O castigo dos acomodados

Há coisas que você ouve e nem liga. Outras, aparentemente até bobas, mexem demais porque tocam no lugar certo (ou errado). Hoje, o pior do Bahia é não ligar para mais nada do que escuta, seja na rua, dentro de casa, no CT ou na Fonte Nova. Parece já não existir palavrão ou elogio que faça esse time reagir. Vive-se no mundo do faz de conta.

Na história do Brasileiro, o Bahia já teve jejuns piores que os atuais sete sem jogos sem ganhar. Então campeão Brasileiro de 1988, por exemplo, o Bahia passou nove jogos sem vencer logo na edição seguinte. Foram 61 dias em jejum! E, exceto por Bobô e Zé Carlos, a base era praticamente a mesma.

De orgulho tricolor em fevereiro, o time envergonhou a torcida entre setembro e outubro. Foi 10º entre 11 clubes do grupo na fase classificatória de 1989 e acabou no Torneio da Morte. Com gols de Gil e Charles, venceu o Ba-Vi por 2x1 e arrancou para evitar o vexame de ser campeão e rebaixado no ano seguinte.

Hoje, os resultados são péssimos e não há o consolo de um grande título. A realidade é mais próxima à do rebaixamento de 2003, quando também ficou sete rodadas sem vencer. Mas há de se pontuar diferenças também. Há dez anos, Evaristo de Macedo pegou o boné após goleada por 6x0 para o Flamengo no Maracanã e a diretoria foi atrás de Lula Pereira. Depois Lula foi pra rua e veio Edinho Nazareth. Foi mais devastador que se tivesse caído uma bomba atômica no Fazendão. Acabou o clima.

Uma visita ao Fazendão atual e é possível sentir que o ambiente não é dos mais carregados, que o grupo não está rachado por panelinhas. A fotografia mostra a resignação típica dos derrotados. Não deixa de ser preocupante que ninguém se cobre justamente na reta final.

Na última coletiva, o técnico Cristóvão Borges tocou no problema da autoestima. “É um sintoma preocupante, mas vamos trabalhar para reverter, porque esse é o primeiro passo. A atitude, o comprometimento e a entrega têm que ser iguais aos que tivemos nos momentos bons do campeonato”, falou.

Cristóvão falou, mas pouco fez para refrescar este ambiente. O Bahia tem o mesmo elenco fracassado do Nordestão, do Baiano e da Copa do Brasil. A nova diretoria não foi pressionada para trazer reforços e se acomodou nos quase 30 dias que teve de prazo. E peças que tecnicamente poderiam ajudar, como Talisca e Obina, já haviam sido escanteadas pelo treinador, até a crise bater a porta.

O técnico não tem culpa pela montagem desse grupo fracassado, mas mostra ter parcela de culpa no fracasso ao não ver e negar que existe um abatimento. “Em termos de luta e aplicação, o time continuou o mesmo”, garantiu após os 3x0 no Pacaembu. É uma mentira!

Na fase de alta, além da sorte, o diferencial era o esforço coletivo. Cada jogador superava com suor e determinação a falta de talento. É assim com o cidadão comum. Poucos são especiais. Hoje, o time já não sabe o que quer e entregou o destino nos pés adversários. O papelão de tomar 5x1 e 7x3 do Vitória não é a pior coisa do mundo. O pior é achar que a vida não muda. A lição de 1989 e vale hoje. É melhor ouvir enquanto dá tempo.

Esforço  O Vitória tem quatro jogos pra somar 12 pontos. Não existe outra conta para quem sonha com a Libertadores. É obrigação enfileirar os adversários.

Lá na frente, caso a vaga não venha, paciência. O Vitória voltou este ano à elite, após duas temporadas na Série B. Esse grupo, provavelmente, fará a melhor campanha da história de um clube do Nordeste nos pontos corridos, que é o 10º lugar do próprio Vitória, em 2008, com Vágner Mancini.


Fonte: Marcelo Sant'Ana – Colunistas - Correio