Postado por - Newton Duarte

Cristóvão: Uma trajetória que vai além do futebol

Adversário do Grêmio no domingo, Cristóvão Borges tem trajetória que vai além do futebol

Na época de jogador, técnico do Bahia tinha o hábito da leitura e filiou-se a partido político nos anos 1980


Cristóvão jogou ao lado de Cuca no Grêmio dos anos 1980

Foi na praia de Amaralina, a nove quilômetros do centro de Salvador, que o garoto Cristóvão cresceu batendo bola e tomando banho no mar de águas azuis de piscina, como Caetano Veloso escreveu em 1968 na canção-manifesto Tropicália.

Agora, desde que assumiu no Bahia, no início do Brasileirão, o técnico volta a morar perto de Amaralina, reencontra o cheiro de fritura do azeite de dendê nos acarajés dos tabuleiros das baianas e vive a plenitude de um cidadão de cabeça feita no futebol.

É este adversário nativo que o Grêmio enfrenta às 18h30min deste domingo na Arena Fonte Nova.

Nativo mesmo. Cristóvão começou no Bahia e andava com a cabeleira black power jogando nas categorias de base e em meio à onda do movimento tropicalista que revolvia a cidade em meados dos anos 1970.

A essa época, o garoto nem entendia direito a mensagem da baianada. Mas ouvia os long-plays de Caetano, Gil, Gal, Bethânia, Novos Baianos, Doces Bárbaros e A Cor do Som. Ouvia tudo, até os “Agnaldo Timóteo” do pai, Alfredo, motorista de ônibus, já morto, e os Roberto Carlos da mãe, Valdelice. Só não assistia aos shows de Salvador, não tinha dinheiro.

– A gente era muito pobre, nem ao Pelourinho eu ía, só se pensava em sobreviver. Mas eu ouvia LPs que rodavam sem parar na vitrola da casa de Amaralina – disse Cristóvão. 

A profissionalização veio aos 18 anos na Fonte Nova e aos 20 fez a cabeça no Fluminense. Encontrou no Rio o meia Carlos Alberto Pintinho que, condoído pela timidez do novato, adotou-o e juntos assistiram a shows musicais. Além da leitura, Cristóvão adquiria ali um lustro cultural a mais e o título estadual de 1980 no time de Delei, Paulo Vítor, Edinho, Edvaldo e Cláudio Adão.

–  No Rio, eu assisti aos shows dos baianos que não tinha condições de ver em Salvador – disse o técnico.

Pintinho conhecia os artistas e o apresentou a gente como Paulinho da Viola, Jorge Ben Jor, Caetano, Gil. Curtiam vida social, não a noite, e na maior discrição.

– Eu era o capitão do time e não sabia disso! O Cristóvão era muito eficiente e, agora, vejo, discreto demais – surpreende-se o ex-zagueiro Edinho, hoje comentarista do Sportv.

Praia de Amaralina em Tropicália

Verso da canção de Caetano Veloso que cita a praia onde Cristóvão se criou

“...No pátio interno há uma piscina

Com água azul de Amaralina

Coqueiro, brisa e fala nordestina

E faróis...”

Após Vasco, fez grupo de estudo

Cristóvão pegou resquícios da democracia corintiana em São Paulo, em 1986. Jogou ao lado de Casagrande, com quem trocava papos sobre futebol, cinema, política, na época em que as Diretas Já se consolidavam no país. Quando chegou ao Grêmio, em 1987, encontrou o técnico Luiz Felipe, que o usou como segundo atacante. Não andou. Foi campeão gaúcho, mas entrou numa lista de dispensa no final do ano. Quando o técnico Otacílio Gonçalves foi contratado, fez logo uma exigência:

– Pedi à direção: esse cara aí não sai. Quero sempre o Cristóvão comigo! – lembrou Otacílio.

E o baiano ficou no Olímpico com o seu Santana azul metálico e uma diferença: seria segundo volante. Deu certo. Adaptou o futebol refinado ao jogo de ligação direta e de choque e venceu o Gauchão de 1988.

– Aprendi no Sul a mesclar técnica com força, disciplina com criação – disse Cristóvão.

Por essa época, antes da eleição do então prefeito Olívio Dutra, Cristóvão filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). A iniciativa ganhou espaço na imprensa e revelou uma pessoa politizada no futebol:

– Sou simpatizante do PT, se passaram muitos anos. Não escondo de ninguém, é a minha posição política.

Após o período de dois anos no Grêmio, Cristóvão chegou à Seleção e conquistou a Copa América de 1989.

A experiência como técnico foi uma tendência natural. Passou sete anos auxiliando Ricardo Gomes, que sofreu um AVC em agosto de 2011, no Vasco. Cristóvão assumiu, foi efetivado em 2012, levou o time à vice liderança do Brasileirão e às semifinais da Sul Americana. Passou 48 rodadas no G-4, mas ainda assim caiu. 

Ficou sete meses apenas “em estudo”, recebeu quatro propostas de grandes clubes e declinou. Armou um grupo de estudos com a atual comissão técnica e voltou aos livros em busca de métodos de trabalho.

– Não copiamos nada, só adaptamos o que vimos nas melhores escolas da Europa – explicou, referindo-se ao preparador físico Rodrigo Poletto, ao assistente Sebastião Rocha e ao auxiliar Cassiano de Jesus.

Agora, em meio à campanha no Bahia, recebeu sondagem do Grêmio, após a queda de Luxemburgo: declinou, de novo.

– Com projeto em andamento, não dá para sair – justificou.

Nos últimos tempos, o único lamento é a falta de tempo para a leitura. Os romances, as revistas semanais com os quais enfrentava concentrações e aeroportos, ficaram para trás. Nem os baianos escuta mais.

A vida em cinco momentos

— Em Amaralina, Salvador, Cristóvão cresce e passa o dia jogando bola na areia e nadando;

— Na adolescência, em Salvador, Cristóvão curte os long-plays dos Novos Baianos (foto) mais Caetano e Gil;

— No Grêmio, em 1987, o então segundo atacante convive com o técnico Luiz Felipe;

— Com o técnico Octacílio Gonçalves, que chega ao Olímpico e impede a saída do jogador;

— Em 1988, aos 29 anos, Cristóvão se filia ao PT depois de participar das Diretas Já.


Desejamos aos Tricolores um Feliz dias dos Pais 


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Fonte: Jones Silva / Zero Hora

Foto: Agencia RBS / Agencia RBS