Postado por - Heitor Montes

Em entrevista, viúva de Ananias revela que cinzas do jogador estão no Fazendão

No dia 29 de novembro do ano passado, o mundo se pintou de verde para homenagear os 71 mortos no acidente da Chapecoense. Naquele mesmo dia, a vida de Bárbara Calazans pegou o caminho contrário e perdeu a cor.

“Eu dormi apaixonada, feliz, completa e acordei destruída. Hoje minha vida está sem sentido, sem cor, sem graça. A sensação é que está cinza”, resume ela, que era casada no civil com Ananias há 7 anos e, 25 dias antes do acidente, realizou o sonho de casar no religioso.

“Eu estava montando um porta-retratos do nosso casamento, terminei e fui dormir. Quando deu 3h30, meu celular tocou e não era o toque dele. Estranhei e atendi sonolenta. Era Patrícia, esposa de Gimenez (outro jogador falecido). Ela gritava muito no telefone, dizia ‘amiga, o avião sumiu dos radares, o avião caiu’. Tomei um choque, não conseguia me mover. Eu só dizia ‘não acredito’. A sensação era que um buraco tinha aberto na minha frente, que a minha vida acabou. É muita dor. Nada conforta”, descreve Bárbara, com os olhos marejados.

Além da dor da perda do marido, Bárbara precisou contar ao filho Enzo, de 5 anos, sobre a morte do pai. “No dia do acidente, eu deixei ele na casa de um coleguinha, porque eu estava muito chocada. Só que alguém falou que o avião da Chape tinha explodido. Eu chamei ele no meu quarto e falei: 'lembra que o papai viajou? Então, o que o avião da Chape teve um problema e foi caindo, caindo, bem devagar. Quando chegou perto do chão, bateu com força muita força, filho, e todo mundo se machucou bastante, inclusive o papai'. Aí perguntei à terapeuta, que estava comigo, se era pra contar logo que morreu, e ela disse que sim”, lembra.

A camisa que Ananias deu a Bárbara de presente no dia que o casal deu o primeiro beijo  (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Enzo guarda com carinha camisa que o pai usou por baixo do uniforme,
quando a Portuguesa foi campeã da Série B, em 2011
(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

“Ele me abraçou chorando e eu falei no ouvido: ‘o papai morreu’. Optei por contar a verdade. Não queria que futuramente meu filho tivesse decepção, perda de confiança. Tem mãe que diz que o pai foi jogar no céu e virou uma estrelinha. Optei pela verdade. Ele não entende ainda. Outro dia ele disse que queria morrer para ver o papai”, completa.

A dor da perda ainda vive em Bárbara. Hoje, com 37 anos, ela tenta retomar a rotina e se alia à academia para ter algum bem-estar. “Minha vida ficou vazia, desmoronada. É uma vida sem sentido. Uma parte de mim morreu, mas continuo viva. A gente viveu uma relação de muito amor. Tudo que eu tinha, eu perdi. Eu era feliz e eu sabia. Eu valorizava muito isso”, desabafa.

Bárbara tem vontade de voltar ao local do acidente. Ela planejava visitar a Colômbia na terça-feira (9), aceitando convite para ver o time da Chape, que nesta quarta (10) enfrenta o Atlético Nacional, em Medellín, às 21h45, mas recuou. “Queria muito ir ao local do acidente, mas comecei a ter sintomas. Minha pressão alterou, eu fiquei zonza, dormia de noite e acordava com coração acelerado. Queria ir até o último local de vida dele, entender como foi, que montanha era essa. Mas eu não aguentaria ir agora, porque lá eu vou encontrar com a morte dele, que é o que mais me dói”.

Cinzas no Fazendão

As cinzas de Ananias foram jogadas no campo do Fazendão, um dos locais mais importantes da vida dele. “No dia, tocava ‘é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã’. Foi lindo. Eu fui colocando as cinzas percorrendo o caminho que ele fazia no campo. As cinzas eram bem branquinhas e acredito que mostram a pureza dele”, conta. “O Bahia foi um clube especial, que me deu muito apoio”.

Hoje, Bárbara sonha receber a mochila de Ananias, que ainda está retida no aeroporto de Medellín. Segundo ela, é a chance de ter de volta lembranças de um grande amor.

Uma história de amor

A história de Bárbara e Ananias é pouco convencional. Os dois se conheceram na casa do meia Elias, ex-Bahia. "Nesse dia, a gente conversou, mas não teve nada. Aí falei pra Elias que achei Ananias lindo. Os olhinhos, o sorriso. Ele perguntou se eu queria que armasse e eu disse que não. Tinha passado em um concurso e ia morar em Fortaleza", conta ela, que é enfermeira formada, com pós em obstetrícia.

A camisa que Ananias deu a Bárbara de presente no dia que o casal deu o primeiro beijo  (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)A camisa que Ananias deu a Bárbara de presente no dia que o casal deu o primeiro beijo
(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Cinco meses depois, ela foi demitida. De volta a Salvador, foi à casa da irmã e se deparou com um jornal que tinha justamente a foto de Ananias. "Foi engraçado, porque eu vi o jornal e falei: ' Ananias!'. Minha irmã disse que ele morava com um amigo dela e eu disse que queria reencontrar ele. Ela estava estudando para a OAB e disse que não ia comigo. Então, ela deu um jeito de fazer a gente se falar com telefone. Ele estava em Vitória da Conquista, aí pedi pra ele me ligar quando chegasse. Ele era tímido de doer, aí não ligou. Eu liguei e chamei pra sair", conta aos risos.

"Marcamos um jantar, eu ele e o amigo. Aí Ananias disse 'ah, vamos lá em casa para eu te dar uma camisa'. Ele veio no carro comigo, só que o amigo dele desviou e ficamos sozinhos. Ele tentou ficar comigo e eu fiquei fazendo doce, até que ele disse: 'Elias me falou que você gostou de mim naquele dia'. Aí não teve jeito, né? Beijei ele", brinca.

Os dois começaram a namorar dois meses depois. Com seis meses de namoro, casaram. Até hoje, Bárbara guarda a camisa com amor.

Fonte: Correio 24 Horas