Postado por - Newton Duarte

Coach Lulinha Tavares supera desconfiança e ajuda atletas do Bahia

Coach Lulinha Tavares supera desconfiança e ajuda atletas do Bahia

Coach trabalha com 15 jogadores do elenco tricolor e conta como faz para que eles saiam da zona de conforto e conquistem o desenvolvimento pessoal e profissional

Lulinha Tavares foi contratado pelo Bahia para realizar o trabalho de coaching com o elenco (Foto: Thiago Pereira)

A função ainda é desconhecida e gera curiosidade. Coach?! Do que se trata? É de comer ou de vestir? Serve exatamente para quê? Originário da língua inglesa, o termo é traduzido para o português como "instrutor" ou "treinador". Tem inspiração na Inglaterra medieval, quando cocheiros conduziam nobres de um lugar para outro. No século XIX, passou a ser utilizado para definir tutores particulares e, com o passar dos anos, ganhou outras acepções.

Atualmente, na explicação mais simples, é uma espécie de conselheiro que ajuda um indivíduo a sair da zona de conforto, traçar metas e buscar o desenvolvimento pessoal e profissional, ofício que ainda é distante para muitos. Mas que os jogadores do Bahia conhecem de perto. Desde maio, Lulinha Tavares trabalha no Fazendão. E ninguém melhor do que ele para explicar o quê, de verdade, um coach faz.     

- É muito parecido com o trabalho de um personal trainer. Quando a pessoa recorre a esse profissional, ele precisa saber o que ele quer. O que ele quer em uma academia? Ganhar massa, resistência, perder peso? Até determinado ponto, o trabalho de um coach é semelhante a isso. Ajudar o outro a chegar aonde ele quer. Esse profissional ajuda o atleta, clube ou dirigente a alcançar metas e melhorar resultados. (...) O atleta sabe aonde quer chegar. O desafio é tirar aquilo que está na cabeça dele e colocar no papel. Dar nome. O segundo desafio é tirar do papel e colocar em prática. O cérebro vai trabalhar de forma coordenada. É como os aplicativos em que você coloca o nome da rua e eles dizem onde fica o endereço e como você vai chegar – contou Lulinha Tavares, em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com.

O modo como um coach trabalha é semelhante ao de um psicólogo. O indivíduo apresenta necessidades, fala do estado atual em que se encontra e dos objetivos que pretende alcançar. Para os jogadores, são traçadas metas individuais, que ficam abaixo das metas coletivas do clube. Voltar a jogar após longo tempo machucado, ser artilheiro, melhorar índices ou ganhar chance de atuar com mais frequência entre os titulares. Tudo depende das pretensões de cada um. A partir de então, o coach analisa e trabalha as dificuldades de cada atleta, sejam elas emocionais, profissionais ou pessoais.

Lulinha Tavares desenvolve metas e ajuda os jogadores a superar obstáculos (Foto: Thiago Pereira)

A rotina de Lulinha inclui, a cada mês, passar dez dias seguidos em Salvador para trabalhar com os jogadores do Bahia. Durante os encontros, ele tenta fazer com que os atletas desenvolvam as habilidades que possuem, vençam limites que os impedem de ir mais longe e descubram novas competências. Tudo é feito com base em etapas que são vencidas até atingir as metas pré-estabelecidas.

- Cada ser humano tem suas dificuldades. Meu desafio é mostrar como ele [jogador] pode fazer para ultrapassar aquela barreira. Na verdade, ele está fazendo aquilo para ele. O profissional trabalha para que ele se desenvolva e salte obstáculos. É a arte de saltar obstáculos e buscar soluções. Ele não fica focado no problema, fica focado na solução. (...) O ser humano é um ser psicológico. A maioria dos grandes coachs são psicólogos de formação. A psicologia é parte do ser humano. Não é terapia, mas é terapêutico. Terapia pressupõe cura. São atividades complementares. Um trata de cura e outro de desenvolvimento. (...) Quando você contempla um horizonte em branco que pode ser escrito e você é o gestor disso, gera protagonismo, gera um bem estar. Faz a pessoa se sentir melhor. Psicologicamente ajuda os atletas - explicou.      

