Marcelo Sant'Ana: "O meu maior ídolo tricolor é a torcida"

Marcelo Sant'Ana diz que deixou de ir a festas com bebida alcoólica depois de assumir o Bahia – Foto: Fernando Amorim | Ag. A Tarde

Marcelo Sant'Ana virou jornalista porque queria trabalhar com esporte. E essa paixão começou porque, ainda criança, ele se encantou com a torcida do Bahia. Aos 33 anos, recebeu o convite para arriscar a carreira e se candidatar a presidente do clube a um mês da eleição. Aceitou, voltando ao ponto inicial do que levou à profissão inicial: a paixão tricolor. O soteropolitano de sotaque típico venceu a votação em dezembro do ano passado e  herdou um time rebaixado à Série B, além de R$ 178 milhões em dívidas. Nas duas competições seguintes, chegou às finais. Perdeu a Copa do Nordeste para o Ceará, mas, quatro dias depois, comemorou o título estadual com goleada de 6 a 0 sobre o Vitória da Conquista na Fonte Nova. Dezessete horas depois de receber a medalha de campeão, o cartola neófito, de personalidade forte, foi entrevistado pela Muito. Mostrou a convicção habitual, com a qual  responde sob aparência de ter pensado previamente em todas as perguntas possíveis. Não teve pressa, mas, logo após as  duas horas de conversa, correu para a TV. E fez questão de ver pela primeira vez as imagens da conquista do Campeonato Baiano na véspera. Nas páginas ao lado, ele conta que parou de ir a festas e à praia por causa do cargo, explica o desafio de mudar a mentalidade dentro do Bahia e os planos para torná-lo um dos oito maiores clubes do país.

Qual é a sensação de participar de um título do clube do seu coração?

É boa. Tanto nos momentos bons quanto nos ruins, você se sente mais responsável pelas coisas. Mas quero ganhar um título grande pelo Bahia. Campeonato Baiano, já ganhou 46. Muita gente ganhou também.

O que você deixou de fazer desde que se tornou presidente?

Sair, ir para o shopping... Não vou para festa que tem bebida alcoólica. O pessoal se estressa muito e pouca gente tem discernimento.  É uma escolha que me obrigam a ter.  Nunca mais fui à praia porque o pessoal fica fotografando. Alguns pedem, mas outros que fingem que estão fazendo selfie. Na rua, em restaurante...

O que pensa em fazer quando sair do Bahia? Algum cargo público?

Não penso muito na frente. Estou feliz, ainda tenho dois anos e meio no Bahia. Não penso em ser político. Só por necessidade, não por prazer.

A que nível você projeta levar o Bahia?

Seu lugar é, pelo menos, entre os oito melhores do Brasil. É um trabalho longo, tem que voltar à Série A e se estabilizar. Precisa ter credibilidade. Pagar funcionários, atletas, empresários, fornecedores. E ampliar receitas, rediscutir contratos, buscar ser mais valorizado. Dar retorno a investidores. Ser mais transparente.

Você trabalharia em outro clube, incluindo o arquirrival Vitória?

Enquanto tiver alguma opção, não. Por necessidade, talvez. Se minha família precisar, estiver em dificuldade. Não é desrespeito a outro clube, é respeito a meu clube. Para o torcedor, isso é muito duro. Sou torcedor também, não ia me sentir bem.

O Vitória era elogiado pela gestão, e o Bahia era considerado 'parado no tempo'. Isso se inverteu?

O Bahia era referência do que fazer errado. É inegável que o Vitória cresceu muito, mas parou de evoluir. De 90 a 2000, mudou muita coisa, de marketing, de nível de jogador, de investimento na base, de uso do Barradão. Nos últimos cinco anos, mudou o quê? De 90 a 2000, não mudou nada no Bahia. Da intervenção em 2013 para cá, está mudando muita coisa. Há um caminho de mudança e espero que dure.

O que precisa ser consertado mais imediatamente no Bahia?

Mudar a mentalidade, a maneira como as pessoas de fora e de dentro olham o clube. Entender que é um clube grande. Sinto que a expectativa da torcida aumentou. Estão voltando a acreditar no Bahia, o time dá mais prazer e as pessoas se sentem mais representadas. Nunca vou cobrar resultado, mas sim compromisso, vontade, determinação, trabalhar focado todo dia... A torcida vê que a gente se esforça.

Como você cobra?

Só falo para todo mundo junto. Individualmente, uma coisa ou outra. O que é do vestiário morre lá. Não falo de tática e de técnica, falo de postura, de caráter. Falei três vezes para o grupo, depois dos jogos (perdidos) contra Jacuipense (2 a 1), Conquista (3 a 0) e Ceará (2 a 1). As duas primeiras, mais para cobrar. A outra, para entender. Senti que precisava falar. Meu lugar não é o vestiário. Quem manda lá são o treinador e o capitão, e só entro autorizado. O que eu não aceito é o Bahia jogando para trás. Não quero saber quem é o adversário, a gente vai jogar para dentro.

