De jornalista a presidente: cem dias de gestão de Marcelo Sant'Ana no Bahia

Em conversa com o GloboEsporte.com, presidente do Tricolor avalia primeiros meses de mandato, cita dificuldades e comenta negociações com jogadores e Fonte Nova

Marcelo Sant'Ana completa cem dias na presidência do Bahia (Foto: Reprodução / Facebook)

Cem dias para novidades: diretores anunciados, contratações realizadas e postura modificada dentro de campo. Cem dias para resolver problemas: pagar dívidas, negociar com fornecedores e procurar novas fontes de receita. Cem dias de transformação: de jornalista a presidente, de espectador a protagonista, de pedra a vidraça.

Eleito no dia 13 de dezembro de 2014 e empossado no dia 17 do mesmo mês, Marcelo Sant’Ana completa cem dias à frente do Bahia nesta sexta-feira. A marca parece curta perante os três anos que ele terá como presidente do clube, mas é suficiente para colocar em prática a promessa de uma metamorfose em azul, vermelho e branco.

Em pouco mais de três meses, o Bahia passou por mudanças significativas. Boa parte do elenco que foi rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro deixou o Fazendão. Para não atrasar salários, uma folha salarial de um milhão e meio por mês foi estipulada pela nova diretoria. O quadro de funcionários foi enxugado com demissões. Jovens formados nas categorias de base  ganharam mais espaço, como Jean, Rômulo e Bruno Paulista.

Os cem dias também serviram para que Marcelo Sant’Ana aprendesse lições. O caso Jael foi o mais emblemático: o Bahia anunciou a contratação do atleta mesmo sem ter um vínculo assinado. As negociações regrediram, e o clube ficou sem o atacante.

- Foi um erro de diagnóstico. Tínhamos uma expectativa no atleta, e ele mostrou outra coisa. A gente errou também. No gerenciamento de crise. Foi, que eu lembre, o erro que a gente teve até agora - contou o presidente tricolor ao GloboEsporte.com.

Marcelo Sant’Ana recebeu a equipe do GloboEsporte.com no Fazendão e concedeu entrevista exclusiva. Confira os assuntos abordados, que incluem planos de marketing, análise sobre o desempenho do time, avaliação da atuação da diretoria e projetos para o futuro do clube.

GE.com: Qual a sua avaliação dos primeiros 100 dias como presidente do Bahia?

Marcelo Sant'Ana: É pouco tempo para ter opiniões definitivas. O que dá para ter certeza é que a gente vai mudar o Bahia para melhor. Isso tenho convicção. Questão de organização, de processos dentro do Bahia, uma rotina administrativa mais com cara de empresa privada do que de, com linguajar até pejorativo no Brasil, serviço público. Isso vamos trazer para o Bahia. E a mentalidade do time. Vamos mudar a postura como o Bahia joga. Acho que as pessoas já devem ter observado. O Bahia vai voltar a ser protagonista das partidas. Se o resultado vai vir, não posso garantir. É jogo. Mas a postura do time vai ser diferente. Já tem sido diferente.

Marcelo Sant'Ana conta que pediu um time ofensivo ao técnico Sérgio Soares (Foto: Divulgação/E.C. Bahia)

As mudanças de mentalidade na administração e da filosofia de jogo são suas principais metas no Bahia?

O principal desafio é mudar a mentalidade da torcida do Bahia. Fazer o torcedor entender que o Bahia é um clube grande, mas que tem 20 anos que praticamente fez coisas erradas. Perdeu a linha na história. O torcedor do Bahia não tem esse discernimento. Ele cobra resultados como se o Bahia estivesse disputando a Libertadores por cinco anos seguidos. Como se o Bahia fosse referência. O Bahia só é referência nos nossos sentimentos. O Bahia não é exemplo ainda em nenhum setor. Tem que evoluir na parte administrativa, no futebol. Tem que se desenvolver. Nos últimos anos, o Bahia não se preocupou com gestão. A mudança que eu pretendo ajudar a ter dentro do clube é a mentalidade da torcida. Cobrar um clube grande, mas com consciência do lugar onde estamos hoje. E que, para chegar onde a gente deseja, existe uma coisa chamada percurso, e estamos nesse caminho. A gente precisa que o torcedor seja parceiro do clube, independentemente da administração. As gestões mudam, e o clube continua. Eles têm que ajudar o clube para o clube crescer. Não porque presidente A ou B é considerado bom gestor e vai ter um bom mandato.