A forma e tempo de duração do contrato de Lulinha Tavares no Bahia é novidade entre os clubes brasileiros. Até então, no Brasil, o coach era requisitado quando um time estava em baixa e para ações e metas imediatas, como evitar um rebaixamento. Antes do Tricolor, nenhum profissional da área havia assinado com uma equipe nacional para fazer um projeto de longo prazo. Com a confiança da diretoria baiana, Lulinha fechou um vínculo de um ano e atendeu, até o momento, 15 jogadores do elenco.      

Cada ser humano tem suas dificuldades. Meu desafio é mostrar como ele pode fazer para ultrapassar aquela barreira

Lulinha Tavares

Alguns desses atletas procuraram o coach de maneira espontânea logo nos primeiros dias de trabalho. Outros, no entanto, mantiveram-se receosos. Sem saber ao certo qual função Lulinha Tavares exercia, ficaram distantes, como espectadores, à espera de alguém que explicasse o que afinal era feito durante as consultas. A desconfiança foi vencida aos poucos e acabou extinta após a propaganda “boca a boca” de quem havia sido atendido.     

- Como é algo novo, o atleta vai buscando primeiro entender. O desafio de um coach é criar identificação. É como um flerte. As pessoas vão se conhecendo. À medida que vai conhecendo, vai ganhando confiança e as resistências caem por terra. Não existe porta sem chave. Existe chave errada. Tem que encontrar a chave certa para entrar naquela porta e o tempo certo. Não invado a vida do atleta. O atleta não é enviado sem querer. Tive a surpresa positiva que vários atletas estão me procurando, o trabalho vem sendo desenvolvido, eles estão gostando, vão falando para os outros e vai se desenvolvendo – disse o coach tricolor, que é formado em Educação Física, pós-graduado em Psicologia do Esporte, com mais de 20 clubes no currículo.

SENHOR DA MENTE

Estabelecer metas e ajudar atletas a atingir objetivos não é a única função de Lulinha Tavares no Bahia. O coach tenta impedir que os jogadores se deixem afetar por um problema que se tornou comum nos dias atuais, mas que é pouco conhecido. A Síndrome do Pensamento Acelerado é uma condição clínica que afeta a saúde emocional. Por conta do ritmo acelerado e do ambiente de grande pressão em que vivem, as pessoas não conseguem se concentrar em apenas uma atividade. No caso do futebol, o déficit de atenção pode custar caro. Ao desviar a mente para fora das quatro linhas, o atacante acaba em posição de impedimento, o zagueiro deixa a bola passar para o rival, o goleiro falha e vê o adversário marcar um gol.

Lulinha Tavares trabalhou em 20 clubes no Brasil e ajudou o Palmeiras a fugir do rebaixamento (Foto: Fabricio Crepaldi)

Lulinha tenta conscientizar os jogadores de que é preciso entrar em campo focado apenas na execução da parte técnica e nas instruções do treinador Sérgio Soares. No momento do jogo, são necessários pouco mais de 90 minutos voltados exclusivamente para o futebol. É preciso ignorar problemas que não possuem relação com a bola, além da enxurrada de informações que a mente reserva e que que podem desviar a atenção.

- Hoje, com esse mundo de informações que vem sobre a vida dos atletas e das pessoas, ocasionou uma doença grave, que é a Síndrome do Pensamento Acelerado. Você está em um lugar e sua cabeça está em outro. Para jogar futebol, o corpo e a mente precisam estar no mesmo lugar. Então o jogador tem que treinar e “estar” onde está. (...) Noventa por cento da população mundial tem essa síndrome. Criança, adolescente. As pessoas têm dificuldades para trazer sua mente para o momento. Você imagina que um jogo de futebol tem em média 95 minutos, o jogador fica parado, andando, e muita coisa externa vem. Ele precisa ajustar isso. E, para tanto, tem que treinar. Saber que é importante. Quando consegue trazer a mente para o momento, o nível de concentração aumenta e o de ansiedade diminui. Nesse autoajuste, ele vai ter performance melhor – afirmou.

O coach tricolor trabalha ainda para que os jogadores se tornem senhores da própria mente. Em um clube como o Bahia, a pressão atinge cada atleta em diversas frentes. A torcida espera que ele se torne um destaque, o técnico anseia que obedeça às ordens e consiga executar o plano de jogo, os companheiros querem que ele contribua para o lado coletivo da equipe. Fora de campo, existem outras cobranças, como família, amigos e credores. Lulinha trabalha para que cada atleta suporte o peso emocional das exigências de forma racional e entre em campo mais leve, sem a carga de quem carrega a expectativa de milhões.