Do que se arrepende nestes quase cinco meses?

De ter dado oportunidade a quem não merecia, como (o atacante) Jael. Mas não me arrependo. A gente errou no diagnóstico. Também já queria ter lançado o plano de sócios, mas não teve condição, tinha que reformular o sistema, renovar contrato com a Fonte Nova.

Como é analisar a situação do clube, ver tudo de perto e nem sempre poder resolver como gostaria? Fica agoniado?

No começo, ficava mais. Principalmente com as dívidas. Me sentia mal quando me cobravam e o Bahia não podia pagar. Hoje, não mais, porque não depende só da gente. O Bahia deve R$ 178 milhões.  A gente quer pagar, mas, para isso, precisa sobreviver e ampliar as receitas.  No início do ano, três ou quatro jogadores pediram para ir embora porque não acreditavam no clube. Hoje, pedem para renovar.

Por que o Bahia não resolveu carências, como a falta de laterais-esquerdos? Vendeu Pará e liberou Raul.

A gente precisa ter condição de contratar. Prefiro deixar o elenco fragilizado a comprometer o orçamento. Raul a gente liberou porque ele não tinha mais ambiente. Não tinha tranquilidade. Não vou discutir a qualidade dele. Com (o lateral-direito) Madson foi a mesma coisa. Pedimos para ele ficar, mas  não quis.

Oferecem muitos jogadores a você?

Toda hora. E cada vez mais. Para todas as posições. Ligam, mandam mensagens, mas não converso com empresário, só o gerente e o diretor de futebol. Eu veto ou digo qual jogador deve ser contratado.

E quando você discorda do que acontece especificamente com o time de futebol?

Até agora não discordei muito. E tenho que respeitar. Não significa que, por eu discordar, o técnico  e o diretor estão errados. Se Sérgio (Soares) fizesse tudo o que eu queria, o treinador era eu. Ele sabe que a diretoria não abre mão de jogar para frente. Dentro disso, vê em qual jogador ele acredita, a responsabilidade é dele. Nunca perguntei a escalação.

Você comemorou o título baiano com um terço, mas nunca exibiu muito sua fé...

Não faço promessa. Eu rezo, me benzo muito no dia a dia, é uma coisa que me faz bem. Sou católico, minha mãe até queria que eu fosse mais praticante, porque não vou à igreja. Brinco com ela: "Se Deus está em todos os lugares, posso falar com Ele na hora em que quiser".

Sua mãe é tricolor? Ela e os outros parentes dão palpite?

Agora, ela é Bahia praticante (risos). Não dou espaço, não converso sobre contratações, não é o mundo deles, é só ver o time em campo mesmo.

Quem mais lhe tira o sossego: desconhecidos, amigos ou conselheiros?

Meus amigos sabem que não respondo. Os desconhecidos falam mais. Não incomoda, só acho que as pessoas têm que ser justas na cobrança. Pedem mais camisa do que contratação. Já me pediram uma hoje, aqui (risos).

Como o Bahia vai atrair esses torcedores para dentro do clube?

A categoria de sócios é uma só, mas haverá faixas de preço diferentes. A gente já pediu para o conselho (deliberativo) adequar três artigos do estatuto. A primeira das duas etapas já está pronta. A única coisa que depende só do Bahia é o torcedor virar sócio. Ele pode ser o patrocinador.

Sua gestão cogita diminuir a dedicação do time ao Estadual futuramente?

Essa realidade  terá que mudar. Sei que demora. Se não tivesse ganhado o Baiano, eu não poderia sair de casa no dia seguinte. Ia ser xingado, fariam chacota. Sem a pressão de ganhar Estadual, o time teria menos desgaste pra Série B. É preparação.

Qual é seu maior ídolo tricolor?

A torcida. Virei torcedor por causa dela. Gostava de vê-la, achava bonito, ambiente de estádio, cheio de gente, a festa. Tem jogadores que gosto, não tem um só. Mas o grande jogador da sua história ainda vai aparecer. E será feito no Bahia. O clube não tem força financeira para contratar alguém assim. Tem que honrar compromissos e montar time para ser campeão, aí ele fica.

Você e o presidente da Federação Bahiana, Ednaldo Rodrigues, viraram desafetos. Como se reaproximaram?

A nossa relação era excelente. Em 2012, piorou. Não sei se foi porque defendi a Copa do Nordeste. Quando fui eleito, falei que precisaríamos conviver: "Preciso de você, pois clube se reporta à federação. E você precisa de mim porque o Bahia é o maior clube do estado. A gente esquece tudo e volta ao que era antes". E tudo bem.

Nota Luis Peres @BahiaClub: Gosto de gente inteligente. O recado foi dado...