Abaixo a ditadura do Sócio Torcedor. Turma do Cappuccino talvez o prefira no shopping
Sem o Bahia, a AFN é um 'elefante branco' pintado de verde
Torcedor é a pessoa que torce, apóia em competições esportivas. Um incondicional admirador! Ninguém precisa ser sócio para ser torcedor. A criança que descobre a paixão por um clube não depende de carteirinha. O sentimento vale milhões de vezes mais do que um pedaço de plástico com nome, RG e foto 3 por 4.
Quem torce e deseja ver seu time de perto fica cada vez mais distante disso. O que já foi simples, para muitos está se transformando em sonho: acompanhar de fato os jogadores, lá no estádio, gritar por eles, torcer por eles, vibrar com eles. Criaram uma barreira entre o torcedor e sua velha paixão.
Tal parede só pode ser derrubada mediante pagamentos mensais ao clube. Como se apenas o dinheiro pudesse provar que o sujeito é mesmo torcedor daquele time. Como se fosse para a maioria uma moleza desembolsar a taxa mensal. Isso num país cuja renda média domiciliarper capita* é de R$ 1.052,00.
É caro. Tanto os R$ 39,90 cobrados pelo Flamengo e que dão "descontos na compra de ingressos" como os R$ 70 mensais do Palmeiras, que permitem acesso direto ao setor menos "nobre" na arena do presidente Paulo. A maioria não pode pagar por isso. E alguns podem e não querem por não serem muitos dos programas bem elaborados.
<< Mauro questiona a ditadura do sócio-torcedor: 'Estão fazendo futebol para a classe-média'>>
Futebol é prioritariamente paixão. Mas mesmo observando sob a perspectiva do negócio, como fazem tantos "especialistas" que se multiplicam por aí, é evidente que não há demanda. O Palmeiras comemorou efusivamente a quebra da barreira dos 100 mil "Sócios Avanti". Mas o que isso de fato representa? Só 1% dos apaixonados pelo Palestra, segundo pesquisas.
Os dos R$ 69,90 mensais no plano palmeirense têm direito a ingressos para todos os jogos no novo estádio. Mas há uma restrição: cabem menos de 9 mil pessoas no setor destinado a quem paga tal quantia e quer ir sem desembolsar mais dinheiro. É obvio que pouquíssimos podem aproveitar tal benefício. E as pessoas falam como se todos pudessem pagar esse valor e não faltar a jogo algum sem um centavo a mais.
No estádio do Corinthians, explica o companheiro Rodrigo Vessoni do Diário Lance!, há sete setores. Dois mais acessíveis, um intermediário e quatro caros. Isso explica a enorme dificuldade do Fiel Torcedor que deseja comprar ingresso mais barato e, por exemplo, associados ao programa pagando R$ 200 por um jogo da Libertadores. Imagine a situação do corintiano não sócio. A massacrante maioria!
Eduardo Tironi definiu bem. Num avião há muito mais lugares na classe econômica. Motivo? Em geral as pessoas só podem pagar por aquele tíquete, o mais acessível. Há uma parcela reduzida destinada à executiva e outra, ainda menor, chamada de primeira classe, que é caríssima. As companhias distribuem os assentos nas aeronaves de acordo com a demanda. No estádio de futebol tal lógica é quase ignorada.
Eduardo da Silva na partida contra o Bangu, no Maracanã: cadeiras vazias ao fundo - Gilvan de Souza/Fla Imagem
Se o Palmeiras tem aproximadamente 1% de sua torcida associada, o que dizer de São Paulo, Flamengo, Corinthians, Inter, Atlético, Cruzeiro, etc? Esses tem pontos percentuais ainda menores na proporcão entre os que aderiram aos programas e os fanáticos pelos clubes. Quase nada diante do gigantismo de suas torcidas. E a explicação, na maioria das vezes, é econômica: o cidadão não tem essa grana disponível, sobrando, para dar religiosamente ao clube.
Seria sensacional se os preços dos ingressos fossem acessíveis e proporcionais à demanda, à procura. Com os programas de sócio torcedor proporcionando aqueles que podem e querem contribuir, vantagens sobre os que pagam os ingressos avulsos, entre outros benefícios. Eles se tornariam atraentes e não haveria segregação.
Mas não é o que acontece no Brasil. Os bilhetes foram encarecidos, criaram a dificuldade para vender a solução: o programa sócio torcedor, evidentemente. Quem não se associa, que se vire, que não compareça ao jogo, veja pela televisão ou vá dormir. Na cabeça de alguns, talvez a expressão seja "que se dane" mesmo.
Leandro Damião marcou no empate do Cruzeiro: Mineirão quase deserto - Gazeta Press
Na final da Copa do Brasil de 2014 um grande momento do futebol mineiro, Atlético e Cruzeiro decidindo em dois jogos, que levaram a Independência e Mineirão 70% dos torcedores que os estádios comportariam. O óbvio motivo, ingressos a preços proibitivos. E o clube da massa foi campeão longe da maior parte dela, que tanto ajudou contra Corinthians e Flamengo nas épicas viradas de 4 a 1.
A ditadura do sócio torcedor cria outro obstáculo para o amante do futebol que, independentemente de ser o seu time ou não em campo, se dispõe a sair de casa para ver boas partidas. Fiz isso minha vida toda e cheguei a frequentar geral e arquibancada do Maracanã quatro vezes na mesma semana vendo Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo em jogos de campeonatos carioca e brasileiro. Quem pode fazer isso hoje?
A defesa do atual modelo é feita pelos que só vêem o estilo de vida classe média. Pelos que acham R$ 70 mensais mixaria. Pelos que esquecem de onde vieram ao melhorarem de vida. Vamos observar quem está embaixo nessa pirâmide? Que ama seu time e quer ir ao futebol. Afinal, há espaços sobrando (e como!) nas arquibancadas encadeiradas.
Estamos diante de uma ditadura. A ditadura do sócio torcedor. E a resposta é espontânea. O exageradamente badalado Palmeiras x São Paulo não levou mais do que 57% do número de torcedores que o Allianz Parque comporta. O Mineirão recebeu 10% da capacidade em Cruzeiro x Mamoré. E o Maracanã 8% em Flamengo x Bangu. Mesmo o Corinthians com suas belas médias não costuma lotar Itaquera.
Como escreveu o fã de esportes Ricardo Lima Camilo, "os programas de Sócio Torcedor não podem ser vistos apenas como facilitador para compra de ingressos. Falta criatividade aos dirigentes". E isso acontece apesar da parceria com a Ambev, que dá descontos em compras no supermercado, por exemplo.
Eu me incomodo ao ver tantas cadeiras vazias repetidas vezes em consecutivos jogos de futebol em nosso país. Reflexo, sim, de campeonatos pouco atraentes, mas também de uma política de preços de ingressos restritiva e elitista. Eles só estão de olho no "torcedor capuccinno". Que talvez prefira saborear sua bebida no shopping center.
(Nota do Autor da matéria): PS: não sou contra os programas de sócios torcedores, mas contrário à idéia de que a pessoa precisa pagar obrigatoriamente R$ 100, R$ 200 para ver UM jogo de seu time, caso não concorde em se associar. Ou não possa pagar o "dízimo" mensal.
Nota Luis Peres @BahiaClub: *Na Bahia, a renda per capta é de R$ 679, O resto é piada.