Lulinha Tavares chegou ao Bahia em maio, apresentado pelo diretor Alexandre Faria (Foto: Divulgação/EC Bahia)

- Ele [o jogador] vai entender isso. Que precisa trazer para sua atmosfera de treino, o que ele precisa para demanda de jogo. Ele vai treinar isso. Como fazer o gesto técnico sob pressão. “Preciso executar isso para, na hora do jogo, sentir menos a pressão”. A pressão existe. Não tem como acabar com a pressão, a paixão no futebol, o envolvimento da torcida, não se acaba com isso. Você trabalha para minimizar e neutralizar, em dado momento, para que ele esteja ali como se nada estivesse acontecendo. Ele vai se conhecer mais e se ajustar. Ele vai estabelecer tarefas para isso. E, dia após dia, ele vai monitorando, criando métricas. Como estou chegando lá? O que indica que estou chegando lá? (...) O atleta vai trabalhar lidando com as pressões, pressão externa, que são os outros clubes, a torcida, a pressão midiática, a pressão interna, que são as metas do clube, disputas por posição, e a pressão pessoal. Aquilo que ele espera da vida dele, o que ele quer. Ele vai lidar com tudo isso de maneira racional. Ele vai estar mais convicto do que está fazendo. Mais confiante e preparado – esclareceu.

SENHOR DAS METAS

Ávine, Souza, Maxi Biancucchi, Kieza, Tiago Real e Douglas Pires. Em comum, todos são titulares. E todos estão entre os 15 do elenco do Bahia que receberam atendimento de Lulinha Tavares. O coach não pode falar abertamente sobre a particularidade de cada jogador. Existe confidencialidade naquilo que o atleta busca e no que é conversado durante as consultas. Durante a conversa com o GloboEsporte.com, apenas o caso de Ávine foi detalhado, já que o próprio lateral-esquerdo revelou que o trabalho desenvolvido com Lulinha ajudou no retorno aos gramados após quase três anos sem entrar em campo.

Lulinha Tavares prestou consultoria ao lateral Ávine, que passou quase três anos sem jogar (Foto: Thiago Pereira)

Lulinha Tavares conta que as conversas com Ávine tiveram como intuito que o lateral conseguisse nomear os obstáculos que tinha pela frente. A partir de então, foi elaborado um processo com etapas para vencer as dificuldades e voltar aos gramados. Primeiro, estar bem fisicamente. Depois, mostrar que podia fazer parte do grupo. Resgatar a confiança. E só então se colocar à disposição para jogar uma partida oficial novamente.

- Quando se está há bastante tempo na mesma situação, você se torna refém dela. Seja qual for a situação. O que foi conduzido no processo do Ávine foi que ele foi encontrando nele mesmo as respostas que ele precisava. Precisa de resposta clínica, resposta mental para dar saúde ao corpo dele. Ele vem superando barreiras. O Ávine, pela lógica, não estaria em campo. Ele está contrariando as leis da medicina. Tudo configuraria como um atleta que teria desistido. Ele fez como o Ronaldo [Fenômeno]. Só ele acreditava que podia voltar. É isso que o Ávine precisava, acreditar, colocar crédito. Isso gera vida para o próprio corpo. Ele começou a dar nome para o que ele estava sentindo. Ele começou a perceber coisas que não percebia antes, e deu resultado. Isso fez com que ele promovesse novas ações, que deram resultados. Ele está no bolo. Ele tem condições de competição. Depois que atinge níveis de condicionamento físico, nivelamento e jogo, vai para a parte técnica, tática, e ele se coloca à disposição do treinador – contou.

Ex-jogador, Lulinha sabe bem o que passa na cabeça de quem vive da bola. Tem experiência de que o futebol é feito de alternâncias, fases boas e ruins. Como parte da política do departamento de futebol, o Bahia conta com vários jovens no elenco, e justamente os mais novos podem se abater com mais facilidade nos momentos em que as coisas não dão certo. Contratado para auxiliar no processo de transição entre as divisões de base e o profissional, o coach trabalha para conscientizar e reduzir os impactos das oscilações nos garotos e, para tanto, conta com o auxílio dos jogadores mais velhos.

