Parece mentira, mas um jogador titular do Bahia anda diariamente pelo bairro de São Cristóvão para ir e voltar ao Fazendão. Um jogador que foi um dos principais destaques do Ba-Vi da final do Campeonato Baiano, que voltou para casa andando entre os torcedores sem ser notado. O jovem meia Marco Antônio, de 20 anos, paraense da capital Belém, vive esta rotina que não parece com a de um jogador titular de um clube da Série A.
Sem carrão, nem mansão, Marco Antônio prefere viver em um bairro mais humilde, assim como era no Pará, com hábitos típicos deste tipo de lugar, onde as pessoas se conhecem e resenham bastante. Porém, o jogador garante ser um cara caseiro. Mesmo após renovar o seu contrato com o Bahia até 2021 e ter tido um aumento salarial, ele garante não pensar em deixar o bairro, pelo menos por enquanto:
Gosto [de morar em São Cristóvão]. Daqui não quero sair. É minha raiz, desde antes de vir para cá, sempre morei assim, e gosto desse ambiente, de olhar as pessoas caminharem. Morador mesmo. É uma coisa bastante legal
O jogador ainda completou:
O Bahia até falou que quer me dar um apartamento, mas eu falei que ainda não. Deixei na vontade de Deus. Se Deus quiser que eu vá para o apartamento, eu vou. Ou se for para ficar por aqui mesmo, que eu gosto daqui, acho bastante tranquilo, seguro, fiz amigos aqui na rua.
Recebendo uma equipe do site Globo Esporte na sua casa, Marco Antônio mora com uma tia, Dona Rosa, a sua "segunda mãe", segundo ele. Na verdade, ela é mãe de Juari, um amigo do meia que também é jogador e atua no Suriname. Em 2017, Dona Rosa largou tudo em Belém e veio para Salvador, contando com o suporte do jogador tricolor. Pouco depois, eles já moravam juntos.
Isto já acontece há um ano e dois meses. Além dos dois, existe um outro personagem importante: Flávio, um guarda municipal que entrou na vida de Marco Antônio de uma forma inusitada: ele era motorista de Uber.
Eu fui chamado. Era motorista de aplicativo. Houve uma chamada, e eu fui e peguei ele. Ele queria ver um hotel, porque a ex-namorada estava vindo. Foi interessante, porque eu percebi que ele estava meio perdido, porque ele queria uma pousada que um colega dele da base, o Bolívia, indicou, mas ele não estava muito satisfeito. Ele queria uma coisa melhor. Eu, percebendo essa angústia, eu falei: “Hoje, eu vou ficar só com você. A gente vai rodar e você vai poder escolher o melhor para sua namorada”. A partir daí, começou essa amizade
O pai do jogador, que também se chama Marco Antônio, mora em Belém e vem pouco a Salvador. Com isso, Flávio assumiu esse papel na vida do meia. Ele providenciou a casa onde o jogador mora com a tia, que é em frente à sua própria casa, e os apresentou à vizinhança. Marco Antônio diz que, sempre quando precisa, Flávio faz tudo para ajudá-lo:
Acho ele um pouco parecido com meu pai, porque o meu pai sempre me dá conselho, fala as direções que é para ir. Meu pai não está aqui. Devo muito a esse cara aqui.
Depois do Ba-Vi
Marco Antônio já jogou 12 jogos com a equipe profissional, dez deles em 2018, sendo titular em oito partidas. O meia marcou dois gols nesta temporada, ambos em jogos contra o Botafogo-PB pela Copa do Nordeste. Porém, o principal momento da curta carreira do meia aconteceu no jogo de ida da final do Campeonato Baiano, contra o rival Vitória. O jogador infernizou a defesa rubro-negra e foi um dos destaques da partida, que ajudou o Tricolor a conquistar o título estadual na semana seguinte.
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Após aquele jogo, o meia voltou para casa no ônibus do Bahia, desceu na entrada da rua da sua casa, colocou um boné e caminhou "como se nada tivesse acontecido", segundo o próprio.
