Postado por - Newton Duarte

30 anos do axé; Artistas declaram amor ao futebol

GE.com celebra 30 anos do axé, e artistas declaram amor ao futebol

Ritmo nascido na Bahia completa três décadas em 2015. Reportagem lembra momentos históricos da relação da música com o futebol da dupla Bahia e Vitória

"Atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu" (Caetano Veloso - Tricolor)

O ano era 1985. Nos campos baianos, o atacante nigeriano Ricky fazia história com muitos gols na Fonte Nova e levava o Vitória ao título estadual. No interior da Bahia, um jovem time inspirado numa empresa de ônibus fazia uma viagem histórica sob comando de um futuro craque de elegância sutil: Bobô. No cenário nacional, o ano não foi bom para os clubes do estado. O Bahia caiu na segunda fase do Campeonato Brasileiro, enquanto o Leônico sequer passou da primeira etapa da competição. Paralelo a tudo isso, a música baiana passava por uma profunda mudança. Pau elétrico, guitarra baiana, instrumentos de sopro, percussão... Uma mistura de estilos e um novo ritmo nascia na voz de Luiz Caldas.

- Pega ela aí, pega ela aí! Pra quê? Pra passar batom. De que cor? – cantava Luiz Caldas, pai do ritmo que em pouco tempo conquistaria o Brasil.

Folião exibe paixão pelo Bahia durante o carnaval da Bahia (Foto: Reprodução / TV Bahia)

E, desde então, o axé pegou. Não saiu das ruas, dos rádios, das vozes, dos carnavais. Como não poderia deixar de ser, o ritmo também passou a tabelar com o esporte que é paixão nacional. E, em pouco tempo, ícones da música passaram a ser torcedores símbolos dos clubes do estado.

Parceiros de ritmo, Luiz Caldas, Ivete Sangalo, Bell Marques, Durval Lelys, Tatau, Daniela Mercury, Claudia Leitte, Margareth Menezes e outros tantos carregaram aos palcos as cores dos seus times e fizeram de cada carnaval ao longo dos últimos 30 anos um grande e divertido clássico Ba-Vi, com emoção e grandes histórias. O ritmo que tomou as avenidas de Salvador rompeu as fronteiras da cidade e, na cola do futebol, ganhou o mundo.

QUANDO A AVENIDA VIRA ARQUIBANCADA

Ao longo dos 30 anos de axé nas ruas de Salvador, a paixão pelo futebol sempre esteve presente. Seja em referências nas músicas criadas em homenagens ao esporte ou nos próprios hinos dos clubes. Nos acordes do Chiclete com Banana, os axezeiros já cantaram “cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho” e colados com Claudia Leite avisaram que “futebol, carnaval, não mata, não engorda e não faz mal”.

Foliões fazem Ba-Vi da folia durante o carnaval de Salvador (Foto: Reprodução / TV Bahia)

E a própria avenida, palco de inúmeros carnavais, já foi cenário para disputas de clássicos da bola. No circuito Osmar, no Campo Grande, torcedores de Bahia e Vitória criaram, na região da avenida Carlos Gomes, uma espécie de arquibancada. De um lado, bandeiras, camisas e tudo vermelho azul e branco para exaltar o Bahia. Do outro lado da rua, mais bandeiras e camisas, mas desta vez tudo em vermelho e preto para mostrar a paixão pelo Vitória. O corredor foi, por anos, ponto tradicional de saudações aos clubes baianos. Ao passar por ali, os artistas faziam questão de cantar o hino do clube do coração. No caso dos tricolores Bell Marques e Ricardo Chaves, a relação era ainda mais divertida. Ricardo, que desfilou por anos à frente do Chiclete com Banana, amarrava uma camisa do Bahia em um fio. Bell, que vinha logo em seguida, tirava a camisa deixada pelo amigo, balançava para delírio da torcida e seguia com a execução do hino tricolor.

