Postado por - Newton Duarte

Como o Estado pode agir para coibir a violência no futebol

Leis existem, mas o Estado precisa agir para coibir a violência no futebol

Briga de torcidas marcou o jogo entre Atlético Paranaense e Vasco, no dia 4 de dezembro de 2013 (Foto: Geraldo Bubniak / Fotoarena)

O futebol brasileiro precisa de mudanças e uma delas está relacionada à violência que assola o esporte mais popular do país. Mas quando falamos de violência, precisamos lembrar que não é um fato isolado dentro do futebol. O Brasil é um país muito violento e o futebol acaba sendo um reflexo da sociedade, exacerbando alguns dos problemas que vivemos. O novo governo de Dilma Rousseff também terá esse desafio em mãos. Um país violento que tornou o seu esporte mais popular muito menos atrativo para o público. O futebol é mais do que só um jogo. Esporte é cultura, é uma das formas de manifestação cultural de um povo, é uma forma de saúde e, no caso do futebol profissional, de lazer também. Por isso, é preciso agir para que a violência que envolve torcedores organizados, polícia muitas vezes despreparada para lidar com esse tipo de evento e má preparação não tornem o futebol um evento de bárbaros. Mas é preciso entender com o que estamos lidando.

“Em 2012, batemos o recorde mundial de mortes relacionadas ao futebol comprovadas por inquérito policial. A causa tem a ver com os fatores que acabei de citar, mas também com o crescimento das práticas de violência em geral no Brasil. Segundo um relatório da ONU, somos o quarto país mais violento do mundo. O segundo em mortes de adolescentes e jovens. Campeão de assassinatos à bala. E o que tem o trânsito que mais mata – só no ano passado, foram 42 mil mortos. É preciso entender a violência no futebol brasileiro no contexto da violência econômica, social e política do Brasil”, diz Maurício Murad, pesquisador da UFRJ especializado em violência de torcidas de futebol, em entrevista ao site do Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP, da FGV.

O Brasil se tornou, em 2009, o país com maior número de mortes por causa de futebol.  Segundo levantamento do jornal Lance, são 251 vítimas desde que o levantamento começou a ser feito, em 1988. Um dos problemas para a violência no futebol persistir é que há uma enorme sensação de impunidade, mesmo tendo uma legislação que já trate disso. No especial do Lance sobre a violência no futebol, em 2012, eram 155 mortes relacionadas a futebol. Destas, 108 estavam com o assassino impune, 18 com o assassino solto, dois ainda estava sob investigação e 27 estavam com os assassinos identificados e presos. Ou seja, uma parcela muito pequena desse tipo de crime chega de fato à punição prevista. É um quadro que dá uma ideia do que é a violência no futebol brasileiro e como esse é um problema que precisa ser tratado.

Um exemplo desse tipo de violência aconteceu na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013. Uma briga generalizada em Joinville, no jogo entre Atlético Paranaense x Vasco, acabou com um torcedor saindo de helicóptero, gravemente ferido e outras quatro pessoas feridas no confronto que interrompeu o jogo. Dos 31 envolvidos, nenhum está preso. Perguntado sobre as razões para esse tipo de episódio acontecer, Murad ressaltou que a impunidade é um dos mais graves.

“Em duas palavras: impunidade e descaso. Veja quantos fatos tivemos este ano [a entrevista foi em 2013]. Começou com a morte do menino boliviano em Oruro: aquilo provocou uma comoção social, todo mundo opinou, mas não aconteceu nada com os autores do homicídio. Depois, aqueles mesmos torcedores foram flagrados em outras brigas de torcida. E até furando a vigilância da Lei Seca. Eles estão presos? Não. Hoje a televisão nos mostra, com nitidez extrema, os rostos dos envolvidos na confusão em Joinville. No entanto, quantos estão presos até agora? Três? O que mais chama a atenção é o descaso completo: como se coloca um jogo daquele, considerado de alto risco, com um time que podia ser rebaixado, histórico de conflito entre essas duas torcidas e clima de ameaças mútuas nas redes sociais, num estádio sem polícia? Era uma tragédia anunciada no Orkut e no Facebook: tanto que a Fanáticos, torcida organizada do Atlético, proibiu a ida de suas mulheres e crianças à partida. Mas os responsáveis acharam por bem não pôr divisória entre as torcidas e prever segurança privada de – pasme – sete funcionários”, disse o pesquisador.

