Postado por - Newton Duarte

Da inexperiência a conflitos internos: os sete pecados da queda tricolor

GloboEsporte.com lista os principais erros da campanha do Bahia no Campeonato Brasileiro de 2014, que resultou no quarto rebaixamento da história do clube baiano

Nos últimos anos, o número sete esteve diretamente ligado à história do Bahia. Sete anos longe da primeira divisão. Sete gols sofridos em um só jogo diante do maior rival. Sete de setembro como data maior de um renascimento democrático. Sete de sina. Sete de erros capitais que levaram o clube de volta à Série B do Campeonato Brasileiro. Em um ano que começou com esperança de um novo tempo, o que se viu foi uma sucessão de falhas que custaram caro. Embates internos, contratações equivocadas, atrasos de salários e uma pífia campanha em casa. A lista de equívocos do Bahia em 2014 poderia ir longe.

O GloboEsporte.com lista o que considera os sete maiores erros que culminaram no quarto rebaixamento da história tricolor, o terceiro para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro.  

INEXPERIÊNCIA DA DIRETORIA 

Sem experiência no futebol, Valton Pessoa teve papel importante no futebol do clube (Foto: Raphael Carneiro)

Em setembro de 2013, a diretoria encabeçada por Fernando Schmidt tomou posse e passou a tocar o Bahia durante o Campeonato Brasileiro. O clube viveu uma situação difícil, mas escapou do rebaixamento nas rodadas finais, com a promessa de conquistas no ano seguinte. Apesar de já ter passado pela presidência do clube na década de 1970, os mais de 30 anos longe do futebol pesaram para Schmidt. Soma-se a isso o fato de ter como principais conselheiros o vice Valton Pessoa e o assessor especial da presidência Sidônio Palmeira, figuras sem experiência no futebol. Sob a batuta da nova gestão, mais de 25 jogadores foram contratados, além de quatro diretores de futebol, três treinadores e constantes trocas na gerência. 

A falta de experiência permitiu, por exemplo, que o primeiro diretor de futebol da temporada, William Machado, abrisse as portas do clube para apostas que pouco tempo depois se mostraram equivocadas. Ou ainda decisões que desagradaram o grupo e terminam em crises de grandes proporções. Em uma delas, o atacante Rhayner e o então diretor de futebol Rodrigo Pastana quase chegaram às vias de fato. O fim da gestão com o antigo diretor de negócios, Pablo Ramos, à frente do principal departamento do clube evidencia os erros de uma administração que chegou ao Bahia com a promessa de fazer uma revolução profissional, mas que pecou em princípios básicos. 

TROCAS DE COMANDO NO FUTEBOL 

Sai William Machado entra Ocimar Bolicenho, que sai para a entrada de Rodrigo Pastana, que deixa o clube para a entrada de Pablo Ramos. A diretoria de futebol do Bahia passou por quatro mãos em 2014. Além de três treinadores. As trocas tiveram diferentes razões. William Machado alegou razões pessoais para deixar o clube ainda no começo da temporada, mas já com vários contratados. Pouco mais de um mês depois, Ocimar Bolicenho assumiu o departamento de futebol. O dirigente ficou entre abril e julho, quando mais uma vez a diretoria de futebol passou por mudanças. Pego de surpresa com a demissão, Bolicenho deu lugar a Rodrigo Pastana.

Marquinhos Santos disse adeus, mas ficou por mais um jogo (Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia)

Paralela à saída de Bolicenho, o Bahia trocou pela primeira vez de treinador na temporada. Marquinhos Santos deixou o clube de forma melancólica. No fim de julho, o técnico sentou no banco de reservas da Arena Fonte Nova para comandar o Bahia na partida contra o internacional já demitido. Um treinador interino de si mesmo demonstrou o despreparo da equipe para a possibilidade de uma troca de comando. 

Além disso, o Bahia ainda teve que esperar por Gilson Kleina, que por conta de acordos financeiros com o Palmeiras demorou a chegar. Enquanto isso, Charles virou comandante interino. Após quase um mês, Kleina assumiu o Bahia, mas caiu cerca de 90 dias depois para dar lugar a Charles Fabian. Pouco antes, Rodrigo Pastana havia deixado o clube, abrindo espaço para o quarto diretor de futebol do ano: Pablo Ramos, antigo diretor de negócios. Sob essa gestão no futebol, o Bahia retorna à Segunda Divisão, após quatro anos seguidos na elite nacional. 

CONFLITOS INTERNOS 

A primeira gestão eleita de forma direta no Bahia chegou ao poder carregada de esperança. No entanto, a união de diversas correntes também trouxe conflitos internos. Em entrevista ao GloboEsporte, o ex-diretor financeiro do clube, Reub Celestino, revelou desentendimentos na diretoria. 

- Eu diria, como uma média geral de forma natural em gestão, houve sim muito conflito. Porque o financeiro, no caso, era eu. O financeiro nessa briga, digamos assim entre muitas aspas, tem quatro ou cinco figuras. Uma delas sou eu, como administrativo-financeiro. Do lado do futebol, tinha duas pessoas e mais um ou dois que ficavam lá fazendo confusõezinhas e pressõezinhas – relatou ao GloboEsporte.com. 