Você considera que, nesses 100 primeiros dias, há um avanço no processo de conscientização de que o Bahia é um clube que caminha para se profissionalizar?

O Bahia tem que ter uma folha de R$ 1,5 milhão. Não adianta dizer que quer ter uma folha de R$ 2 milhões. Então tem que colocar mais dinheiro para dentro. Só vamos poder ter folha de R$ 2 milhões quando tiver mais dinheiro. Não tem isso de contrata e depois ajeita. Tem 20 anos que o Bahia tenta ajeitar e dá errado.

Marcelo Sant'Ana

Bahia neste ano contratou nove atletas. Deixo a reflexão com o torcedor. Qual foi a última vez que o Bahia contratou tão pouco? Em qualidade, cada um faz sua avaliação individual, é subjetivo. Quantidade é critério objetivo. Independente de ter oscilação em campo, mantemos nossa postura de dizer que não vai contratar e realmente não contratar. Sou transparente. O Bahia tem que ter uma folha de R$ 1,5 milhão. Não adianta dizer que quer ter uma folha de R$ 2 milhões. Então tem que colocar mais dinheiro para dentro. Só vamos poder ter folha de R$ 2 milhões quando tiver mais dinheiro. Não tem isso de contrata e depois ajeita. Tem 20 anos que o Bahia tenta ajeitar e dá errado. Então acredito que, aos poucos, as pessoas vão entender que, para o time dar resultado em campo, tem que ter um clube que dá resultado. No Brasil, a gente, e me incluo nisso, gosta do time quando ganha. Poucas pessoas se preocupam com a instituição, como as coisas são feitas, de como é o relacionamento com o funcionário, o fornecedor. As pessoas julgam pelo que acontece dentro de campo. É a ponta final do trabalho. Todo mundo trabalha para que os caras que vão jogar possam dar o seu melhor. Muitas vezes no futebol acontece de, fora de campo, o time estar bem e dentro estar mal. Outras vezes acontece o inverso. Mas, se recortar períodos, de dois anos, cinco anos, dez anos, vai ver que os clubes mais organizados são geralmente os que mais ganham. E, se não ganham títulos, sempre incomodam. O clube que mais incomoda no Brasil é o São Paulo. Dificilmente o São Paulo joga um campeonato e fica na parte de baixo. Tem alguns anos que não ganha um título importante. Mas sempre termina o Brasileiro em segundo, terceiro... Isso é reflexo da administração.

O São Paulo serve de espelho para o Bahia?

Ainda não. O exemplo a ser seguido é o Atlético-PR. Vinte anos atrás, era clube de Série B, sem estádio, sem títulos grandes, sem muitas condições de trabalho. Em vinte anos, se estruturou, tem estádio próprio que foi sede da Copa do Mundo sem padrinho político envolvido, tem centro de treinamento utilizado por seleção campeã do mundo [Espanha], tem um título brasileiro, disputou decisão de Libertadores, chegou na Libertadores pela Série A de pontos corridos e não está em uma cidade com economia ou política referência nacional. A última vez que o Brasil foi campeão do mundo, a Seleção tinha um jogador do Atlético-PR como titular [Kléberson]. Acredito que, para o Bahia tentar chegar ao nível do São Paulo, tem que chegar ao nível do Atlético-PR. Tem uma escala. Vinte anos atrás, o Atlético-PR era um nível abaixo do Bahia. Hoje está em um nível acima. Temos que buscar esses bons exemplos para a gente voltar a crescer.

Marcelo Sant'Ana costuma ouvir conselhos dos torcedores do Bahia (Foto: Divulgação / EC Bahia)

Qual foi a principal dificuldade nesse período à frente do Bahia?

