diferenças para Soares e desgaste: o Bahia do "novo" Charles

Qual a diferença do Bahia de Charles para o Bahia de Sérgio Soares? Em entrevista ao GloboEsporte.com, novo treinador fala sobre o que mudou sob seu comando

Charles Fabian; Bahia (Foto: Thiago Pereira)

A alegria voltou ao Bahia com Charles Fabian? É o que dizem alguns atletas em entrevistas coletivas, mais recentemente o atacante Roger. Desde que assumiu o comando da equipe, em substituição a Sérgio soares, demitido no início de outubro, o ex-jogador, campeão brasileiro em 88, ainda não perdeu: foram duas vitórias em dois jogos. Se o futebol não foi dos mais vistosos contra Oeste e Criciúma, ninguém pode dizer que faltou entrega dentro de campo. E convenhamos que a essa altura do campeonato, faltando seis rodadas para o fim da Série B, jogar bem fica relegado a segundo plano: o que vale mesmo é vencer.

A impressão que fica é de que tudo mudou de dois jogos para cá. Não só a alegria, mas a confiança no acesso à elite do futebol nacional foi renovada. O ambiente, dizem os jogadores, melhorou. O clima de animosidade com a torcida também é página virada. Mas, afinal, o que mudou de tão radicalmente em menos de um mês? Qual a diferença do Bahia de Charles Fabian para o Bahia de Sérgio Soares? O atual técnico tricolor responde a essa pergunta em entrevista exclusiva ao GE.com.

O treinador hoje, muitas vezes, ele tem que ser um administrador de vaidades. Às vezes o jogador entende, outras vezes, não. Daí é que se começa o desgaste, isso é natural. Não gostaria que isso fosse normal, mas infelizmente, no futebol brasileiro, isso é natural. 

Charles Fabian,

técnico do Bahia

- Cada treinador pensa futebol de forma diferente. Com os mesmos jogadores, eu gosto de jogar em um sistema diferente, porém tem muito a ver com a intensidade, que o Sérgio gostava de jogar e eu também gosto. O time joga com muita intensidade, com muita transição. Outra diferença é que Sérgio tinha a situação de colocar um time muito ofensivo, às vezes com três, quatro atacantes. Eu gosto de um time mais equilibrado. São situações que dependem de cada jogo. São situações mais de equilíbrio de equipe que eu gosto mais. Sérgio sempre foi um treinador muito ousado, nesse sentido da ofensividade. Eu sou um treinador mais cauteloso – afirma Charles Fabian ao GloboEsporte.com.

O indicativo de que havia um desgaste entre Sérgio Soares e alguns jogadores do elenco foi confirmado pelo próprio presidente do Bahia, Marcelo Sant’Ana. Charles, que conviveu de perto com Sérgio Soares durante os dez meses em que ele ficou no clube, prefere não falar abertamente sobre essa relação.

- O desgaste, ele não é só com o Sérgio, é com todos os treinadores, porque o jogador brasileiro, para você lidar, a cultura que a gente tem hoje, os jogadores são muito vaidosos. O treinador hoje, muitas vezes, ele tem que ser um administrador de vaidades. Às vezes o jogador entende, outras vezes, não. Daí é que se começa o desgaste, isso é natural. Não gostaria que isso fosse normal, mas infelizmente, no futebol brasileiro, isso é natural. Não é com Sérgio. Qualquer treinador que fica muito tempo no cargo, você começa a cobrar dos jogadores, porque sabe o que ele pode dar, e aí alguns jogadores respondem de uma forma positiva, outros não. Daí é que começa aquilo que a gente não quer, que é o desgaste, que é a repetição da conversa. Isso infelizmente acontece. Eu só lamento por essas situações, porque o perfil dos treinadores que eu conheço, e o Sérgio é um deles, é de caras sérios, que estão trabalhando, que estão focados na evolução dos nossos treinadores. Esse curso da CBF que eu fiz passou muita coisa positiva desses treinadores com intenção de mudar mesmo esse perfil. Mas isso aí requer ainda muita paciência – diz.

Gabriel Valongo foi a aposta de Charles Fabian (Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia)

A principal mudança de Charles em relação ao time do seu antecessor foi a escalação de Gabriel Valongo para corrigir a principal fragilidade do Bahia na Série B: a bola aérea. Funcionou. A defesa tem se comportado de maneira mais eficaz quando a bola vem pelo alto, e o resultado disso são dois jogos sem levar gols. 

Charles Fabian, então, relembra a estreia desastrosa de Gabriel Valongo na eliminação para o Sport, pela Copa Sul-Americana, e destaca a maneira positiva como o jogador se comportou durante todo o tempo em que penou sem espaço na equipe titular.

- Eu tinha convicção. Convivo no dia a dia com esses atletas, então sei o perfil de cada um, o que ele vai render. Se ele vai render, são outros quinhentos. Mas potencial a gente conhece. Gabriel foi uma situação dessa. Eu via Gabriel nos treinamentos. Teve dois jogos-treinos, contra Fluminense de Feira e Juazeirense, que ele jogou muito bem. Isso me ajudou muito a criar um perfil sobre o Gabriel. Quando aconteceu aquela catástrofe quando ele estreou, ele continuou trabalhando, calado, na dele, cuidando, esperando oportunidade. E eu achei que era um momento importante para ele, que ele estava treinando bem, estava jogando bem os jogos-treinos. Pelo potencial que ele tem e mostrava nos treinamentos, não tive medo nenhum de colocar ele. Só que, claro, você ter convicção de que o atleta tem potencial é uma coisa; ele render, são outros quinhentos. E ele foi e mostrou o potencial dele, para surpresa de muitos, mas não para mim – revela o treinador tricolor.

