Postado por - Newton Duarte

Clubes podem faturar mais com ingressos mais baratos e estádios mais cheios

Com ingressos mais baratos e estádios mais cheios, clubes podem faturar mais

Torcida do Palmeiras no jogo contra o Atlético Paranaense, no Allianz Parque (Foto: Gabriel Uchida/FotoTorcida.com.br)

A bilheteria virou novamente uma parcela importante da arrecadação dos clubes brasileiros. Os novos estádios, especialmente, tem servido para aumentar bastante esse recurso, que durante alguns anos ficou esquecido. Corinthians, Cruzeiro, Flamengo e Palmeiras, por exemplo, tem conseguido cifras milionárias por jogo, o que virou um grande alívio para os cofres dos clubes. O aumento de arrecadação nesses casos pode dar a impressão que houve uma melhora nesse sentido e portanto a média de público aumentou. Nada disso. A média de público do Campeonato Brasileiro segue fraca, mas os preços dos ingressos desses clubes estão lá em cima. Com isso, a arrecadação subiu, mas, na média, os clubes ainda deixam muitos espaços vazios nos estádios. Cruzeiro e Corinthians têm setores que ficam bastante vazios, mesmo com os times em ótima fase. Isso sem falar na grande maioria dos clubes, que veem seus estádios majoritariamente vazios. O Campeonato Brasileiro de 2014 teve média de ocupação de 40%, o que mostra como há espaço para melhorar. E é disso que queremos falar.

No Brasil, comemoramos que os times alcancem uma média de público de 29 mil pessoas. No último Campeonato Brasileiro, a média de público ficou em 16.555, com o líder em público no estádio sendo o campeão, Cruzeiro, com 29.676 pagantes por partida. Mas temos pouco a comemorar. O Cruzeiro tem uma ocupação média de 48% no Mineirão, que tem capacidade para 61.846 pessoas. Como a média é ridícula, qualquer ponto um pouco acima é considerado um enorme sucesso diante de uma mar de incompetência. É como o ditado diz: “Em terra de cego, quem tem um olho é rei”. Mas em um país que tantas vezes é descrito como o país do futebol, ter só um olho deveria ser motivo de comemoração?

O Cruzeiro teve a segunda maior média de arrecadação do Campeonato Brasileiro em 2014, com R$ 1.451.847,63. Só perde para o Corinthians, que arrecadou, em média, R$ 1.845.731,88. Nós pegamos todos esses números, média de público, ocupação, arrecadação média e simulamos como poderia ser o Campeonato Brasileiro com algumas mudanças simples. Usando a média de público e a arrecadação, mostramos qual foi o preço médio do ingresso. Com isso, passamos a fazer as nossas simulações: qual seria o preço médio do ingresso se mantivéssemos a média de arrecadação, mas o estádio ficasse lotado? Nós fizemos essa conta. É o que mostraremos a vocês neste especial.

Antes disso, é preciso fazer algumas considerações. As simulações que fizemos são apenas para demonstrar como as coisas podem ser diferentes. Nós desconsideramos os diferentes estádios que os times jogaram para usar apenas um deles como referência. Isso porque idealmente os times deveriam jogar nos seus estádios, sempre. Também porque é uma loucura o que os times fazem – e que, aliás, deveria ser proibido. É um exercício de imaginação, só para mostrar como o futebol brasileiro não é bem pensado pelos dirigentes.

O Brasil é um país excepcional, com dimensões continentais, muitas cidades grandes e clubes populares em diversos lugares. Colocar 30, 40 até 50 mil pessoas nos estádios não é uma tarefa tão difícil assim em um país com tantas cidades acima de 400 mil pessoas. Ou, ao menos, não deveria ser. Mais do que isso, são 16 cidades acima de um milhão de habitantes: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Belém, Goiânia, Guarulhos, Campinas, São Luís e São Gonçalo. O Brasil é um país que tem 39 cidades acima de 500 mil habitantes e 57 acima de 400 mil. São cidades grandes. Então, o que falta para termos uma média de público condizente com o país populoso e apaixonado por futebol como o nosso? Bom, são vários os fatores, mas consideraremos um deles para a simulação aqui: o preço.