Reub Celestino revelou divergências internas no Bahia (Foto: Valma Silva)

As divergências entre o financeiro comandado por Reub, e os departamentos de futebol e negócios, representados por Sidônio Palmeira, Valton Pessoa e Pablo Ramos, travaram embates que de um modo ou outro refletiram dentro de campo. Em agosto, Diego Macedo reclamou publicamente após um treinamento . 

- Isso aqui está uma m...! Vou pedir para sair – bradou o jogador, após uma atividade. 

O jogador chegou a ser dispensado, mas o clube voltou atrás, o perdoou. Outro conflito aconteceu entre o atacante Rhayner e o então diretor Rodrigo Pastana. Os dois quase chegaram a tricar agressões. O atleta foi afastado, mas diferente de Diego Macedo não teve perdão, e terminou com contrato rescindido. 

Com Charles efetivado como técnico, uma nova confusão se instalou no Fazendão. Os volantes Uelliton e Leo Gago, além do meia Branquinho, passaram a treinar em separado do grupo profissional. Uelliton não gostou da medida e criticou a diretoria tricolor. 

- O Bahia está uma bagunça desde o início do ano, isso não é de agora. Na reta final, me apareceu um diretor de futebol que não entende nada do assunto e me afasta sem uma razão concreta (...) Tem uns lá, que não quero dizer o nome, que lutaram muito para me tirar e conseguiram. Quanto ao rebaixamento, se depender de alguns o Bahia não escapa não – disse o jogador no início do mês de novembro.   

CONTRATAÇÕES EQUIVOCADAS 

Uma das críticas mais fortes da atual gestão à administrações passadas dizia respeito ao alto número de contratações. No entanto, em 2014, os diretores tricolores não deixaram de repetir os antigos erros. Foram 26 contratações. Destes reforços, sete deixaram o clube - dois deles sem  estrear com a camisa do Bahia: Jonathan Reis e Sérgio Raphael. O atacante e o zagueiro fizeram parte do primeiro pacote de contratações feito pelo Tricolor – junto com eles, foram anunciados também o volante Diego Felipe e o atacante Hugo. Os dois, no entanto, não permaneceram muito tempo no Fazendão. Menos de uma semana depois de apresentado, o GloboEsporte.com apurou que Reis, que teve uma grave lesão em 2010, voltou a sentir dores no joelho e foi dispensado. Já o zagueiro deixou o clube por deficiência técnica, mesmo depois de tentar negociar sua permanência. 

Ídolo do clube, Beijoca entregou a camisa 9
a Marcão (Foto: Divulgação/EC Bahia)

O Tricolor ainda penou por boa parte do ano sem um centroavante, já que Kieza, contratado para resolver o problema de gols do time, só chegou em julho, com a competição em andamento. Antes dele, Marcão, sem sucesso, vestiu a 9. Já a sonhada camisa 10, guardada para quando o clube alcançasse a marca de 30 mil sócios, ou para quando o argentino Romagnoli pisasse no Fazendão, ficou órfã. Ou melhor: o número emblemático vestiu o corpo de Marcos Aurélio, atacante de origem, mas que também desempenha a função de meia. No meio dessa busca por um goleador e um armador de qualidade, a gestão de Fernando Schmidt acaba marcada por duas negociações que fracassaram de forma emblemática. 

A principal delas envolve Leandro Romagnoli. A novela começou quando o jogador, ainda no início do ano, assinou um pré-contrato com o Bahia. O sinal de alerta foi ligado quando o meia, ídolo do San Lorenzo, começou a dar sinais de que estaria arrependido do acordo. Com a obrigação de se apresentar no Fazendão no dia primeiro de julho, El Pipi decidiu permanecer no clube argentino, onde faturou o título da Libertadores. Após a conquista, apresentou-se ao Tricolor, ratificou o desejo de continuar a defender as cores do time do Papa Francisco e se comprometeu a pagar uma multa de cerca de 300 mil dólares pela quebra do acordo - o Bahia cobrava U$ 500 mil, multa que constava no contrato assinado no início do ano.

Romagnoli desembarcou em Salvador, mas entrou em acordo para não cumprir contrato (Foto: Raphael Carneiro)

Sebá Pinto foi outro um capítulo conturbado no enredo de contratações do Bahia. O atacante chileno do Bursaspor, da Turquia, chegou a ser anunciado pelo clube, os sócios foram informados do negócio por meio de mensagem de texto, mas o chileno jamais desembarcou no Fazendão. O problema é que, quando tudo já estava acertado, o clube turco decidiu pedir R$ 400 mil para liberar o atleta. O Tricolor baiano se negou a pagar a quantia e o negócio foi desfeito.

POUCA ENTRADA DE RECEITA 

Como diretor de negócios, Pablo Ramos era o principal responsável por conseguir novas receitas para o Bahia. Entre as ações esboçadas no fim da temporada passada, quando falou em exclusividade ao GloboEsporte.com, estavam o aumento do número de sócios, um novo programa de benefícios para o torcedor, a abertura de franquias do clube, além de oferecer exclusividade a um novo patrocinador e a presença da marca do clube em grandes eventos, como no carnaval baiano. 