Folião exibe a bandeira do Bahia durante o carnaval de Salvador (Foto: Reprodução / TV Bahia)

A canção de Adroaldo Ribeiro Filho é considerada por muitos artistas como uma espécie de “axé origens”, afinal, o hino do Bahia é uma das canções mais executadas no carnaval baiano. "Mais um, mais um Bahia. Mais um, mais um título de glória".

O Vitória, no entanto, não fica para trás. Foi no ano do surgimento do axé que o Rubro-Negro rompeu com as origens e mudou de hino, adotando uma canção “feita para levantar estádios”, nome da campanha de adoção do novo hino que tinha como intenção arrecadar fundos para a conclusão do estádio do Barradão, inaugurado no ano seguinte. E, no ritmo do axé, os rubro-negros ganharam um brado que faz questão de apresentar o estilo Vitória de ser: “Eu sou Leão da Barra, tradição. Eu sou vermelho e preto eu sou paixão”.

QUANDO A ARQUIBANCADA VIRA AVENIDA

Se os artistas do axé trataram de fazer, ao longo dos anos, da avenida uma arquibancada, o mesmo aconteceu com os torcedores. Na Fonte Nova, em Pituaçu e principalmente no Barradão, o axé ecoou com força nas vozes dos torcedores. Famosas canções do ritmo ganharam versões para empurrar Bahia e Vitória. Um dos hinos do carnaval, "We Are Bahia", composição de Nizan Guanaes, mudou de refrão e virou “Sou tricolor, eu sou, eu sou Bahia. Sou Tricolor de coração, eu sou Bahia”.

Como em um repertório de um circuito de carnaval, a torcida do Bahia se apropriou de outro hino momesco. Nas avenidas da bola, "Chame Gente", de Moraes Moreira, ganha tons em azul, vermelho e branco, e o trecho "Bahia, de todos os santos, encantos e axés" é entoado pelos tricolores com um sonoro "Bahêa", e a certeza de que o clube está representado na canção. Até mesmo o hit “A Festa”, da rubro-negra Ivete Sangalo, ganhou versão tricolor e foi cantado pela torcida nas arquibancadas Brasil afora.

Ricardo Chaves é um tricolor ilustre do carnaval da capital baiana (Foto: Reprodução / TV Bahia)

No quesito versões, os rubro-negros trataram de homenagear seus torcedores símbolo com canções. Daniela Mercury e Tatau ganharam as mais conhecidas e cantadas. Na histórica campanha da Copa do Brasil de 2010, quando o Rubro-Negro chegou até a final e acabou derrotado pelo Santos, o clube embarcou para São Paulo diante de um aeroporto tomado por torcedores cantando uma versão de “Canto da Cidade”, canção que levou Daniela Mercury a ser conhecida nacionalmente."Quem manda nessa cidade sou eu. O canto rubro-negro é meu. Eu vou torcer com fé, eu vou andando a pé, pelo Vitória, minha vida".

Bell desamarra camisa de Ricardo Chaves em fio durante o carnaval (Foto: Reprodução / TV Bahia)

O show rubro-negro nas ruas e no aeroporto de Salvador emocionou até a própria Daniela, que, na época, em entrevista ao Globo Esporte, demonstrou muita alegria com a homenagem. Torcedor declarado do Vitória, Tatau também ganhou uma homenagem das arquibancadas. A canção "Bom demais" ganhou outra letra no Barradão e, na voz dos milhares de torcedores, virou um símbolo. "Não dá pra esconder o que eu sinto por você, Vitória. Não dá, não dá, não dá, não dá".

E se os torcedores do Bahia podiam se apropriar de uma música da rubro-negra Ivete Sangalo, nada mais justo que a torcida do Vitória adaptasse a canção do tricolor Bell Marques, o “Se me chamar eu vou”. "Se me chamar eu vou, eu vou pro Barradão, cantar pro meu Leão, com muita emoção, eu vou, eu vou".