A lei existe

O site da campanha da presidente reeleita Dilma Rousseff, Muda Mais, publicou um texto sobre o estatuto do torcedor e valorizando o que foi feito dele. O Estatuto do Torcedor foi estabelecido pela lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003. No site da campanha, o texto fala sobre a questão da violência tratada na lei:

“Os temas relativos à violência nos estádios não deixaram de ser enfrentados. Para garantia da segurança dos torcedores, árbitros e atletas agora há a responsabilização direta das torcidas organizadas e dos administradores dos clubes, não só com relação às práticas de violências físicas como verbais em casos de racismo, xenofobia e discriminação em geral”.

(Nós torcemos pelo estatuto do torcedor! Muda Mais, 25/07/2014)

O Art. 1º-A estabelece responsabilidades para a questão da violência:

Art. 1o-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

“A legislação existente é totalmente adequada para combater esses crimes. Além disso, a última mudança no Estatuto do Torcedor deu ao Poder Público instrumentos de responsabilização civil das torcidas organizadas e todos seus dirigentes. Está faltando mais ação. O que falta fazer é cumprir a lei…”, afirmou Paulo Castilho, diretor da Secretaria Nacional de Futebol e Direitos do Torcedor, ao  Lance.

O Art. 41-B, também de 2010, estabelece penas específicas para crimes relacionados a futebol, incluindo violência. A lei existe, mas não é aplicada devidamente. Como em muitas áreas do país, falta uma integração entre aqueles que atuam na segurança, Polícia Militar, Polícia Civil e segurança privada, os que fazem as punições acontecerem, a Justiça, e os clubes e governos, que precisam atuar em conjunto para colaborar com essa questão. E o que vimos no Brasil em junho e julho mostra que é sim possível.

Legado da Copa

A Copa do Mundo trouxe ao Brasil um clima nos estádios que não se vê normalmente. Tranquilidade para chegar, segurança, muitos funcionários dentro do estádio para orientar os torcedores, transporte funcionando e sem qualquer cena de violência. Esse não é o cenário normal dos jogos. Mesmo nos estádios da Copa do Mundo, o torcedor sente muito mais dificuldade para ir ao jogo de futebol. Entre os muitos problemas, como transporte, preço dos ingressos e horário dos jogos, um dos que deixa muitos torcedores preocupados é a violência.

Durante a Copa, a operação de segurança nos estádios e nas cidades-sede era de guerra. Integração entre exército, polícia civil e polícia militar permitiram que o evento acontecesse de forma tranquila e pacífica. É impossível repetir o procedimento sempre, evidentemente, mas é possível fazer com que as polícias se conversem e, especialmente, que haja uma maior atuação na prevenção. Muitas brigas são marcadas previamente e os serviços de inteligência, usados na Copa, poderiam servir para evitar muitos dos confrontos que acabam em mortes.

Há, porém, uma questão prática mais importante: as ações que punam, efetivamente, os indivíduos. É possível discutir penas esportivas, como perda de pontos ou até exclusão no campeonato, mas o principal é punir os indivíduos que cometem crimes. É básico, mas é exatamente isso que não acontece. Já vimos times perderem dezenas de mandos de campo, receberem multas e até perderem pontos. Não adiantou. Porque a punição individual nunca veio e, sem ela, qualquer punição coletiva se torna inerte.

São questões simples: os envolvidos em brigas, mesmo que não resultem em pessoas feridas gravemente, devem ser rigorosamente punidas e impedidas de entrar nos estádios. Há exemplos a serem seguidos em vários lugares do mundo. Na Inglaterra, onde esse era um problema grave, qualquer invasão de campo é passível de punição. Invadiu o campo? O torcedor é preso e precisa se apresentar na delegacia nos dias de jogos do seu time. E isso precisa valer também para os crimes, as brigas com vítimas, para que os assassinos não fiquem soltos.

A impunidade é um dos maiores combustíveis dos torcedores violentos. A impressão é que podem cometer crimes sob o pretexto do futebol. Não podem. Devem ser presos e duramente condenados nos termos da lei que já existe. Não falta lei, falta aplicação da lei, e aplicação exemplar. E nisso que o governo pode, e deve, atuar. Criar um plano de segurança para o futebol que deve ser discutido e tratado com as entidades esportivas, CBF, federações, clubes, ministério público e polícias, além da segurança privada que é por vezes contratada para atuar dentro dos estádios também.  É preciso haver integração dos governos com as entidades para agir nos principais pontos da cidade, transporte público e onde mais as autoridades locais identificarem como pontos de atenção.

O trabalho precisa ser conjunto. Não dá para vermos mais vítimas perderem suas vidas por negligência de todos os envolvidos, dos governos federal, estadual e municipal até os clubes, passando por CBF e federações. O governo federal tem força política e experiência com a Copa para elaborar um plano eficiente e cobrar que a lei seja cumprida. É do interesse de todos. E é isso que cobramos que aconteça. E cobraremos para que ações efetivas nesse sentido saiam da promessa.