Bahia jogou sem patrocínio master no uniforme durante boa parte da temporada (Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia)

Do plano original, alguns pontos deram certo. O Bahia aumentou o número de sócios e o fim da parceria com a Nike, alvo de muito descontentamento, foi antecipado. Contudo, os fracassos soaram de forma mais retumbante. O Tricolor passou boa parte da temporada sem patrocínio master. E quando as oportunidades de patrocinadores pontuais apareciam, o clube negociava o espaço na camisa por valores muito abaixo do praticado no cenário nacional. 

- Acho erradas nos princípios estratégicos. Se você tem uma coisa muito valiosa, no caso do Bahia a única coisa valiosa que tem, que é aquele manto, você tem que considerar esse espaço mais sagrado ainda. Acho que houve brincadeirinhas de emprestar [a frente do uniforme] por um jogo para uma determinada pessoa. Cheguei um dia com tanta raiva que disse que o açougue da minha rua queria colocar o nome. É ridículo. Esse tipo de comportamento terminou fazendo com que as receitas não viessem. Em julho essas coisas ficaram mais atormentadas por conta dos excessivos gastos desesperados do departamento de futebol – disse Reub Celestino em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com. 

A expansão da marca do Bahia em grandes eventos ocorreu apenas na Copa do Mundo, e muitas vezes sem que o clube tivesse participação direta na ação. Os alemães Neuer e Schweinsteiger cantaram o hino Tricolor nas ruas de Santa Cruz Cabrália, devidamente trajados com o uniforme do clube. As camisas foram cedidas pelo zagueiro Dante e por um torcedor baiano. Sem qualquer esforço, o Bahia pegou carona no episódio. 

ATRASO DE SALÁRIOS 

Rafael Miranda falou sobre os salários atrasados em outubro (Foto: Rafael Santana)

O Bahia passou grande parte do ano sem patrocínio ou fonte de receita que rendesse bons frutos. Mas os salários e gastos com departamento de futebol não pararam de inflacionar durante a temporada. A conta não fechava e o que era de se esperar aconteceu: a bolha estourou.  Em mais de uma situação, o clube atrasou salários de jogadores e funcionários. Ao longo do ano, por diversas vezes, membros da direção tiveram que se explicar com os jogadores. Os vencimentos chegaram a ficar dois meses em atraso (agosto e setembro) e o elenco não escondeu a insatisfação. Em outubro, antes de um treino marcado para o Fazendão, jogadores e comissão técnica se reuniram com a diretoria de futebol para cobrar explicações sobre a situação financeira do clube. Pastana colocou panos quentes e prometeu que resolveria o problema. Um dos atletas mais experientes do elenco tricolor, Rafael Miranda admitiu qus os atrasos salariais atrapalhavam o desempenho dos jogadores. 

- Durante o jogo, nos 90 minutos, tenho certeza que não [influencia]. Dentro do jogo, você não consegue pensar em outra coisa, você simplesmente está focado na partida. Óbvio que, durante a semana, isso influencia de certa forma, porque existem comentários. Às vezes você está preocupado com uma situação financeira, alguma conta que tenha feito. Na preparação para a partida, não vou mentir, pode ter, sim, uma influência. Mas, durante o jogo, dentro de campo, nos 90 minutos, a gente nem lembra o que está acontecendo, a gente nem sabe o que se passa aqui fora. É como se a gente estivesse num mundo à parte. Mas, durante a semana, acho que tenho que ser sincero, acho que muda, sim, na preparação – admitiu.   

O vazamento dos salários atrasados coincidiu com uma série de resultados negativos do time em campo. O problema foi solucionado com antecipação de receitas futuras das cotas de direito de transmissão dos jogos, prática comumente adotada no passado e que era execrada pela atual gestão tricolor.

CAMPANHA FRACA COMO MANDANTE

Entre os inúmeros erros do Bahia, no Campeonato Brasileiro de 2014, a pífia campanha em casa é certamente um dos determinantes para o rebaixamento do clube. O Tricolor confirma o rebaixamento na 38ª rodada com o pior rendimento entre os mandantes: apenas 38,60% de aproveitamento nos jogos disputados em casa. 

Acostumado a fazer do seu mando de campo um caldeirão, o Bahia teve nos jogos disputados em seus domínios quatro empates, nove derrotas e apenas seis vitórias. Os triunfos foram contra Botafogo, Goiás, Sport, Flamengo, Grêmio e Figueirense, este diante dos catarinenses, em Feira de Santana, no estádio Joia da Princesa. Coincidência ou não, o único triunfo como mandante fora da Fonte Nova foi também o único onde o Bahia venceu por mais de um gol de diferença e único no campeonato onde marcou mais de dois gols. Além disso, na campanha dentro de casa, o Tricolor marcou 14 gols e sofreu 17.

Dentro de casa, o Bahia fez pouco para valer o seu mando de campo e foi o pior mandante da Série A (Foto: Thiago Pereira)