Confira outros trechos da entrevista de Charles Fabian ao GE.com.

IMPORTÂNCIA DE KIEZA

- Kieza é um jogador extremamente inteligente, veloz. É um jogador que reúne muitas qualidades, diversifica... Para marcar Kieza é difícil. Não só como atleta, mas como líder do grupo, nosso capitão, o grupo confia nele. Os jogadores sabem que, ele estando inspirado, dá muito trabalho aos adversários. Os números que Kieza tem, se você pegar quando joga e quando não joga, são diferentes. São números que representam a importância dele para o grupo. Além da importância dele dentro do campo, ele é um jogador que o grupo gosta. Kieza é um jogador carismático, sabe a importância que tem no grupo. É um jogador muito simples, que toma atitudes para agradar todo mundo, para deixar todo mundo feliz. Isso é a atitude de um líder. Claro que ele não é o único líder. Temos jogadores importantes que exercem esse papel, como o Douglas, o Gustavo, Paulinho Dias, Tiago Real, Maxi, Roger, Souza. Tem jogadores que têm esse perfil. Nós temos hoje um plantel com jogadores que têm o mesmo objetivo, então as coisas tendem a fluir de forma muito positiva.

JOÃO PAULO PENHA

- João Paulo é um jogador muito tático. Todas as situações que eu pedi para ele desempenhar contra o Oeste e contra o Criciúma, mesmo ele não fazendo tecnicamente o jogo que a gente desejava e que ele tem condição de fazer, que a gente lamenta... Mas, na parte tática, o que eu pedi para ele fazer ele seguiu à risca. Essas coisas você tem que levar em conta. Às vezes, o cara não está em um dia feliz tecnicamente, mas taticamente ele está bem e se doando o tempo todo para o grupo, se doando o tempo todo para a equipe. Essas coisas, às vezes as pessoas, o torcedor, a imprensa, não entendem; não valorizam essas coisas. Mas quem está no dia a dia, sabe a importância de dar uma função ao atleta e ele seguir à risca.

CHARLES FABIAN: ANTES E DEPOIS

- Eu vejo diferença, sim. Algumas coisas me ajudaram a pensar de uma forma diferente da que eu pensava antes. Os cursos na CBF que tomei, fui para fora do país, algumas coisas que eu idealizava, hoje eu vejo de forma diferente. Isso tudo sempre com objetivo de estar evoluindo, sempre buscando novos conhecimentos, mas nunca perder essa essência, que é a essência da intensidade de jogo, que eu acho muito importante.

MÉTODO DE TRABALHO

- Eu acredito muito na repetição dos trabalhos, na insistência dos trabalhos, de passar as informações para os atletas. Se você treina de uma forma, você tem que jogar dessa forma. Para cobrar dos atletas que eles possam render, você tem que trabalhar no dia a dia, com insistência, com situações. Às vezes você pode fazer até uma variação de trabalho, mas sempre que tenha os mesmo objetivos. Para que você consiga alcançar esses objetivos, você precisa trabalhar com insistência. O jogador brasileiro às vezes ele tem essa dificuldade: “Ah, fazendo o mesmo trabalho todo dia”. Por isso que, às vezes, a gente cria essa variação, mas sempre com os mesmos objetivos.

INSPIRAÇÕES

- São dois treinadores, mas um é especial. Dois treinadores que sempre trabalhavam dessa forma que a gente trabalha hoje, trabalhando isso lá quando eu jogava futebol ainda. Evaristo [de Macêdo], que o trabalho já era de muita intensidade, com muita velocidade, ele sempre cobrou isso da gente. O outro é seu Ênio Andrade, que foi o melhor treinador que eu tive, que também trabalhava nessa linha, com pouco tempo de treinamento, porém com muita intensidade. Isso foi em 1991, 24 anos atrás. E ele já pensava dessa forma. Professor Ênio era um cara extremamente inteligente, cativante, carismático. Todos do grupo gostavam dele, todos os lugares onde ele passou, sempre foi muito querido.

PLANOS PARA O FUTURO

- Não quero pensar em 2016. O mais importante agora é subir o Bahia, colocar no seu devido lugar, que todos nós sabemos qual é. Esse é o objetivo principal, não só meu, mas dos atletas, da diretoria, dos funcionários do clube. Todas as pessoas, esse trabalho que está sendo feito, ele vai ser coroado. Tenho certeza de que esse trabalho que se iniciou no dia primeiro de janeiro, ele vai ser coroado no dia 28 de novembro. Tudo está sendo feito de uma forma bem criteriosa, de uma forma bem planejada, de uma forma bem tranquila, porque nós sabemos o que é trabalhar no futebol com dificuldades. Há 32 anos que eu vivo no Bahia. Há 32 anos, eu sei tudo sobre o Bahia. Dentro ou fora, sempre presenciei muitas coisas do Bahia. Isso que está sendo feitio esse ano, tenho certeza de que esse trabalho vai ser coroado com o acesso.