Postado por - Newton Duarte

10 entre 10 torcedores preferem: FEIJÃO!

Bahia por opção, Feijão festeja chance e sonha alto: 'Quero chegar à Seleção’

Morador de um bairro pobre de Salvador, volante se negou a treinar no rival e superou trauma do assassinato de um amigo em um campo de futebol

Feijão recebe entrevistadores em sua casa

Entre idas e vindas de veículos e pessoas em uma comunidade próxima da saída de Salvador, surge um jovem de 19 anos. De jeito simples, Felipe avista o carro da reportagem.

- Por aqui! É só seguir em frente e virar a primeira direita – avisa.

No meio do povo, o garoto é como qualquer outro. Não é reconhecido por nenhum transeunte. Recusa-se a entrar no carro. 'É aqui do lado', justifica. Alguns metros à frente e chegamos ao local indicado: a comunidade da ‘Brasilgás’. Ali, Felipe é celebridade. Para os humildes moradores do local, o jovem é Feijão, um exemplo e um orgulho.

Joia das divisões de base do Bahia, Feijão fez seu primeiro jogo como titular no último domingo, no clássico Ba-Vi. Apesar de ainda não ser reconhecido na rua, o jovem já é um xodó da torcida tricolor. Contra o Vitória, o volante teve uma atuação segura e foi um dos destaques da equipe. Se, no grupo de Cristóvão Borges, a moral do garoto é das mais altas, com os vizinhos é ainda mais.

No caminho para casa, Feijão recebe o carinho dos vizinhos

- Esse é o Feijão, menino bom aqui! Sempre nos orgulhou muito. Gostamos muito dele. Um bom menino – conta uma vizinha, após cumprimento o jovem.

E assim é até o caminho de casa. Por onde passa, Feijão ganha um afago, um aperto de mão, um amendoim cozido.

- Comeu muito do meu amendoim. Por isso ficou forte assim – brinca outra vizinha.

Feijão se diverte e brinca. Está em casa. Brincalhão, cumprimenta o pai, dono de um bar no térreo da casa onde vive com a família, quando não está concentrado. Feijão é aguardado por Dona Altamira, sua mãe. Na casa humilde com estruturas simples, o menino se solta. Brinca com os apelidos dos companheiros, fala da infância, dos traumas e revela sonhos.

No primeiro andar da casa número 8, Feijão é a essência do “ser Bahia”. De chinelo, bermuda e camiseta, é um porreta. Sem soberba ou arrogância, é, acima de tudo, povo. E se orgulha disso. É ousadia, coragem, sonhos e esperança. É “um Bahia” desde pequeno e que fez questão de escrever em vermelho, azul e branco o roteiro da própria vida. Para ele, não caberiam outras cores.

Tricolor desde pequeno, Feijão começou na base do Bahia

- Com cinco anos, ele fugia para jogar bola com os mais velhos. Aí o pai disse que iria colocá-lo em uma escolinha. Decidimos que ele iria para o Vitória, porque é mais perto daqui de onde moramos. Ele tinha apenas cinco anos, mas virou para mim e disse: ‘No Vitória eu não vou. Eu quero jogar no Bahia. É o Bahia que eu vou ajudar a ganhar os títulos’. Ele só tinha cinco anos, então isso me deixou muito surpresa. Mas toda a família é Bahia. Então a gente até gostou. Ele só entrou na escolinha dois anos depois. Quando completou 9 anos, um olheiro o descobriu, e o levou para a base do Bahia – revela Altamira.

Sobre a rápida chegada aos profissionais e entrada no time titular, como aconteceu no último domingo, Feijão admite que não esperava a meteórica ascensão, mas já planejava chegar longe.

- Eu esperava jogar, mas não tão rápido. Assim do nada, não, mas é a prova que estou fazendo bem o meu trabalho. Cheguei ao Bahia em 2002. Bobô ainda coordenava a base. Agradeço em primeiro lugar a Deus e depois ao professor Cristóvão, que me deu essa oportunidade. Agora é continuar trabalhando e fazer essa confusão boa na cabeça dele – diz o volante, sem esconder o desejo de se manter no time.

- Quando o professor me colocou no time titular na quarta-feira, eu liguei para minha mãe e avisei: ‘Mãe, o professor me botou no time titular’. Fiquei muito feliz. No começo do jogo, eu tive um friozinho na barriga, mas depois passou. Os companheiros passaram a dar força ali na partida, e aí você começa a se soltar – contou sobre as emoções vividas na última semana, quando vestiu pela primeira vez a camisa de titular do Bahia.

Feijão fez sua 1ª partida como titular do Bahia na Série A no domingo

Dona Altamira comemora o carinho da torcida, mas diz não entender o motivo de tanto apreço.

- A torcida gosta dele. Eu não sei bem explicar o porquê, mas fico muito orgulhosa dele ser aplaudido pela torcida.

Noveleiro? Nem pensar...

Brincalhão, Feijão ‘entrega’ os companheiros. Revela os noveleiros do grupo e até apelido dos colegas de equipe.

- Noveleiro eu não sou! Isso é coisa do Souza e do Titi. Não perdem um dia dessa novela aí. Quando dá nove horas, eles só querem saber de novela – se diverte.

- A galera lá pega muito no meu pé, mas a gente brinca muito também. Olha o ‘Cara de Cavalo’ aí na TV – conta, aos risos, ao avistar o companheiro Marcelo Lomba na TV.