Fluxo de caixa. Quando entrei no Bahia não tinha um fluxo de caixa bem definido. Era coisa que estava sendo resolvida pela administração anterior. Mas, se você me perguntasse quanto o Bahia teria no fim do mês, eu não enxergava. Então, essa questão de honrar compromissos, o Bahia não tinha isso solidificado. Essa foi a grande dificuldade que tive no início. Sem saber quanto está entrando e quanto está saindo, você não consegue se planejar. No mundo que vivemos, dependemos disso para as outras áreas funcionarem. Envolve a satisfação do funcionário, a autoestima. O ambiente familiar do funcionário é modificado se ele recebe ou não em dia. Se tem previsão ou não. As pessoas precisam se programar, elas têm compromissos fora do Bahia. Para o Bahia funcionar, as pessoas que trabalham pelo e para o Bahia têm que estar bem. Elas precisam estar motivadas e valorizadas. A gente diagnosticou que não estava funcionando assim. Apesar de dizerem que o clube tinha melhorado, o Bahia ainda estava e ainda está distante do cenário ideal.

Isso foi um problema que precisou ser resolvido antes mesmo de se pensar no futebol?

Foi. Tanto é que meu primeiro diretor foi o diretor executivo [Marcelo Barros, anunciado na posse]. Antes do diretor de futebol [Alexandre Faria]. Daí se vê onde estava minha maior preocupação.

Existe algo de que você se arrepende apesar do curto período à frente do Bahia?

O caso Jael. De ter tentado contratar um jogador que mostrou que a gente estava errado. Não foi profissional no trato conosco. De o clube ter anunciado sua contratação sem estar totalmente fechado. Não boto nem em arrependimento. É uma palavra forte. Foi um erro de diagnóstico. Tínhamos uma expectativa no atleta, e ele mostrou outra coisa. A gente errou também. No gerenciamento de crise. Foi, que eu lembre, o erro que a gente teve até agora. Temos pouco tempo para avaliar. Foi uma questão pontual que serviu para a gente amadurecer. A gente aprende vivendo. Acredito que ficou. Depois, tivemos outros exemplos de negociações que não vazaram, como Léo Gamalho. A própria transferência de Pará e Souza, que ficou muito tempo e as pessoas perguntavam porque eu não confirmava. Não estava assinado. Não vou confirmar algo que não existe. Já errei uma vez. Vamos tentar ao máximo minimizar os erros. Somos humanos e vamos errar, mas vamos tentar reduzir os erros.

Em janeiro, Bahia anunciou atacante Jael: erro da gestão, de acordo com presidente do Tricolor (Foto: Reprodução)

Ao assumir o cargo de presidente do Bahia, você encontrou algo que te surpreendeu?

O que surpreende, mas ao mesmo tempo não é surpresa, é a relação da torcida comigo. Não consigo ir para nenhum lugar de Salvador e não falar com torcedor do Bahia. É impossível. Perguntam do clube, conversam, mostram que querem que o Bahia cresça. Dizem que acreditam na administração, que gostaram do presidente ser uma pessoa jovem. Que essa mudança de mentalidade é mais fácil para um jovem conduzir do que uma pessoa que já é viciada no meio. Isso que surpreende, mas sou torcedor do Bahia e sei como a gente é. Quando a carga emocional vem, a gente percebe a importância ainda maior que o clube tem. Não só para quem é tricolor, mas como o Bahia influencia diretamente na vida de quem é de Salvador. O Bahia tem impacto na política, na polícia, no bom humor, em tudo no nosso estado.

Você tem proporcionado esses encontros com a torcida nas idas ao estádio. Isso é uma estratégia para atrair os torcedores de volta?

Não digo estratégia. É o jeito que eu sou. Não é porque sou presidente que vou mudar meu jeito. Gosto de conversar com as pessoas na rua, com o torcedor no estádio. Gosto de ver como está a venda de ingressos. Para ter uma percepção melhor do que o torcedor está passando em dia a dia. É uma maneira de ver in loco como as coisas estão acontecendo. Lógico que não posso ter contato 100% das vezes, ou não faria outra coisa. Às vezes, você quer até conversar um pouco mais com as pessoas, mas vem muita gente e não consigo dar atenção a ninguém. Não fico criando barreiras para me distanciar dos outros, não é meu jeito. Converso com os presidentes de outros times do mesmo jeito que converso com o torcedor do Bahia. Muda uma roupa, uma palavra. Mas a essência é a mesma. Não pretendo mudar por estar ocupando um cargo que é momentâneo. O mandato tem duração. Não vou me iludir. A maneira como as pessoas se relacionam comigo, em muito, é pelo cargo que ocupo, mas o cargo não é meu. Daqui a pouco vou, e vem outro. O clube não é meu. O dono do Bahia é o torcedor, que é sócio do Bahia.

