A rotina de Preto Casagrande foi completamente alterada. Escolhido para ocupar o cargo de técnico interino do Bahia desde a demissão de Jorginho, no fim de julho, ele completou recentemente três semanas como comandante tricolor e ainda se adapta à nova função, enquanto convive com a expectativa de ser efetivado. Contratado em 2016 para o cargo de auxiliar permanente do clube, ele carrega como parâmetro características marcantes dos trabalhos de Doriva, Guto Ferreira e Jorginho, treinadores que acompanhou de perto no Fazendão. No entanto, a principal fonte de inspiração é familiar. O primo, Caio Junior, ex-técnico da Chapecoense morto na tragédia aérea que vitimou 71 pessoas em dezembro do ano passado, é a grande referência para Preto, que tem na busca pelo sucesso um caminho para se aproximar de quem já não pode ser alcançado.
- Hoje, quem mais me inspira, é meu primo, que faleceu, o Caio Júnior. É um cara que... Eu fico me imaginando tendo o sucesso que ele teve, até para ficar mais junto dos meus primos que ficaram, da esposa dele assim... Acho que posso ser, para eles também, uma coisa de boa de ver lá no futuro... Depois que ele faleceu, me aflorou mais essa vontade de virar treinador. Justamente porque eu via muito ele, admirava muito o trabalho dele, não só como homem, mas como profissional. Eu me acho parecido com ele na forma de tratar as pessoas. Até que ele era muito mais bonzinho, eu sou mais chato. Mas ele é um cara que eu tenho como referência.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, Preto falou sobre a relação com os jogadores, o período de “testes” imposto pela diretoria do Bahia e sobre a reação da torcida tricolor ao trabalho desenvolvido até aqui. Ele também afirma estar pronto para dar o próximo passo na carreira de treinador. Sob o comando do interino, o Tricolor atuou quatro vezes, com dois triunfos, um empate e uma derrota. Confira abaixo a entrevista completa.
GloboEsporte.com: Como tem sido a experiência como técnico do Bahia?
- Aprendi muito com os treinadores que passaram. Acho que esse convívio do dia a dia é fundamental, porque eu tinha vivido muito o outro lado, como atleta, mas sempre observando muito e tirando as minhas conclusões dos treinadores que eu achava que faziam as coisas boas e as que nem tanto. Então tirei coisas da vida inteira como atleta, sempre observando, sempre muito observador e muito chato. Mas é lógico que essa volta e esse tempo de quase dois anos em que eu estou de auxiliar foram fundamentais para reviver e aguçar esse processo de interação com tudo que acontece, porque a gente sabe que a vida de treinador não é só escalar. É um monte de bronca que você tem que resolver diariamente. Então esse processo que eu tive de ser auxiliar foi importantíssimo para que eu traçasse o que penso que é melhor, o que eu acho que resolve, o que não resolve, para poder implantar. Estou há 22 dias no comando, quatro jogos, tentando fazer da minha maneira, do jeito que eu penso o futebol, o dia a dia, o que eu acho importante, o ambiente. A disciplina tática também, que hoje acho que é imprescindível para qualquer time.
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Você foi contratado no início do ano passado e trabalhou como auxiliar de três técnicos. Quais características você aproveitou de Doriva, Guto Ferreira e Jorginho?
- Doriva tem muitos métodos da Europa. Ele jogou muito tempo na Europa. Treinamentos, principalmente, de intensidade. É um cara que viveu futebol muito tempo, então ele tem o linguajar do jogador. Acho que isso eu tirei muita coisa boa dele neste sentido. O Guto é um cara que não jogou futebol, é mais um estudioso, que tem uma metodologia totalmente diferente do Doriva, e com quem eu aprendi muita coisa também. Principalmente a ter autoconfiança, acreditar nele, ele sempre acredita que está fazendo o melhor, e ele não manda recado, é transparente, assim como eu penso que tem que ser também. Então isso é uma das coisas que me chamaram atenção no Guto. E o Jorginho, eu tive pouco tempo. Foram dois meses, mas também de muito aprendizado. Jorginho tem muita coisa que eu penso que é bom para o dia a dia do futebol. Um cara com quem eu aprendi muito, principalmente essa relação entre treinador e atleta, do olho no olho, de falar sempre a verdade para os atletas, não contar historinha. São coisas que eu procurei pescar e observar em cada um deles para implantar quando tivesse a oportunidade, como está sendo agora.
Você se considera pronto para ser efetivado como técnico?
- Eu me considero. Principalmente por ter vivido quase dois anos com os outros treinadores. Em função disso, me sinto preparado e pronto para, se tiver uma oportunidade, assumir sem problemas".
Houve alguma conversa nesse sentido com a diretoria?
- Formalmente, não teve conversa nenhuma. A gente teve conversas informais com o Diego [Cerri, diretor de futebol], com o Pedro [Henriques, vice-presidente], com o Marcelo [Sant’Ana, presidente do clube], mas nada formal. Só troca de ideias, opiniões, colocações dadas por eles. Mas nunca de uma maneira formal.