O tesouro de Altamira

Feijão vive o seu próprio conto de vencedor. Basta uma olhada rápida ao redor para se ter a certeza de que o garoto que vibrou a cada desarme feito no Ba-Vi já é um vencedor no jogo da vida. A história de luta em busca dos sonhos ainda emociona dona Altamira.

- Sinto muito orgulho de vê-lo chegar aonde chegou. Foram muitas viagens pela escolinha até ele chegar aí. Eu trabalho no ponto de ônibus vendendo água, cerveja, bala, essas coisas. Foi assim que custeei as viagens. Sinto muito orgulho quando aparece um menino aqui querendo saber quem é a mãe de Feijão para saber como ele fez para chegar ao Bahia. Os meninos pedem para ele levar. Ele já levou muitos aqui para fazer testes. E minha esperança é que ele suba na vida. Espero que essa luta toda que tive com ele seja retribuída em dobro. Fiz muita promessa a Senhor do Bonfim para que ele chegasse aonde chegou. Vestia os irmãos dele com as camisas do Bahia, e íamos ao Bonfim pedir por ele – conta,

orgulhosa, a mãe do jogador.

Orgulhosa, Dona Altamira mostra as medalhas do filho

Como bom filho, Feijão é só elogios à mulher que foi fundamental na sua carreira. Mas nem mesmo para agradecer a dona Altamira o volante do Bahia deixa de lado o jeito brincalhão.

- Minha mãe é tudo para mim. Devo tudo a ela. É meio chatinha, pega no pé, mas eu não seria nada sem ela. É tudo – diz.

Em meio ao esforço dos pais para um vida de sucesso, o que de um certo modo explica os sorrisos quase constantes, Feijão teve que enfrentar outras dificuldades. O jogador carrega uma triste lembrança do futebol e da vida. O volante perdeu um amigo, vítima da brutal violência que assola as periferias soteropolitanas, logo depois de uma partida de futebol.

<<Chegaram dois caras e atiraram na cabeça dele. Ele caiu aos meus pés e morreu ali". Feijão, volante do Bahia>>

- Ele estava sentado do meu lado. Um cara tinha jurado ele de morte. Depois que acabamos de pegar um baba, chegaram dois caras e atiram na cabeça dele. Ele caiu aos meus pés e morreu ali – revela o volante.

Ao contar o episódio, Feijão silencia por alguns segundos e deixa o olhar se perder. Mas o garoto de pé grande e estatura de 'homem feito' não é de sucumbir fácil. O menino, que aos 12 anos já calçava 44, chuta para longe o olhar triste para dar lugar a um sonho como atleta.

- Eu penso alto sempre, mas sem nunca tirar os pés do chão. Quero um dia chegar à Seleção Brasileira. Sei que tenho muito que aprender com o Cristóvão – diz lembrando do treinador, que, assim como ele, saiu de um bairro pobre de Salvador e brilhou no Bahia, antes de chegar à Seleção.

O ídolo e uma família diferente

A vida de Feijão é marcada por fatos mais curiosos. Desde que decidiu de uma vez por todas que seria volante, o jogador, que também atuava como zagueiro, escolheu um ídolo, um exemplo a ser seguido. Quis o destino que, anos depois da escolha, o ídolo de Feijão se transferisse para o Bahia. E como os deuses do futebol capricham nas suas escolhas, o ídolo de Feijão é justamente o jogador de quem o garoto é a sombra no grupo atual: Fahel.

- Eu gosto dele desde os tempos do Botafogo. É um cara que eu gosto de ver jogar. A marcação, o passe. Quando ele veio para o Bahia, eu fiquei pensando: 'Caramba, ele vai jogar aqui'. Sempre queria perguntar alguma coisa a ele, uma dica, mas nunca fui. Ele nem sabe disso. Agora que vai ficar sabendo – conta o jovem, com olhos brilhantes ao falar do ídolo.

Feijão e seus irmãos, Arroz e Macarrão

Mais elogiados do que Fahel, apenas os irmãos. Todos devidamente apelidados graças a Feijão. Os gêmeos bivitelinos - ou seja, diferentes - ganharam novos nomes graças ao irmão mais velho. Arroz e Macarrão são os outros craques da família. Tão apaixonados pelo futebol quanto Feijão, os dois jovens de 17 anos esperam por uma chance em um clube de Salvador. Se depender da avaliação do irmão, a dupla merece uma oportunidade.

De bermuda, camiseta, sem papas na língua, humilde e brincalhão, Feijão é o retrato do baiano, independente do time do coração. Sempre esperançoso por dias melhores e em busca da primeira oportunidade para mostrar ao mundo o seu talento. É Feijão, mas poderia ser qualquer outro jovem das periferias soteropolitanas em busca dos seus sonhos.

Persistente, o jovem da comunidade do Brasilgás chegou longe, mas ainda quer muito mais. Fora dos campos, Feijão é um exemplo aos mais novos de que é possível driblar as dificuldades e transformar sonhos em realidade. O que faz dele um vencedor. Dentro de campo, o garoto espera cumprir as promessas feitas quando ainda dava os primeiros passos no futebol e ajudar o Bahia a conquistar títulos. Para quem já venceu partidas mais difíceis na vida, o futuro é promissor.

Feijão e sua família


Tabela interativa da Série A com atualização online


Fonte e Fotos: Eric Luis Carvalho – GLOBOESPORTE.COM