Marcelo Sant'ana e Pedro Henriques no Fazendão (Foto: Divulgação / EC Bahia)

Ultimamente sua popularidade com os torcedores tem atingido até mesmo os rubro-negros, como o Lucas, que pediu o seu boné no Barradão...

Eu nem gosto de falar das coisas do Vitória. Fica meio deselegante. No ambiente de dentro do campo, somos rivais. A rivalidade existe há muitos anos. Pretendemos que essa rivalidade aconteça durante muitos anos. Mas que seja uma rivalidade de alto nível. Nos últimos anos, Bahia e Vitória têm sido rivais de baixo nível. De não se entenderem como clubes, de as torcidas não se respeitarem como pessoas e os times não honrarem os torcedores. A incompetência dos times reflete a incompetência dos dirigentes. Se um ou outro torcedor do Vitória se identifica é pela maneira como falo. Talvez pela democracia no Bahia, que não é uma coisa minha, é da torcida. E essa política de tentar modificar situações que a gente que é torcedor não concorda. O futebol brasileiro tem que mudar. Esse pensamento em comum, que não depende do clube pelo qual torcemos.

O Bahia hoje é um clube mais profissional?

O que prometemos de pagamento, pagamos no prazo estipulado. Até agora o que a gente prometeu a gente cumpriu. Não consegui atender todo mundo e nem vou conseguir. O Bahia tem uma dívida, na parte federal, de R$ 127 milhões.

Marcelo Sant'Ana

Com certeza. Pelas coisas que a gente tem mudado. De hierarquia, das pessoas saberem a quem têm que se reportar. De cada um ser responsável por determinadas pastas dentro dos setores. Por ter uma organização maior de cumprimento de horário. Pelas pessoas saberem que existem metas e prazos. Que fazemos acompanhamentos. O que prometemos de pagamento, pagamos no prazo estipulado. Até agora o que a gente prometeu a gente cumpriu. Não consegui atender todo mundo e nem vou conseguir. O Bahia tem uma dívida, na parte federal, de R$ 127 milhões. Se colocar que o Bahia tem uma previsão de orçamento no ano de R$ 60 milhões, você vê a distância. Se fizer uma conta direta, que é errada, o Bahia não gastar nada, usar o dinheiro só para pagar a dívida, seriam dois anos. Mas não é assim. Não é toda dívida que se consegue pagar. Se paga alongando o perfil da dívida. Vamos analisar a lei de responsabilidade no esporte e tentar encaixar o Bahia. Se tudo estiver equacionado, conseguimos fazer a máquina funcionar, respirar, reinvestir no clube. Sem reinvestimento, não cresce o clube. A própria pessoa que tem direito a receber o pagamento do Bahia fica mais difícil. É duro dizer isso, mas as pessoas a quem o Bahia deve precisam entender que, para pagar, o Bahia precisa sobreviver. Não adianta colocar a faca no pescoço do clube, que não é assim que as coisas vão ser resolvidas.

Em pouco tempo, você passou do papel de torcedor e jornalista para o de presidente. Como é a sua postura diante desta transformação?

O que muda é mais o que posso falar e o que não posso. Hoje, quando me expresso e me posiciono, tem um impacto muito maior. Tem situações que acho engraçado. Falo algumas coisas, e dizem que estou sendo duro. Se se dessem ao trabalho de procurar o que escrevi, veriam que defendo o mesmo que defendia antes. Mudou justamente a posição que ocupo. Algumas vezes, as pessoas me dizem que tenho que ser mais político. É uma acepção ruim da palavra. Concordo que, em algumas situações, não se pode ser tão direto para não ferir os outros. O que busco fazer aqui, respeitando as individualidades de cada um e todos os órgãos, é defender o Bahia. Cada um tem sua função, a minha é defender os interesses do clube. Nos últimos anos, o Bahia perdeu a capacidade de se posicionar. O Bahia aceitava passivamente o que era oferecido. Não é assim. Enquanto for presidente, o Bahia vai se impor. Quem não gostar tem direito de se posicionar de maneira respeitosa e dar seu lado da argumentação.

