Union Berlin: O melhor dos piores ou o pior dos melhores, crescer pra quê?

Já perto do final da sofrida campanha do Vitória de retorno à Série A, no ano passado, meu pai desabafou após mais uma derrota, brincando: “Pra que se esforçar tanto pra subir se vai acabar apanhando de todo mundo na primeirona? Não é melhor ser grande na Série B e bater na trave todo ano?”

No fim das contas, o Leão, qual aquele pênalti de Bellone em 86, bateu na trave, nas costas do goleiro e entrou, separado do quinto lugar – o São Caetano – por apenas uma vitória. Um ano depois, com o Vitória em boa fase (ao menos dentro de campo), seria fácil descartar a observação de meu sábio pai como derrotista ou exagerada.

Mas a questão ainda me intriga: haverá situações em que é melhor, para um time, acomodar-se a umstatus menor em uma liga mais fraca e barata em vez de buscar a ascensão e as vitórias a todo custo? A resposta fácil parece ser um sonoro “não” – vencer é, afinal, a razão da existência de um clube -, mas quem observa a trajetória recente do Union Berlin conclui que pode haver bastante sabedoria no acanhamento.

Clube da Floresta

Torcedores precisam caminhar por uma floresta para chegar ao estádio do Union Berlin

Crescer parece inevitável para o Union, o simpático clube que manda seus jogos no meio de uma floresta. Por estranho que pareça, a metrópole que se tornou, no Séc. XX, o símbolo máximo de um mundo dividido, transformou-se, a partir dos anos 90, em uma cidade de um clube só. A queda do muro trouxe o “fim da história” ao cenário futebolístico de Berlim, e o outrora glorioso Hertha BSC – confinado a quatro décadas de mediocridade durante as quais Berlim ocidental não passava de um enclave, pobre e decadente, mantido à força pelas potências ocidentais – prometia unificar a cidade e anunciar ao mundo (ou, pelo menos, ao resto da Alemanha): Berlin is back, bitches.

O outro grande clube da cidade era o BFC Dynamo, um time que representava tudo o que havia dado errado na metade socialista da cidade. Violência, autoritarismo e corrupção eram as características mais freqüentemente associadas aos Hohenschönhauseners, que contavam com a simpatia da polícia política – a STASI -, e, por conseguinte, também da arbitragem. Paradoxalmente, o amplo domínio do Dynamo – decacampeão da Alemanha Oriental entre 1978 e 1987 – transformou-se, na Alemanha reunificada, em sua sentença de morte: contagiados pelo novo clima, a imensa maioria dos torcedores desertou o clube, que hoje joga a quinta divisão e pena para manter as portas abertas (leia mais sobre o BFC Dynamo aqui).

É nesse vácuo que se encontra a grande esperança de crescimento do Union. Embora originário da suburbana Oberschöneweide, na metade oriental de Berlim, o Union escapa a qualquer tipo de associação com o odiado socialismo do SED (Partido Socialista Unificado da Alemanha). Até 1990 era considerado, pelo contrário, o clube civil e rebelde da cidade, sem laços com a polícia, com o exército ou com o poderoso sindicato dos ferroviários. Tal como o Camp Nou sob Franco, o Stadion an der Alten Försterei (Estádio Perto do Prédio da Guarda Florestal, em tradução livre) passou a reunir críticos do regime. A cada falta a favor do Union, os torcedores gritavam, protegidos pelo duplo sentido, “Die Mauer muss weg!” (“A barreira/o muro tem que cair!”).

O muro de fato caiu, mas os resultados imediatos para o clube não foram os melhores. O Union sofreu o impacto imediato da competição com clubes do lado ocidental, mais profissionais e melhor administrados, e passou a disputar as pequenas ligas regionais que equivalem à quarta e à quinta divisões alemãs. As crises financeiras sucediam-se, com sérias ameaças de fechamento a cada quatro ou cinco anos.

Union no sangue

A salvação do clube foi a paixão de sua torcida, que a fazia disposta até a dar sangue pelo time. Literalmente: em 2004, uma campanha para salvar o Union resultou na doação de milhares de litros de sangue ao sistema de saúde da cidade. O dinheiro com o qual os bancos de sangue berlinenses compensam os doadores ia direto para os cofres do clube, que pôde, assim, respirar. Em 2008, com a acensão à segunda divisão, o Alte Försterei precisava ser modernizado ao menor custo possível. Sem problema: a torcida organizou um mutirão e doou, coletivamente, mais de 140 mil horas de trabalho ao clube.

O estádio resultante, perdido em um pequeno bosque no subúrbio de Köpenick, é de fazer inveja à maioria dos clubes médios brasileiros. O gramado é excelente e as instalações são modernas, a não ser por um aspecto: foram instalados pouco mais de 3 mil assentos (de uma capacidade de pouco mais de 20 mil), o mínimo exigido pela Bundesliga. Todos os outros lugares são “Stehplätze”, com torcedores em pé durante todo o jogo. A animação da torcida, que canta sem parar e incentiva o time na vitória e na derrota, prova que a decisão foi acertada.

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Acontece que esse estádio, feito não apenas ao gosto como também pelos torcedores históricos, dispõe agora de camarotes e lounges vip. O sentido de comunhão com a torcida se vê ameaçado à medida que o clube se torna o novo xodó dos boleiros hipsters, um posto incontestavelmente ocupado, até aqui, pelo St. Pauli, de Hamburgo. A bíblia do hipsterismo futebolístico da Alemanha, a excelente ElfFreunde, dedicou sua capa de março ao Union, com a indagação: “Um modelo para todos?”

Boa parte da torcida do Union torce o nariz para as tentativas de transformação do clube em um time de nicho. Embora liberal, o clube se orgulha de suas raízes no Leste e dos fortes laços entre o Union e a comunidade local

Um dos versos do bonito hino do clube – cantado por ninguém menos do que a eterna “Garota de Berlim”, a hoje sessentona Nina Hagen – diz que o Union é o time “que não se deixa comprar pelo Oeste”.

Ao observar o que aconteceu com o St. Pauli, que alienou parte de sua antiga base punk-gay-pornô-anarquista ao abrir os portões do Millerntor às exigências comerciais da Bundesliga – e foi imediatamente rebaixado -, o torcedor do Union se pergunta, como meu pai sobre o Vitória: “valerá à pena?”


Fonte e fotos: Daniel Lisboa - Blog Esporte Fino – Carta Capital

*Daniel Lisbôa, 31 anos, é baiano de Itabuna, jornalista de formação e bateu o pé: só vai embora de Berlim após a final da Champions League de 2015, no Olympiastadion.