Postado por - Newton Duarte

Como é dividido o 'bolo' da TV na Argentina; Parte 1

River reclama da divisão igualitária do dinheiro da TV, na direção oposta ao Brasil

Jogadores do River Plate comemoram o título do torneio Clausura, em maio (AP Photo/Victor R. Caivano)

A discussão sobre a divisão dos direitos de TV nos campeonatos de futebol sempre gera desavenças. Se aqui no Brasil a discussão é o questionamento sobre as diferenças grandes entre quem recebe mais e menos, na Argentina a discussão é no sentido oposto. Lá, o presidente do River Plate, Rodolfo D’Onofrio, reclama que a divisão igualitária das cotas do “Fútbol para todos” é prejudicial ao clube e ao rival, Boca Juniors, que geram mais audiência, precisam ter times para disputar o título e têm classificações melhores. Vale lembrar que o presidente usa essa carta na manga no momento que o River Plate é o atual campeão argentino e, por isso, o argumento ganha mais força. E colocou em pauta a discussão que deve ganhar contornos eleitorais com a sucessão de Julio Grondona em pauta.

Cada clube recebe 5% do valor total do programa Fútbol Para Todos, uma estatização do Campeonato Argentino que começou em 2009. Naquele ano, houve uma crise com a Televisión Satelital Codificada (TSC), emissora do Grupo Clarín e da Torneos y Competencias – que entre outros torneios, participa da gestão dos direitos da Copa Libertadores, por exemplo, além de diversos outros eventos esportivos. A proposta da TSC para manter os direitos de transmissão do Campeonato Argentino era de 268 milhões de pesos para a temporada 2009/10, já com um aumento previsto, uma vez que na temporada 1008/09 pagaram 230 milhões. Só que a AFA, com Julio Grondona na negociação e os clubes por trás, queriam 720 milhões. Isso porque os clubes passavam por uma enorme crise financeira e seria preciso aumentar o valor pago.

A TSC, claro, se negou a aumentar tanto o valor pago. Foi então que entrou Cristina Kirchner e o governo argentino, que propôs 600 milhões pela transmissão dos direitos, que seriam na TV pública e aberta – os jogos, até então, eram transmitidos na TV a cabo e no pay per view. Assim começou o programa “Fútbol para todos”, que vigora desde então, com o discurso de “devolver o futebol aos argentinos”, já que as transmissões passaram  a ser na TV aberta. Antes, o clássico entre River Plate e Boca Juniors, por exemplo, ficava restrito à TV por assinatura ou pay per view. Os canais agora podem retransmitir os jogos, mas devem manter o áudio original, além dos patrocinadores – entre eles, claro, o próprio governo argentino desde 2010.

Só que a divisão igualitária do dinheiro da TV não é suficiente para o River Plate. Rodolfo D’Onofrio deixou claro que está insatisfeito com a situação. “Sem a menor dúvida, o River não recebe o que lhe corresponde, não pode ser que recebamos 5% do total do Fútbol Para Todos. Temos a classificação [na tabela], a audiência, a obrigação e o compromisso de ter uma equipe para disputar [o título]. Não é justo e, em algum momento, não sei se será agora ou mais para frente, teremos que discuti-lo. Não reflete a realidade do que realmente nos corresponde e devemos perceber da parte da televisão e do Estado”, afirmou D’Onofrio.

O presidente do River não está sozinho. Ele se juntará ao do Boca Juniors para que pleiteiem uma mudança na forma de divisão dos direitos para receberem mais dinheiro. “Antes do Fútbol Para Todos, River e Boca recebiam 12,5% cada [do total do dinheiro da TV], e hoje recebemos 5%. Não quero entrar na discussão se tem que ser o Estado ou a iniciativa privada, agora, como presidente do River vou criticar o que é essa quantia. O valor que recebemos da televisão é nada. O River recebe de 45 a 50 milhões de pesos por ano (em reais, entre R$ 12,38 milhões e R$ 13,7 milhões), nada, menos de 10% da receita do clube”, afirmou o presidente, que disse que essa é uma das razões para não conseguir segurar jogadores. “A variável de ajuste [do orçamento] será sempre a venda de jogadores”, disse ainda D’Onofrio.

A aliança entre o River de D’Onofrio e o Boca Juniors, do presidente Daniel Angeleci, deve acontecer nas próximas reuniões da AFA. E a venda dos direitos de TV e a divisão desse dinheiro será uma pauta que necessariamente entrará na candidatura dos sucessores de Julio Grondona, que será definido em outubro. O valor total do Fútebol Para Todos atualmente é de 1 bilhão de pesos (algo como R$ 275 milhões). Os dois querem uma fatia maior desse bolo. O River, que vem de uma gestão desastrosa do ex-capitão Daniel Passarella, tem muitas dívidas a pagar. Segundo D’Onofrio, ele assumiu o clube com uma dívida de 400 milhões de pesos, além de compromissos já firmados de pagamento de outros 300 milhões. Ou seja: o clube tem dificuldades financeiras, mesmo sendo um gigante do futebol argentino.

Sabendo que a briga política para suceder Grondona é grande nos bastidores, com muitas correntes políticas distintas e até uma briga política do plano federal, o presidente do River usa a força da sua instituição para forçar que essa seja uma pauta da sucessão. E com River e Boca unidos nesta questão, será impossível que quem for assumir a cadeira de dirigente máximo da AFA não queira falar sobre isso.

Parece evidente que dividir o dinheiro da TV igualmente, sem qualquer outro critério, torna essa divisão injusta. Os clubes maiores acabam tendo também mais gastos. No Brasil, o problema da divisão do dinheiro é que, antes de tudo, não é uma divisão, é uma negociação individual que leva em conta exclusivamente a audiência. Seja na Argentina ou no Brasil, a audiência deve ser levada em conta, sem dúvida, mas não só ela. A classificação do time no campeonato e até uma categorização dos times pode ser criada para evitar que um time receba muito mais do que os outros, mas também para não deixar que o River Plate ou o Boca Juniors recebem o mesmo que o Chacarita. É preciso pensar no campeonato como um todo, mas também nas diferenças entre os clubes. O que, tanto lá quanto cá, parece distante.