Tem alguma postura que antes você criticava e hoje, como dirigente, avalia como necessária?

Não. Não tenho. Sigo meus ideais. Fui eleito pelo sócio do Bahia pelo que eu dizia, pelo que fiz enquanto jornalista. Não posso mudar meu comportamento ou vou trair quem me elegeu. Seria uma fraqueza de personalidade. Isso não combina com meu perfil.

A popularidade de Sant'Ana tem se expandido aos torcedores do Vitória, com o menino Lucas (Foto: Thiago Pereira)

Durante as eleições, você foi taxado por alguns candidatos como um candidato da situação. Você recebeu o apoio de Sidônio Palmeira. Durante esses 100 dias, ele teve alguma participação no Bahia? Nas decisões tomadas no Bahia?

Não. Converso com ele de vez em quando, como conversava antes. O que eu falava durante a campanha tem gente que não acredita. Eu conheci Sidônio quando tinha 18 para 19 anos, jogando bola num campo sintético que ficava ali no terreno do Hiperposto. Sidônio teve um papel importante na democracia do Bahia. Ajudou com o contato que ele tem no Judiciário, com o Governo do Estado. Agora, ele participa da gestão do Bahia? Não. De vez em quando, converso com ele? Converso. Ele é uma pessoa que pode facilitar a aproximação do clube com o Governo do Estado? É. E aí eu vou prejudicar o Bahia porque A, B, C, D não gosta dele? Não. O que é que foi que ele fez de errado no Bahia? Ele fez alguma coisa moralmente condenável, eticamente condenável? Não. Ele ficou no Bahia até maio, depois saiu para fazer campanha de um candidato ao governo. Em maio, o Bahia estava campeão baiano e iniciando o Brasileiro. As pessoas buscam criar rótulos. Tal pessoa é competente, tal pessoa é incompetente, tal pessoa é boa, tal pessoa é ruim... E não é assim. A vida acontece muito mais entre uma coisa e outra do que nos extremos.

Sidônio Palmeira apoiou Marcelo Sant'Ana durante a eleição de 2014 (Foto: Thiago Pereira)

Acho ele uma boa pessoa, não tenho vergonha de entrar em contato com ele, de sair com ele, de ser visto. No jogo contra o Shakthar mesmo, botaram uma foto na internet que eu estava sentado e ele estava de meu lado. Ele estava do meu lado porque eu convidei. Assim como convidei Guilherme Bellintani [secretário municipal de educação] para ir, como convidei Oldegard Junior para ir, que é o cara que me apoiou na época da candidatura e não é nem conselheiro do Bahia. São pessoas que eu convivo, que eu tenho relacionamento. Não escondo as pessoas que estão próximas a mim, as pessoas que estão distantes. Não escondo porque não tenho o que esconder. As pessoas fizeram o que de errado? Esportivamente, o Bahia foi bem ano passado? Não foi. Cansei de dizer isso várias vezes. O slogan de minha chapa era “É a vez do futebol” por entender que o futebol foi o grande problema da administração passada, que pegou um mandato tampão. Aí as pessoas buscavam, como você citou, me rotular como candidato da situação. Eu nunca fui da situação do Bahia. Eu nunca fui empregado do Bahia, nunca participei de diretoria nenhuma do Bahia, nunca vim para reunião nenhuma no Bahia, de ficar participando de construção de coisas dentro do clube.

