Postado por - Heitor Montes

Marcelo Sant'Ana declara: Bahia era um clube safado, vagabundo e que não pagava

O Bahia encaminha nesta semana a prestação de contas de 2016 a seus conselheiros com a maior receita de sua história, R$ 127 milhões.

Com cifras hoje em outro patamar, o clube retornou à Série A, atraiu jogadores cobiçados no mercado e investe cada vez mais em seu patrimônio. Não foi esse, no entanto, o cenário encontrado pelo presidente Marcelo Sant'Ana ao ser eleito para o atual mandato e desembarcar em seu primeiro dia no clube, em 18 de dezembro de 2014, em sua sede, no Fazendão, em Salvador.

Segundo ele, não havia praticamente dinheiro em caixa.

Mais do que isso: os salários de novembro, dezembro e 13º não estavam pagos, direitos de imagem dos titulares atrasados desde outubro e dos reservas desde agosto de 2014.

O episódio foi relatado durante palestra em evento da Universidade do Futebol, no Museu do Futebol, em São Paulo, para retratar a realidade naquele momento. Foi necessário um choque de gestão que, no fim das contas, lhe custou um iPhone após revolta interna com a falta de resultados iniciais, briga com conselheiros 'perus' e tem o Atlético-PR como principal diretriz.

"Vem lá desde Roma: não basta para a mulher de Cesar ser honesta, tem que parecer. Então, o Bahia precisava mudar a sua imagem perante as pessoas. Era um clube safado, vagabundo, que não pagava, não respeitava, enrolava, atrasava salário, fazia tudo que não podia ser feito, mas fazia. Então, com honestidade, o que a gente busca no clube: resgatar credibilidade da instituição", afirmou.

"A primeira folha que nosso grupo (político) pegou no Bahia foi de R$ 5,600 milhões, a folha do clube. O futebol profissional era de R$ 3,700 milhões. A gente jogou a Série B com R$ 1,200 milhão. Por quê? Porque era o que a gente conseguia pagar. Primeira decisão essa. E vamos pagar daqui para frente e, daqui para trás, vamos chamar para pagar também", completou.

Marcelo Sant'Ana tomou a frente para resolver situações em diversos momentos, caso da crise no vestiário ao longo de 2016 e que contribuiu para a saída do diretor Nei Pandolfo.

"Depois de começar a militar no jornalismo, descobri que, na reportagem, gostava mais de números e gestão do que do jogo. Se eu fico sem ver um jogo, não morro, agora se fico sem participar de negociação de contrato, fico doendo, fico mordido, não me controlo", exemplificou.

Nem tudo ocorreu como previsto e o acesso à Série A não veio em sua primeira temporada, em 2015, o que abalou o ambiente político tricolor.

"O que é estabilidade? Diminuir a efervescência política. E o Conselho Deliberativo? Uma bomba relógio. Quando o Bahia perde, eu sou safado, ladrão, vagabundo e viado. Se perde para o Vitória, sou tudo isso e muito mais. É desse jeito. O telefone toca. No WhatsApp, mil mensagens. Quando o Bahia não subiu, perdi um celular iPhone, quebrou, não aguentou, não funcionava mais, travou de tanta mensagem que recebeu. Aliás, mensagem, não, né? Outra coisa", brincou.

Com democracia recém-implantada, teve de lidar também com conselheiros que, de acordo com suas palavras, extravasavam o seu papel em diversas ocasiões.

Hoje, não consegue mais ir às reuniões.

"Lá no clube, eu blindo ao máximo, não aceito que diretor meu vá ao Conselho, a exceção que permita. O que eu digo no Bahia? A gente sofreu muito no primeiro ano porque o Conselho às vezes quer participar da gestão. Não aceito. Para mim, a gestão é da diretoria executiva. Ao Conselho, cabe papel legislativo. Se ele gosta do papel dele ou não, o problema não é meu, o problema é dele. E eu compro essa briga. Tanto que sou eu que vou às reuniões. Ou melhor, eu ia. Briguei tanto que agora vai meu vice-presidente (Pedro Henriques). A minha cota esgotou de tanta briga, mas o objetivo é dar tranquilidade aos profissionais. Porque no fim do ano termina meu mandato, posso tentar reeleição ou não. Todos os outros funcionários podem ficar, são CLTs, não precisam ir embora. Precisam de estabilidade para trabalhar. Então, sempre tentei fazer essa separação política para que eles não participem dessa parte", explicou.