BA-VI DO AXÉ

Se os artistas baianos se dividissem num clássico Ba-Vi, os times seriam recheados de craques, ao menos da música. O Bahia poderia ser escalado com Luiz Caldas; Saulo, Tuca, Manno Góes e Márcio Victor; Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Ricardo Chaves, Tomate; Bell e Claudia Leitte. Uma equipe que jogaria por música.

A rubro-negra Ivete Sangalo agita torcedores de Bahia e Vitória no carnaval (Foto: Reprodução / TV Bahia)

O time rubro-negro não ficaria por baixo ,e com uma equipe completamente afinada, seria formado por Compadre Washington; Tatau, Gilmelândia, Carla Cristina e Alexandre Peixe; Léo Santana, Durval Lelys, Xanddy e Alinne Rosa; Ivete Sangalo e Daniela Mercury.  

EM RITMO DE COPA

Em 1994, o axé music pegou carona no samba reggae do Olodum para representar a Bahia na Copa do Mundo dos Estados Unidos. Através dos tambores do banda do Pelourinho, o ritmo ganhou peso e virou trilha sonora para a Seleção Brasileira, com direito a estar presente nas Copas de 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014.

Além do Olodum, outros artistas baianos do axé representaram o Brasil em Copas do Mundo. Em 98, durante os jogos do Brasil na Copa da França, vídeos de músicas de Daniela Mercury eram exibidos no velho continente.

Olodum agita o Pelourinho durante os jogos da Seleção Brasileira (Foto: Reprodução / TV Bahia)

Em 2002, a música baiana viveu o seu maior momento nas Copas. Adotado pelo narrador Galvão Bueno como amuleto da Seleção Brasileira, o Olodum passou a embalar a campanha do penta. Com shows no Pelourinho, atraindo uma multidão de baianos e turistas, a banda mudou o ritmo do hino nacional e fez o Brasil dançar numa mesma batida.

E se em solo brasileiro os tambores davam o ritmo, na Coreia e no Japão, países sedes da Mundial de 2002, um das canções que embalava a Seleção Brasileira era um axé. Na voz de Ivete Sangalo, “A Festa” virou hino do Brasil e, em seguida, hit nos estádios de todo o país. Com Ivete, o Brasil de Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho e Felipão “levantou poeira” para avisar que o penta era nosso.

Daniela Mercury festeja com os jogadores do Vitória (Foto: Reprodução / TV Bahia)

Quatro anos depois, em 2006, o axé voltou à Copa. Novamente representado por Daniela Mercury e o Olodum, que, ao lado de Margareth Menezes, fez o planeta bola balançar. As micaretas, carnavais fora de época, invadiram a Alemanha. E a música "Levada Brasileira", da Rainha do Axé, era a grande aposta. "Capoeira! Dim Dim Dim, Dim Dim Dom!"

Em 2014, em solo brasileiro, coube também ao axé o protagonismo. Ao lado dos americanos Pitbull e Jennifer Lopez, Claudia Leitte colocou o ritmo no clipe da música oficial do Mundial. "É meu, é seu, hoje é tudo nosso. Quando eu chamo o mundo inteiro pra jogar é pra mostrar que eu posso torcer, chorar, sorrir, gritar", cantava a loira na abertura do torneio.

Paixão dos baianos, o axé parece viver um momento de reformulação em meio a dificuldades para consagrar novos artistas. Coincidência ou não, justamente no momento em que o futebol baiano tenta se reinventar após um humilhante ano de duplo rebaixamento para a Série B. Sem perder o ritmo, mesmo em meio a obstáculos, o ritmo trintão ainda mostra a velha força e tradição,

Trio do Bahia comemora título baiano; marcelo lomba e rhayner (Foto: Divulgação/EC Bahia)

Festa na Bahia tem que ter trio elétrico, inclusive no futebol (Foto: Divulgação/EC Bahia)