Agora, tive apoio de pessoas ligadas a direção, tive. Menos do que um candidato que foi derrotado. E nunca escondi. E também não gosto desses rótulos de quem é situação e de quem é oposição. E a eleição acabou. A próxima eleição que a gente vai ter é em 2017. Então todo mundo tem que ter hoje um foco, que é o Esporte Clube Bahia. Dentro do Conselho, eu tenho uma relação excelente com o presidente, Henrique Della Torre, que era integrante de um grupo que ficou em segundo lugar na eleição. E com ele e algumas pessoas do grupo dele, eu tenho tido um ótimo relacionamento. Eu digo para ele: “Henrique, eu não tenho grupo”. Claro que eu tinha dois grupos que me apoiaram, três grupos que me apoiaram durante esse processo de eleição, mas eu nunca fui filiado a nenhum grupo. Depois que virei presidente, aí que posso ter menos vinculação ainda. E ele tem um entendimento parecido, que todo mundo lá tem que trabalhar pelo Bahia. E eu acredito, fazendo uma conta por alto, que 80 a 90% do Conselho Deliberativo do Bahia pensa no Esporte Clube Bahia, independentemente do grupo que eles fazem parte. E aí tem umas 10% a 20% que eu acho que vai ser frustrado a vida inteira, porque eles se preocupam, na verdade, com as pessoas e não com o clube.

Como estão as negociações com a Fonte Nova com o contrato que está terminando no primeiro semestre desse ano?

Tanto o Bahia quanto o consórcio entendem que, para ser bom, para esse casamento dar certo, a gente tem que se entender melhor. Não pode ficar brigando. A gente tem que passar a construir. Eu tenho o sentimento que a gente vai conseguir chegar a um entendimento. Aí você pergunta: vai ser fácil? Nada na vida é fácil. Se for muito fácil, desconfie.

Autor

Boas. De vez em quando tem stress, mas é normal. Eu sou presidente do Bahia, então eu defendo o Esporte Clube Bahia. A Arena Fonte Nova é um consórcio que tem o seu presidente, que é o Marcos Lessa. É natural que, na negociação, em alguns momentos, eu puxe mais para o Bahia e o Lessa para o consórcio? É natural. Até mesmo porque, se ele é representante do consórcio, ele tem que defender o consórcio mesmo. O papel dele é esse. Se ele não fizesse isso, estava errado. Como se eu não fizesse o papel de defender o Bahia, eu estaria errado. Tanto o Bahia quanto o consórcio entendem que, para ser bom, para esse casamento dar certo, a gente tem que se entender melhor. A gente não pode ficar brigando. A gente tem que passar a construir. Eu tenho o sentimento que a gente vai conseguir chegar a um entendimento. Aí você pergunta: vai ser fácil? Nada na vida é fácil. Se for muito fácil, desconfie. Mas eu acredito que a gente vai chegar num entendimento que vai ser bom para o Bahia, bom para a Arena e, principalmente, bom para o torcedor e para o sócio do Bahia. Vai ser bom para o sócio do Bahia.

Por falar em sócio, você trouxe o Avancini, que é uma referência em marketing no país. Quais são as ações que o sócio do Bahia e o torcedor podem esperar em um futuro próximo?

A gente vai construir um programa com que ele se identifique. E aí eu prefiro deixar o tempo passar um pouco para gente conseguir fazer internamente as coisas para depois comentar. Isso de falar para fazer depois, não dá certo não.

É inspirado no do Inter?

É um programa do Bahia, para o torcedor do Bahia.

O técnico Sérgio Soares sempre fala que está tentando mudar a mentalidade do time do Bahia, que era um time defensivo e que agora tenta agredir o adversário. Foi uma prerrogativa sua ao contratar o técnico?

Sérgio, você está sendo contratado, porque eu acredito que você é um técnico novo, com a mentalidade diferente. (...) Eu não quero e não vou aceitar um time defensivo. Se você começar a colocar time defensivo, retrancado, fechado, você vai cair.

