Clubes sofrem com novo sistema de registros da CBF e ficam sem reservas
Clubes relatam dificuldade com ferramenta e iniciam estaduais desfalcados. Diretor da entidade nega falhas: "O pessoal deixa para registrar no último dia, aí é difícil"
Logo aos 12 minutos, Wéverton abriu o placar para o Londrina. Ainda era o primeiro tempo, a reação do Foz do Iguaçu seria possível. Após 19 minutos, o Tubarão aumentou. Já ficou difícil para o Foz. O que fazer? Mudar o time no intervalo? Só se for de postura. Ou de goleiro. O técnico Edson Borges tinha apenas um goleiro como reserva para a estreia de sua equipe no estadual. E mais. O arqueiro estava com uniforme de jogador de linha e era da base. O jogo terminou com o placar de 3 a 0, e Edson, como se esperava, não fez substituições.
A situação não ficou restrita ao Foz do Iguaçu. Outros clubes tiveram o mesmo problema no último fim de semana, até mesmo os grandes. Com dificuldades para regularizar muitos de seus jogadores, algumas equipes sofreram em suas estreias pelos estaduais e ficaram prejudicadas - principalmente aquelas que montaram um elenco completo em 2015. O motivo para a coincidência frustrante é quase sempre o mesmo: dificuldades para manusear o novo sistema de registros e transferências da CBF.
A CBF lançou o programa no fim do ano passado. Concedeu dois cursos presenciais para federações e clubes e disponibilizou, dentro do próprio sistema, vídeos tutoriais de como manuseá-lo. Além disso, neste ano a publicação dos nomes dos atletas no BID (Boletim Informativo Diário), que antes era responsabilidade das federações, voltou a ser da CBF. No entanto, as reclamações são constantes. O Mixto perdeu o clássico mato-grossense para o Operário-MT por 3 a 0. Sem três titulares e com apenas quatro reservas – dos quais dois eram das categorias de base –, o clube sofreu com a burocracia. E Luís Matos, dirigente do Tigre de Mato Grosso, botou a culpa na ferramenta.
COMO FUNCIONA
Para regularizar os atletas, os clubes entram no sistema, geram os contratos e os encaminham à sua federação após pagar as taxas e assinar os documentos. Ela transfere, pelo sistema, à CBF. A entidade fica responsável pela publicação no BID em até 48 horas, como prevê o regulamento |
- Fomos muito prejudicados. Tivemos que jogar com seis da base. Federação, CBF e Fifa liberaram as transferências e inscrições muito em cima do início do campeonato. Não tivemos tempo hábil para fazer essas regularizações. Houve mudança no sistema, e nosso funcionário responsável por isso não tem conhecimento. Fez os registros no sistema antigo, e os contratos foram devolvidos. Tínhamos um ex-funcionário, que, quando saiu, avisou a CBF, que automaticamente bloqueou nosso acesso ao sistema. Com toda a burocracia, demoramos a ter acesso. Não houve uma orientação boa para o caso – reclama o diretor.
O São Mateus venceu o Real Noroeste por 1 a 0 na estreia do Campeonato Capixaba, mas suou para isso. Tinha apenas dois jogadores no banco e atuou com alguns atletas fora de suas posições. O motivo para isso, segundo o presidente Celso Gomes, também foi o sistema da CBF. Segundo ele, o acesso ao portal na última semana estava muito difícil.
- O sistema travava e não tinha como gerar o registro do contrato. Quando conseguíamos, a federação responsável por emitir o documento de transferência também não conseguia. Tivemos vários problemas. Nos mandaram o boleto para pagar (taxa de manutenção da CBF) no dia 26, e só depois conseguimos o login e senha para o sistema. Foi muito difícil. Jogamos na sexta, e eu perdi o primeiro tempo porque fiquei até tarde na internet para ver se algum atleta meu iria sair no BID – relata.
PARA DIRETOR DA CBF, CLUBES SÃO RESPONSÁVEIS
O diretor de Registros e Transferências da CBF, Reynaldo Buzzoni, não vê problema na ferramenta. O novo regulamento sobre o tema, lançado em janeiro, diz no artigo 23 que "a confirmação do registro se dá com a publicação no BID da CBF, após o envio da documentação através do Sistema de Registro com, pelo menos, 48 horas de antecedência". Para Buzzoni, a entidade cumpriu o prazo com todos os contratos que chegaram até a última quarta-feira, e os clubes desfalcados simplesmente demoraram a enviar a documentação, o que impediu a estreia de vários atletas.
- Todos os jogadores cujas documentações chegaram na CBF até quarta entraram no BID na sexta. O novo regulamento diz isso, que o prazo para a publicação no BID é de 48 horas úteis. O problema é que muitos atletas só entraram depois. Nós já temos mais de 3,7 mil jogadores inscritos no BID em janeiro. Foram 609 inscrições na quinta-feira, dia 29, e 810 no dia 30, portanto fora do prazo para a estreia no domingo. É fácil jogar o problema para a CBF, mas acabou essa questão com o novo sistema. O pessoal deixa para registrar no último dia, aí é difícil. E, se faltar algum documento, ou estiver alguma coisa errada, o contrato volta – explica Reynaldo.