O Bahia ganhou do Vasco no último fim de semana. O resultado te dá maior confiança em ser efetivado?
- Eu trabalho no dia a dia. Não vai ser uma decisão essa semana que vai mudar... Na minha concepção. Na cabeça deles, talvez mude. Mas eu sou o mesmo cara, trabalho do mesmo jeito, tenho as mesmas ideias. Procuro evoluir a cada dia. Hoje eu vou estar ligado no jogo contra o Botafogo, tentando pescar alguma coisa que possa ser utilizada para neutralizar eles no domingo, então não muda nada se é nesse jogo ou se é no outro. Para mim, isso não muda. Não sei eles. Claro que, se eles estão dando um prazo maior, é porque eles querem observar um pouco mais. Mas, na minha forma de trabalhar ou de pensar, não muda nada.
O prazo de observação citado por Marcelo Sant’Ana incomoda?
- Nós conversamos justamente depois do jogo agora. Ficou eu e ele no vestiário, meu filho estava junto, do lado. E aí ele perguntou: “Você ouviu o programa de rádio?”. Eu falei que não. “Eu falei que a gente queria te observar, que você teve uma semana cheia na semana passada e que foi muito boa. A gente quer te observar mais essa semana e tal”. Eu falei que era tranquilo. Não é uma situação agradável, não vou dizer que é. Mas não é o fim do mundo também. Eu vou mudar minha maneira de ser porque tem mais uma semana? Também não. É uma decisão que não é fácil. A gente sabe disso. Eu estou muito tranquilo e aguardando para ver o que vai acontecer.
Acha que o momento ajuda? Nos últimos anos clubes do futebol brasileiro investiram na efetivação de interinos.
- Sem dúvida que isso dá um alento, até para eles tomarem a decisão. Acho que isso... Pelo fato de ter, neste momento, acho que ajuda talvez uma efetivação. Neste sentido, acho que pode fazer diferença.
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O que você considera que mudou? O que há de diferente do Preto que era auxiliar técnico?
- Hoje eu tenho que tomar a decisão. Um monte de decisão que mexe com a cabeça de todo mundo. É gente que não vai para o jogo, gente que eu tiro do treinamento, gente que não vai para a concentração, gente que não viaja... Então é muita tomada de decisão que você tem que ter, mas eu sigo convicto. Tem um ambiente muito bom lá no clube. Os atletas entenderam que aquele auxiliar também tem condição hoje de decidir, de tomar decisões, e não vai mudar a minha relação interpessoal com eles. Profissional é uma coisa, a minha relação com eles não vai mudar nada. Acho que isso eles entenderam, e as coisas têm ocorrido bem.
Os jogadores costumam manifestar apoio a sua efetivação durante a coletiva. O que você acha disso?
- Acho que também, dificilmente, alguém ia falar “Não bota o Preto”, né? Vai que eu fico, e ele toma (risos)... Também não é uma coisa de hipocrisia, de querer fazer média, porque eles não precisam fazer média comigo. Eu acho que existe uma relação boa, um ambiente muito bom. Mas é aquilo... Acho que ninguém vai lá, dificilmente, e falar “Pô, tira o Preto e coloca outro, pelo amor de Deus”. Isso não vai acontecer. E essa coisa de jogar por mim não existe também. Eles têm que jogar por eles, pelo ambiente, que é bom, pela relação deles, que é boa, pelo clube, que paga salário em dia, dá uma estrutura boa para todos. Acho que é mais por aí.
E a reação do torcedor? Como tem sido?
- Está f... Não consigo mais trabalhar. O torcedor do Bahia é apaixonado. Mas eu já vivi muito isso. Quatro anos e meio como jogador. Claro que não é igualzinho, porque agora eu sou comandante, a pressão é maior. Mas eu já estou acostumado, já vivi muito isso. Então isso facilita. Os caras descobrem meus WhatsApp, fazem escalações, tira um, bota outro. Você quase enlouquece. Mas é legal. A torcida do Bahia sempre foi assim e não vai mudar. Faz a diferença. No domingo, fez a diferença na Fonte Nova.
Qual técnico serve de inspiração para o seu trabalho?
- Hoje, quem mais me inspira, é meu primo, que faleceu, o Caio Júnior. É um cara que... Eu fico me imaginando tendo o sucesso que ele teve, até para ficar mais junto dos meus primos que ficaram, da esposa dele assim... Acho que posso ser, para eles também, uma coisa de boa de ver lá no futuro... Depois que ele faleceu, me aflorou mais essa vontade de virar treinador. Justamente porque eu via muito ele, admirava muito o trabalho dele, não só como homem, mas como profissional. Eu me acho parecido com ele na forma de tratar as pessoas. Até que ele era muito mais bonzinho, eu sou mais chato. Mas ele é um cara que eu tenho como referência.
Fonte: Globo Esporte