Marcelo Sant'Ana

Foi. Eu nunca perguntei para Sérgio qual a escalação do Bahia até hoje. Eu não pergunto quem é relacionado, eu não pergunto nada. Agora, antes de ele ter sido contratado, eu falei com ele que, enquanto eu for presidente, o Bahia não vai ser mais um time covarde. Eu não aceito. O Bahia com a bunda encostada na defesa, eu não aceito. Em um determinado momento do jogo, em um jogo de mata-mata, classificação, você pode ter essa postura? Pode. Pontualmente, a exceção. Agora o Bahia tem que ser um time protagonista. Quando eu contratei ele [Sérgio Soares], eu citei bem claramente isso: “Sérgio, você está sendo contratado, porque eu acredito que você é um técnico novo, com a mentalidade diferente. Seus times têm uma característica de buscar o resultado, de incomodar o adversário, é para isso que você está sendo contratado para o Bahia. Por essa qualidade que você tem, por essa virtude. Claro que você jogar criando, atacante, agressivo, você termina muito mais exposto. Mas eu, como presidente, estou disposto a junto com você a pagar esse preço. E junto com Alexandre, que é nosso diretor de futebol. A gente está disposto a fazer o Bahia voltar a ser o time que ele sempre foi enquanto eu cresci me formando como torcedor, um time que se impõe, um time que, independentemente de onde joga, era respeitado. Eu não quero e não vou aceitar um time defensivo. Se você começar a colocar time defensivo, retrancado, fechado, você vai cair. Eu não vou ficar vendo o Bahia jogar dessa maneira. Sei que você vai ter dificuldade, porque o Bahia vem de um longo período, principalmente depois que voltou para a Séria A, sendo um time muito mais preocupado em não tomar gols do que em agredir o adversário. Mas eu quero, e aí você vai ter a minha compreensão,  mudar essa postura do time. A maneira com que o Bahia se comporta em campo, você vai ter que mudar". O desafio que eu dei para ele foi esse, de mudar a postura, o comportamento, o compromisso do time. Eu não posso cobrar nunca o triunfo, porque é jogo. Você entra no jogo, você ganha, empata ou perde. Mas a gente pode cobrar 100% das vezes compromisso, respeito a camisa, garra, determinação, atitude, postura, jogo ofensivo, a gente pode cobrar. E isso eu vou cobrar incansavelmente cada vez que o Bahia entrar em campo.

Marcelo Sant'Ana costuma viajar para acompanhar os jogos do Bahia fora do estado (Foto: Reprodução / Facebook)

As negociações para renovação de contrato com promessas da base têm sido facilitadas pela promessa de utilizar mais a divisão de base?

Aí você tem que perguntar para os jogadores, se facilita na cabeça deles ou não. Mas a gente vai valorizar a base. Valorizar a base é o quê? A gente tem um programa agora de reforço na parte física dos atletas do juvenil e do júnior. A gente tem, isso já foi divulgado, um trabalho interligado entre a comissão técnica do sub-20, que é o júnior, e a comissão técnica do profissional. Os atletas estão mais próximos, fazem trabalho em comum. A utilização os jogadores da divisão de base tem sido maior do que nos últimos tempos. A quantidade de atletas é maior. Agora, quem vai decidir quem vai jogar é com Sérgio Soares. Eu quero que jogue quem for melhor. Se é formado na base ou fora da base? Não é minha responsabilidade. A responsabilidade da administração é, progressivamente, dar cada vez mais condições que jogadores feitos no clube cheguem em alto nível no profissional para eles poderem estar no time. Mas isso também é um trabalho que demanda tempo. Agora, a gente vai sempre estimular a utilização de jogadores da base contratando menos, fazendo treinamento - como tem acontecido -  do sub-20 com reservas do profissional em dia seguinte ao jogos para a comissão técnica poder olhar os atletas melhor...

Luan foi integrado ao grupo profissional no último Ba-Vi e recebeu um "trote" (Foto: Reprodução / Instagram)

O Luan é um exemplo disso...

O Luan, que foi relacionado para o Ba-Vi, é um exemplo disso. Se destacou em treino coletivo do sub-20 com o profissional e foi chamado. É um atleta do júnior. Ele não está integrado ainda ao profissional, diferente de Bruno e de Rômulo, por exemplo, mas ele é um atleta que já demonstrou qualidade. Ele jogou no júnior e foi relacionado para jogos do profissional, trabalhando talvez dois dias no profissional, dois dias exclusivos no profissional. Mas olhe quantas vezes ele já trabalhou com o profissional em jogos coletivos? Várias vezes. Então facilita, já tem a vivência. Tem atletas que estão fazendo esse trabalho de fortalecimento, então a comissão técnica já sabe que é para ter uma observação e tudo. E aí vem também um desprendimento do sub-20. O Aroldo, que é o técnico do sub-20, perdeu o Luan que é o exemplo agora que a gente deu, que era titular no time dele. Na partida anterior, tinha feito dois gols, na outra tinha dado três assistências. Então, em duas partidas dois gols e três assistências. Digamos assim, o sub-20 “perdeu” um atleta titular que poderia decidir um Ba-Vi para ele ser uma opção para o elenco profissional. O trabalho da base é formar o jogador. E a base está entendendo isso também.