- Os atletas estão trabalhando essa maratona que é jogar o Brasileiro, onde acontecem oscilações. A diretoria do Bahia está trabalhando com atletas jovens. O trabalho do coach consiste em fazer com que eles entendam que a oscilação faz parte, que realmente eles terão dificuldades. O atleta maduro está se sacrificando, se doando, para ajudar os mais novos em entender que essa caminhada é como subir o Everest. Me comprometo com a diretoria de colocar os atletas, cada um deles e coletivamente, entendendo qual o processo e quais as fases do processo para que encontrem a solução que eles precisam na hora certa – destacou.

SENHOR DA VISÃO

Lulinha Tavares fala como um visionário. Vê os clubes brasileiros no caminho de uma gestão cada vez mais profissional. E tem o Bahia como parâmetro para outros no cenário nacional na elaboração de um projeto de coaching. Celebra o fato de ter sido contratado para fazer a “profilaxia”, com um clube em alta e com grandes ambições. O cenário é bem diferente de quando acertou com o Fluminense, em 2009, para ajudar o time a se livrar do rebaixamento – o Tricolor das Laranjeiras tinha 98% de chances de cair de divisão.

- O Bahia é o primeiro clube que me contrata sem estar em risco de rebaixamento ou em último na tabela. A ideia do coach é de que “estou bem, mas posso ficar ainda melhor”. O que o Bahia quer conquistar? A Série A. O que cada atleta quer? O atleta da base quer ser conhecido. A Seleção, o Rômulo ou Bruno Paulista estão lá. Atletas mais experientes querem títulos. É um processo de melhoria contínua. Nesse processo, classifico e entendo, pelo que tenho visto de resultado com alguns atletas individualmente e com os que estão em encaminhamento, que tudo vai muito bem - contou o coach com otimismo.

Jogadores do Bahia (Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia)

O trabalho desenvolvido no Bahia em três meses faz com que Lulinha Tavares pense no futuro. Ele não descarta a possibilidade de prolongar o vínculo com o clube baiano, acompanhar os atletas com quem já trabalha, prestar consulta a novos jogadores e criar uma tendência no Brasil.

- Tenho a expectativa que o Bahia sirva de espelho no trabalho de coach. Inserido na comissão técnica. Minha esperança é que outros clubes assim o façam. Daqui a pouco tempo, vai acontecer o que aconteceu com a fisioterapia. Antes do Nilton Petrônio, Filé, lá atrás, não tinha o fisioterapeuta. Hoje os caras viajam, estão totalmente integrados à comissão técnica. No que diz respeito ao trabalho de coach, está evoluindo. Está se entendendo que é uma atividade complementar. Já, já estará inserido como gestão. O Bahia pode ser o clube que estará iniciando isso. Tenho contrato até o fim do ano, com expectativa boa de continuidade para o ano seguinte e criar o departamento de coach – projetou.

Lulinha Tavares aborda um lado pouco explorado no futebol. No esporte dominado pelo físico e emocional, ele apela para o racional, para o controle dos sentimentos e gestão da carreira. Trabalha para que os jogadores tenham controle sobre si e que evoluam constantemente. Que saiam de um lugar para outro, deixem a zona de conforto. Para que, diante da paixão de milhões, dominem a própria ansiedade e se tornem senhores da mente, senhores das metas e senhores da visão.

- O futebol está inserido na vida das pessoas. Não tem fim em si mesmo. Então, o atleta de futebol precisa olhar o futebol em nível neurológico, diferente do torcedor. Ele é apaixonado pelo futebol, mas tem que trabalhar de forma racional. Está envolvido, mas não pode estar afetado. É compreensível que o torcedor vá ao estádio, aplauda, xingue e queira abraçar o jogador. Tudo ao mesmo tempo. Ele está no nível emoção e paixão. Isso não se explica, se vive. O atleta precisa estar em um nível acima. E isso é programação mental. Ele está pronto para ter um gesto técnico perfeito, que é o que as pessoas esperam dele. Esperam que ele vá lá e resolva. Trabalhar em nível de pressão alta, com nível de concentração adequado. Isso é puro treinamento.