Detalhe do sistema de registros da CBF: clubes geram contratos e enviam para a entidade publicar no BID (Foto: reprodução)
O presidente do Foz do Iguaçu, Arif Osman, admitiu o atraso na regularização de seus atletas. Embora relate problemas com o manuseio da ferramenta de registros da CBF, o dirigente isenta a entidade e a Federação Paranaense de Futebol de culpa no processo.
- Como fomos um dos últimos a serem confirmados no campeonato, começamos tardiamente a montagem do elenco. Somos um clube pequeno, não tínhamos contratos em vigência. Começamos do zero. Entramos com 24 documentos na quarta, a federação rapidamente enviou, mas só 12 foram publicados no BID a tempo. Dizem que houve falhas no sistema, caiu muito nos últimos dias, estava sobrecarregado, mas não vou responsabilizar nem a CBF nem a federação. Nós demoramos muito – diz Arif.
A sobrecarga foi negada por Reynaldo. Para o dirigente da CBF, o sistema apresenta quedas e falhas normais a qualquer ferramenta do tipo, mas está funcionando plenamente desde sua implementação. E também rechaça as acusações de que não houve treinamento suficiente para todos os usuários.
- Toda mudança pode acarretar problemas, tem muita coisa para melhorar ainda no sistema. Estava tendo sobrecarga, mas o sistema não caiu. Não está 100%, da forma que a gente quer, mas só recebemos elogios. É difícil essa transição. Tínhamos um modelo há sete anos, e agora temos um novo e com 5 mil contratos para registrar. Leva tempo. Mas tudo tem um aprimoramento – comentou.
Diretor de registros da Federação Piauiense de Futebol, Anderson Sousa virou referência para os colegas das regiões Norte e Nordeste. O estadual no Piauí só começa em março, mas a maioria dos atletas no estado já está regularizada, inclusive dos dois representantes na Copa do Nordeste, Piauí e River. Anderson orienta as federações de outros estados no uso do sistema da CBF e dá o retorno à entidade. Para ele, o maior problema realmente tem sido o atraso dos clubes.
- A dificuldade existe. Toda modificação gera dificuldade, e no sistema da CBF não poderia ser diferente. Mas os clubes não se cadastraram no período correto. Tinham até o dia 31 de dezembro para pagar a anuidade da CBF, com desconto, e aí teriam login e senha do sistema. Muitos não se cadastraram. Deixaram para a última hora. Aqui orientamos os nossos clubes a fazer isso com tempo, principalmente os que estão na Copa do Nordeste. E estão todos regularizados.
ALTERNATIVA MARANHENSE
No Maranhão, muitos clubes tiveram dor de cabeça com o imbróglio. Para evitar episódios como os de outros estados, a federação no estado baixou uma portaria com um BID local. Mais de 100 atletas atuaram na primeira rodada do estadual sem estarem com seus nomes publicados no BID da CBF.
- Muito embora tivéssemos dado entrada na documentação na quarta-feira da semana passada, até sexta não tinha todos os atletas regulares. Como houve um fato maior, que não foi causado pela federação, nem clubes, baixamos essa portaria com um BID local. Todos os jogadores cujas documentações foram enviadas até as 18h da última quarta, e estavam corretas, puderam jogar no fim de semana – explicou o presidente da Federação Maranhense, Antônio Marcos.
A alternativa tem o respaldo da CBF. Reynaldo Buzzoni lembra que cada federação pode legislar sobre a situação dos atletas da forma como quiser. No entanto, a maioria usa o BID da entidade máxima do futebol brasileiro como referência. E por isso muitos foram afetados.
- O campeonato é dele, e o BID é um sistema da CBF. Quando o campeonato é nosso, o que vale é o BID. Não temos ingerência sobre os campeonatos estaduais, mas, se quiserem usar o nosso BID, tudo bem. E a maioria usa – comenta o diretor.
GRANDES TAMBÉM SOFREM
O problema da regularização ficou evidenciado nos clubes menos expressivos, mas também atacou os grandes do país. Para alguns pequenos, que não contam com elenco fixo, o sofrimento é maior. Sem atletas com contratos antigos, a falta de jogadores com condições de jogo influencia diretamente na montagem de um time para a partida. Para o grande, o problema é amenizado com atletas que possuem contratos em vigência.
O Grêmio não teve Douglas e Erazo para a estreia no Campeonato Gaúcho. O Inter não contou com Réver e Vitinho. O Palmeiras estava desfalcado de Alan Patrick e Dudu. Todos eles também não estavam regularizados. Diretor executivo do Tricolor gaúcho, Rui Costa também admite problemas com o sistema da CBF.
- Não foi só o Grêmio, foram vários clubes com esse problema. Realmente o sistema trouxe uma série de alterações, ficou parado no período de recesso e tivemos dificuldades. Agora mesmo estamos tentando fazer documento, e o sistema não gera. Tem falhas e está inviabilizando o andamento do processo. O Douglas era para estar regularizado, mas o Monte Azul não conseguiu gerar o documento de transferência para nós, e não conseguimos inscrevê-lo – declara Rui.
Para as próximas rodadas, a expectativa é de que o problema não seja tão frequente. E os bancos de reservas pelo Brasil estejam mais preenchidos.