"Proíbo conselheiro de entrar no CT. Dá confusão, mas eu proíbo. Porque para mim não é para conselheiro ir ao CT. No caso do Bahia, CT também é sede administrativa e lá só entra funcionário ou quem tem reunião marcada. Se não, é 'peru' ou curioso, enxerido ou qualquer coisa. 'Ah, mas eu quero ver o treino hoje?' Então, você peça para ver o treino. Se a comissão técnica não se incomodar, tudo bem. Se incomodar, você não vai. 'Mas eu sou conselheiro'. E daí? Me mostre onde tem escrito que pode", continuou.

"Quando a gente chegou ao Bahia, tinha fornecedor de material esportivo Penalty, Tim no número, mas tinham antecipado a cota e tinha a Canaã (Alimentos). Hoje, nós temos Caixa (Econômica Federal), Canaã pagando oito vezes mais ou mais que isso, South, marca local que substituiu a Tim, MRV (Engenharia), Unimed, saiu a Penalty para Umbro e tenho outros patrocinadores que não estão mais na camisa. Outra questão fundamental na administração: transparência. Mas transparência não é 'casa de mãe Joana', 'eu quero ver o contrato'. Quer ver por quê? Você é o que do clube para ver contrato? Diz respeito à sua área? 'Não'. Então, você não vai ver. 'Ah, mas eu tenho direito'. Quem tem direito 100% dos contratos é o Conselho Fiscal. Para esses, não pergunto nada. Conselho Deliberativo querer ver é briga comigo. Porque o estatuto diz que o Conselho pode ter acesso. Conselheiro não é Conselho. Conselho é colegiado. Conselheiro é indivíduo. As pessoas confundem. Foi criado padronização para ter acesso ao conteúdo. 'Ah, você fala, então, que o Bahia é ditadura'. Não, a gente tem conselho fiscal independente, são 5 membros de grupos políticos diferentes. A gente tem prestação de conta, balanço e DRE publicados mensalmente no site", prosseguiu.

"A gente defende que tenha pluralidade no Conselho, embora para mim como presidente seja algo muito complicado. Porque você tem que negociar sempre com pessoas que são oposição à sua administração. E tem pessoas que são oposição ao clube. Não estou falando nenhuma novidade. Na política no Brasil, a gente vê como tem sido", finalizou.

Com dívidas que se encontravam em torno de R$ 190 milhões e foram descobertas ao aderir ao programa de refinanciamento do Governo, o Profut, o Bahia gasta hoje R$ 500 mil com o seu 'jogador mais caro': o acordo trabalhista.

Os processos foram divididos em três categorias nos tribunais: classe A, com verbas indenizatórias de até R$ 50 mil; classe B, até R$ 500 mil; e, por fim, classe C, acima de R$ 500 mil. Hoje não existe mais nenhuma pendência dentro da primeira. Outros R$ 1,200 milhão são gastos também em acordos extrajudiciais, caso do americano Freddy Adu recentemente.

O alívio no caixa permitiu ao time tricolor investir no pagamento de salários altos, como R$ 300 mil para Renato Cajá, R$ 270 mil a Thiago Ribeiro e R$ 250 mil a Hernane 'Brocador' na última temporada.

"Os clubes são 'Titanic'. Ou você começa a colocar dinheiro para dentro ou esquece. Eu sou um pouco 'canguinha'. Tem uma hora que não dá. Por mais economista que eu seja, e o diretor financeiro (Marcelo Barros) é mais que eu, não dá para o Bahia passar um mês sem gastar R$ 3,5 milhões, R$ 4 milhões. Não tem como, é impossível, só se Jesus Cristo descer na Terra. Não dá. É muita gente, 296 funcionários. Aí você vai jogar a Série A do Brasileiro. Os salários estão aí. Por mais que você tenha equilíbrio, e eu acho que o clube do Brasil que mais tem equilíbrio é o Atlético-PR, tem horas que não dá, você tem que pagar. 'Rapaz, não concordo pagar R$ 250 mil para um jogador'. Tem horas que não tem como. Tem que pagar. R$ 200 mil ali, R$ 150 mil, R$ 120 mil, R$ 30 mil do diretor, R$ 40 mil outros jogadores, conta grande, tem que entrar dinheiro. Se não, não tem mágica. No Brasil, a gente ainda está bem atrás porque quase todos os clubes têm percentual grande de TV. Na Europa, a média é 40% TV, 30% comercial e 30% matchday", concluiu.

Surpreendentemente eliminado na segunda fase da Copa do Brasil pelo Paraná, será preciso para o Bahia refazer as contas após o prejuízo que beira R$ 1 milhão com o adeus precoce e correr atrás no restante da temporada.

Fonte: ESPN Brasil