O Bahia negocia a renovação de Kieza. Como é que está a negociação com o Shangai?

A gente tem conversado com o empresário de Kieza, o atleta tem demonstrado estar feliz no Bahia, dentro de campo tem demonstrado que está adaptado ao clube, o rendimento dele comparado ao ano passado melhorou. Acredito que a postura que tem sido implementada pela comissão técnica, o estilo de posicionamento tático e de orientação tem ajudado também ao Kieza, que é um jogador de técnica, de definição de jogadas. Eu confio que a gente chegue a um entendimento. Desde a reapresentação, a gente falou que a gente gostaria de contar com ele, pelo menos, até o final do ano. Nossa postura continua. A gente vai, confiando também no atleta, conseguir fazer essa renovação de contrato. Pelo menos até o final do ano.

Durante as eleições, você falou que o Bahia, que a torcida do Bahia, precisava de ídolos dentro do clube. Você até citou Talisca, que está no Benfica, e que a torcida é meio órfã. Como está sendo esse trabalho para formar ídolos dentro do Bahia?

Olha, isso é um trabalho que vai dar frutos a médio prazo e a longo prazo. Claro que eu gostaria que desse frutos a curto prazo também. Mas, se não der frutos enquanto eu for presidente, vai dar frutos com o próximo presidente, eu vou estar na arquibancada e vou ficar feliz do mesmo jeito. Eu quero que o Bahia ganhe. Não estou preocupado quem é o presidente, se sou eu agora e depois vai ser A, B, C ou D. Não estou preocupado, eu quero que o Bahia ganhe. Então, valorizar a divisão de base vai dar a possibilidade de o próprio jogador querer ficar mais tempo no Bahia.

Marcelo Sant'ana renovou o contrato de Bruno Paulista e Rômulo, promessas do clube (Foto: Divulgação / EC Bahia)

Dar oportunidade para que eles estejam integrados ao elenco profissional, para que eles observem que a gente está cada vez mais estimulando o trabalho de formação, dando orientação psicológica, orientação de preparação física, nutricionista, fisiologia... Os jogadores da base compartilharem em alguns momentos os próprios equipamentos do futebol profissional, academia, questão de material de campo. Essa integração eu acredito que vai fortalecer o vínculo que os atletas já têm com o clube. E, aos poucos, a gente vai conseguir montar times melhores, e o clube, quando voltar a ser o Bahia que nasceu para vencer, conquistar títulos, eu tenho convicção que os atletas feitos aqui na nossa casa, eles vão, cada vez mais, querer ficar mais tempo com a gente, vestindo a camisa azul, vermelha e branca.

E é isso que a gente tem buscado construir, é essa relação de confiança, que a gente confia neles. E é essa valorização em diversos aspectos. Eu citei o aspecto da preparação física, do vínculo emocional de a gente se aproximar, de dar uma estrutura de trabalho melhor, de dar uma recompensa financeira, como a gente já renovou os vínculos de Rômulo e Bruno, para ele esse sentirem prestigiados também e terem a convicção de que o Bahia é um clube que pode dar as duas coisas que eles querem na carreira: títulos e estabilidade econômica. É assim que a gente vai ter o ídolo formado dentro do clube. As pessoas, em alguns momentos, falam: “Para você, quem é o grande ídolo do Bahia?”. Para mim, o grande ídolo do Bahia ainda vai nascer na base do nosso clube. O grande ídolo da história do Bahia vai ser feito dentro de casa. Não vai ser um jogador que a gente trouxe de fora. E esse cara ainda vai chegar, se ele já não estiver em nosso clube hoje.