Acabou o jogo na Fonte Nova, pô, joguei bem e tal, desci ali... Eu vim até no ônibus do Bahia. Desci ali, botei meu chapéu e vim andando no mesmo dia. E as pessoas olhando como se nada estivesse acontecendo. Aí tinha uns parceiros que estavam assistindo ao jogo aqui, aí me olharam, me viram e já pararam, mas os parceiros aqui da rua mesmo. Mas quando vim, era uma coisa normal mesmo. As pessoas me viam e nem se davam conta de que eu tinha jogado o Ba-Vi. [...] Como se nada tivesse acontecido. Botei o chapéu na cara, peguei minha mala e vim andando normal, como se nada tivesse acontecido. Até quando vou trabalhar é assim mesmo.
Até mesmo o seu pai se surpreendeu com a naturalidade com que ele encarou uma final de campeonato contra o grande rival. Marco Antônio, o pai, visitou seu filho pela primeira vez após ele se mudar para Salvador e assistiu a partida contra o Santos, na Arena Fonte Nova. Ele assistiu o Ba-Vi em Belém, com familiares e amigos.
O pai do jogador falou à reportagem do site Globo Esporte:
Para ele, assim, é um jogo normal, fácil. Eu acho que fiquei mais ansioso do que ele dentro de campo. Depois, perguntei para ele como tinha sido, entrar no clássico, ver a torcida. Ele disse: “Não, pai, tranquilo, estou normal”. Eu disse: “Isso não é normal. Se eu estou sentindo desse jeito, a torcida, pareceu que eu estou aí, imagina tu que está aí, é o sonho que queria realizar”. A tranquilidade que ele tem... Mas para nós foi diferente, uma felicidade muito grande, teve festa na rua, na hora do jogo, na final. Foi aquela alegria. Todo mundo. Foi só orgulho para a gente.
Da quase dispensa ao sonho com Libertadores
No final do ano passado, quando Guilherme Bellintani assumiu a presidência do Bahia, o nome de Marco Antônio estava em uma lista de dispensa. O jogador teve desavenças com o ex-auxiliar técnico do sub-20, Valnei Pichite. Então treinador da equipe sub-20, Aroldo Moreira estava em um curso da CBF na época do desentendimento e disse que nunca colocou o nome do meia em uma lista de dispensa. Marco Antônio falou sobre a quase saída do Bahia:
Foi na Copa do Nordeste sub-20 do ano passado. Lá, tiveram alguns desentendimentos com a comissão, que mandou eu vir embora de lá e mandou me dispensar. E o Diego [Cerri] foi o cara que me segurou: “Não, te quero aqui”. Aí teve as férias, eu voltei e graças a Deus está dando certo
O meia se destacou na Copa São Paulo de 2016, pela equipe da Desportiva Paraense, inclusive jogando contra o Bahia. Depois disso, Marco Antônio foi contratado para a equipe sub-20 do Tricolor e se destacou. Em 2017, jogou duas partidas pelo profissional, no Campeonato Baiano, comandado por Guto Ferreira. Porém, acabou não sendo aproveitado no resto da temporada. O jogador confessou que ficou frustrado:
Cheguei [a ficar frustrado]. Em alguns momentos, cheguei a pensar que não faria mais parte do Bahia, que meu contrato ia chegar, e o Bahia não ia mais... Devo muito ao Bahia, à direção, ao Diego Cerri, que sempre foi um cara que apostou em mim. E desde lá estou com a cabeça tranquila. Continuei trabalhando firme, porque a gente não sabe o tempo de Deus. Continuei trabalhando, focando, pezinhos no chão sempre. Deus está honrando agora
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2018 tem sido bastante diferente e Marco Antônio já deixou de ser apenas uma promessa. Sobre a participação no Campeonato Brasileiro, o jogador sonha alto:
De mim, espero fazer um grande Brasileiro. O grupo é muito forte. A gente vem falando que não quer brigar por rebaixamento, nada. O que a gente sempre fala é que a gente tem que brigar por coisas altas, uma vaguinha na Libertadores. A gente sabe que é muito difícil. Eu vou tentar dar o meu melhor para conseguir essa vaga na Libertadores – afirmou Marco Antônio.