Há muitos aspectos que precisam ser considerados na hora de analisar a baixa média de público. O preço e ele é crucial, por isso usamos este fator nas simulações, como você verá. Mas o preço não é o único aspecto, é claro. Há outros motivos importantes nas nossas cidades que dificultam, como o transporte para chegar e sair do estádio, por exemplo, algo crucial em cidades grandes como as citadas. Há também o fator cultural de ir ao estádio só quando o time está bem, que é mais comum do que gostamos de imaginar. Essa é uma justificativa que tem que ser criticada, porque o futebol não é um espetáculo de arte. Não é um filme no cinema, nem uma peça de teatro, nem um concerto de orquestra. Não há garantia de qualidade técnica, nem de vitória, nem que o time fará uma grande partida. Pode dar tudo errado, mas mesmo assim, ir ao estádio é um programa ao redor do mundo. É claro que é preciso melhorar o nível técnico para atrair mais gente ao estádio, não só os fanáticos torcedores que acompanham o time, mas é preciso entender que futebol, embora seja um produto, não pode criar uma relação só de consumidor com o torcedor. Porque não dá para devolver o produto em sete dias se você não gostar. Futebol é outra coisa. Mas é preciso pensar em atrair mais torcedores oferecendo mais facilidade para chegar e sair do estádio, oferecendo lanches com preços acessíveis, oferecendo vantagens reais aos torcedores que vão a todos os jogos. Tudo isso é importante, evidentemente.

Como o preço é um fator-chave, é nele que vamos mexer para mostrar que os clubes podem arrecadar muito, até mais do que arrecadam atualmente, se tiverem uma política de preços mais condizente com a situação atual da população. É assim que mostramos como mexendo pouco no preço é possível manter ou aumentar a arrecadação dos times com bilheteria. Alguns clubes, que arrecadam muito pouco, poderiam arrecadar significativamente mais com ingressos muito mais baratos.

Mas vamos começar com os dados mais básicos e mostrar qual a média de público, de ocupação, de arrecadação e de preço de ingresso no último Campeonato Brasileiro, em 2014:

A média de público brasileira é muito baixa se comparada às grandes ligas do mundo. A Série A brasileira fica atrás de ligas como a Eredivisie, da Holanda, a MLS, dos Estados Unidos, a Super League, da China, da 2.Bundesliga, a segunda divisão alemã, e da J-League, do Japão. Veja o ranking das médias de público das ligas de futebol no mundo:

Considerando os números mostrados acima, passamos então às simulações. A ideia é: mantendo a atual média de arrecadação, qual seria o preço do ingresso se o estádio estivesse lotado, ou quase isso? Porque, afinal, se o preço é um fator relevante – e é, como o São Paulo mostrou em 2013 quando aumentou instantaneamente a sua média de público com uma promoção de barateamento dos ingressos -, então cabe o exercício. O que fizemos a seguir foi simular qual seria o preço do ingresso médio se o estádio estivesse lotado, mas a arrecadação média fosse exatamente a mesma. Simulamos com 100% de ocupação – algo raro mesmo nas ligas de maior média de público, como a Bundesliga e a Premier League. É o número utópico, usamos apenas como referência. Calculamos logo em seguida como seria o preço médio do ingresso se o estádio estivesse 90% cheio, algo próximo do que acontece nas ligas de maior média de público do mundo. O resultado chama a atenção.

Chama a atenção no gráfico qual seria o preço médio do ingresso com os estádios cheios. Parece que no futebol, os princípios tão consagrados na economia (embora nem sempre aplicado, como é o caso aqui) de lei da oferta e da procura. Não há demanda, mas mesmo assim o preço sobe, como se houvesse. Os dirigentes pensam de maneira inversa do que deveriam: ao invés de pensar qual deve ser o preço para que o estádio lote e, assim, criar uma cultura de encher o estádio, criar a demanda para gradativamente aumentar o preço dos ingressos com isso, aqui se pensa em cobrar o máximo possível do torcedor que já vai ao estádio e arrancar tudo que for possível dele. Ao invés de se criar uma cultura de ir ao estádio sempre, criando demanda e deixando o torcedor preocupado em ter que comprar ingressos antes ou mesmo virar sócio para conseguir isso, cultivamos há décadas a cultura de estádios vazios. Mesmo nos casos de sucesso, como o Cruzeiro e o Corinthians, o sucesso vem com o custo de um ingresso caro e uma ocupação ainda muito abaixo do potencial. E assim, vemos times com estádios enormes, como o Goiás, ter o estádio vazio e um preço médio do ingresso em mais de R$ 39. Um absurdo, que é tão evidente que é difícil que nenhum dirigente tenha visto. Ou ainda casos como o do Fluminense, que tem potencial para colocar muito mais gente no estádio, mas não coloca, porque, em parte, o clube só se preocupa em faturar onde o seu contrato prevê, nos setores atrás dos gols. Em outra parte porque a concessionária parece não entender que é melhor cobrar R$ 10, no limite, no que ter o lugar vazio. Lugar vazio é só prejuízo. Ingresso barato, no mínimo, ajuda melhorar a conta. E falamos a R$ 10, mas nem precisa ser a tanto, como mostramos a seguir. Simulamos então como seria a arrecadação dos times se o preço médio dos ingressos fosse R$ 30 e os estádios ficassem lotados – o que não aconteceria, evidente, até porque alguns clubes têm ingressos médios a preços menores do que esse e não conseguem lotar seus estádios. Mas vale como exercício de imaginação:

Corinthians e Palmeiras, casos à parte de ingressos altos e demanda também

Torcida do Palmeiras no jogo contra o Atlético Paranaense, no Allianz Parque (Foto: Gabriel Uchida/FotoTorcida.com.br)

Torcida do Palmeiras no jogo contra o Atlético Paranaense, no Allianz Parque (Foto: Gabriel Uchida/FotoTorcida.com.br)

O preço médio de ingressos a R$ 30 parece longe da realidade da grande maioria dos clubes, como o gráfico mostra. A maioria dos clubes cobra menos do que R$ 30 como médio de preço do ingresso e isso não tem sido suficiente para chegar a um público melhor. É uma estratégia que só vale para os clubes que já estão com média de público e arrecadação altas, como Cruzeiro e Flamengo, por exemplo. O Corinthians, maior arrecadação do país, perderia dinheiro. Isso porque o seu estádio não está entre os maiores – possui capacidade de 45 mil, que, neste momento, é menor do que isso porque ainda está em obras. Mesmo que tivesse todos os lugares disponíveis, ainda não valeria a pena para o clube paulista. Talvez seja o único que possa dizer que consegue cobrar muito e manter uma média alta sem um grande desperdício – embora os 66% de ocupação sugiram, sim, que o clube precisa trabalhar nos setores mais caros, que continuam vazios, caso latente do setor oeste. O Corinthians teve um preço médio de ingresso no Campeonato Brasileiro de 2014 de R$ 63,73, um preço alto. Há de se pensar se não é o caso de ter mais setores com ingressos mais baratos para aumentar o percentual de ocupação, especialmente quando a capacidade de 45 mil estiver totalmente disponível. É um caso parecido com o Palmeiras. Com o Allianz Parque, o time passou a ter um faturamento gigantesco, similar ao do Corinthians em jogos de Libertadores, mesmo jogando o Campeonato Paulista. A empolgação da torcida com o novo time e o novo estádio fizeram com que a demanda aumentasse e o preço dos ingressos também. O ingresso médio para ir ver o Palmeiras em 2015 é de R$ 77,71, contra R$ 44,35 em 2014. O gráfico a seguir mostra como o faturamento do time é alto, mesmo não preenchendo totalmente o estádio, mas com uma média de público alta para os padrões brasileiros. A média de público é de 26.777 pessoas por jogo. Se ocupasse 9% do estádio, equivalente a 39.240 pessoas, e mantivesse a mesma arrecadação média, o preço médio do ingresso seria de R$ 53,03. Um caso excepcional de ingresso muito alto, que consegue arrecadar em um patamar de preço difícil de ser aplicado. Até aqui, tem funcionado para o Palmeiras. A discussão é outra: será que não seria melhor ter mais gente a preços populares e aumentar o público total do estádio, já que há espaço sobrando? É uma questão de outra ordem.

Mas Corinthians e Palmeiras são casos à parte. Times como o Cruzeiro, Flamengo, São Paulo, Grêmio, Internacional, todos com estádios grandes à sua disposição, poderiam faturar alto. O Flamengo, por exemplo, é o clube mais popular do país e atua no maior estádio da Série A, o Maracanã , com mais de 78 mil lugares. A média de arrecadação foi de R$ 1.048.284,87, com preço médio do ingresso de R$ 39,69. Com um ingresso a R$ 30 de preço médio, pouca coisa a menos, e uma campanha para lotar o estádio, o clube pode arrecadar muito mais. E lembrando que o preço médio do ingresso a R$ 30 significa que alguns pagam menos que isso, enquanto outros pagam mais. É perfeitamente possível equilibrar ingressos populares e outros mais caros, em setores menores. Vale o mesmo para Cruzeiro e Fluminense, por exemplo.

É claro que baixar o preço do ingresso, mesmo que seja radicalmente, como o São Paulo fez em 2013 ao estabelecer R$ 10 como preço mínimo. O clube aumentou drasticamente a média de público, mas o estádio não ficava lotado com 60 mil pessoas todos os jogos. É possível chegar a isso, mas é preciso trabalhar para tanto. Um dos pontos é inegavelmente o preço e o que mostramos nesta matéria é que alguns times estão com preços médios de ingressos altos demais. É preciso repensar essa política. Na Inglaterra, onde a ocupação é alta e a liga tem a segunda maior média de público do mundo, se discute a questão do preço dos ingressos. Por aqui, o caso é mais grave: nem conseguimos lotar os estádios e os preços já estão nas alturas. A proposta aqui não é dizer como os clubes devem ou não fazer, mas sim levantar o debate sobre como é possível melhorar mexendo em um fator tão crucial quanto o preço. É preciso pensar o que queremos do futebol por aqui também. Ou então vamos cobrar cada vez mais de cada vez menos pessoas.