Postado por - Newton Duarte

'Desigualdade nas cotas de TV provoca ciclo vicioso'

"Desigualdade nas cotas de TV provoca ciclo vicioso"

Uma discussão no que tange a saúde financeira dos clubes e a consequente manutenção da competitividade do Campeonato Brasileiro está relacionada à divisão das cotas de televisão. No modelo atual, há uma negociação individual entre agremiações e emissora responsável pelos direitos de transmissão que, utilizando critérios questionáveis, divide o pagamento das cotas em seis grupos, estabelecendo quanto cada um terá direito.

Para muitos, a medida, no médio prazo, tende a formar certa "espanholização" do futebol brasileiro. No tocante ao Fluminense, o Tricolor está no grupo 5 dessas cotas, junto com Botafogo, Cruzeiro, Galo, Grêmio e Inter. Anualmente, esses clubes recebem R$ 45 milhões, 25% a menos que Santos (4) e quase 60% a menos que Corinthians e Flamengo, clubes que dominam a maior fatia do bolo (1), com R$ 110 milhões cada.

Por concordar com essa teoria, e sabendo que nada é tão ruim que não possa piorar, o Aqui é Flu buscou uma das vozes dissonantes dessa realidade: Raul Henry, deputado federal e agora vice-governador eleito de Pernambuco (PMDB-PE). Ele é autor do Projeto de Lei (PL) 7681/14, que estabelece regras mais transparentes na distribuição de recursos televisivos. Para o deputado, a situação é urgente, visto que só a revisão do modelo impedirá a perda de competitividade da maioria dos clubes (a partir de 2016, a diferença entre os grupos 1 e 5 chegará a R$ 110 milhões). Confira a entrevista abaixo:

AEF– O que é o PL 7681/14 e, se aprovado, como funcionaria?

Deputado Raul Henry – O PL 7681/14 tem por objetivo regular o direito de transmissão dos jogos de futebol pela TV aberta e por assinatura, estabelecendo um sistema mais justo de distribuição das cotas financeiras para os clubes. Seu funcionamento se daria através da obrigatoriedade de uma negociação coletiva de todos os clubes com as emissoras candidatas à transmissão dos jogos. Os participantes da competição escolheriam uma representação que, em nome deles, negociaria as propostas com as empresas. Essa negociação, regulada por lei, já acontece na Inglaterra e na Alemanha. A Itália segue no mesmo caminho. E como modelo de privado há os campeonatos espanhol e brasileiro, exemplos de injustiça e desequilíbrio em relação à divisão de cotas de TV. O PL 7681/14 segue o modelo inglês, não por acaso o melhor do mundo, em que 50% do valor negociado é distribuído igualmente entre todos os clubes - 25% é distribuído tomando como base o mérito esportivo, ou seja, a colocação no campeonato anterior, e 25% tem como critério o tamanho das torcidas.

O PL foi encaminhado agora para análise conclusiva de comissões temáticas. Na prática, o que isso significa?

Um PL, quando proposto, deve passar, antes de ir a Plenário, por comissões temáticas que discutem e julgam seu mérito. Neste caso, será analisado pelas Comissões de Esporte e de Comunicação, uma vez que diz respeito a uma prática esportiva e à concessão pública do direito de transmissão por veículos de comunicação. A Comissão de Constituição e Justiça julga se o PL atende aos preceitos constitucionais, ou seja, decide se o assunto pode ser regulado por lei.

Há quem diga que o projeto de lei é uma ingerência, uma vez que o futebol não é uma concessão pública. Existem forças contrárias ao projeto?

Esse argumento de que o PL é uma ingerência indevida é absolutamente improcedente. O direito de transmissão dos veículos de comunicação é uma concessão pública, autorizada pelo Estado, portanto passível de regulação legal. Se assim não fosse, democracias avançadas como a Inglaterra e a Alemanha não regulariam esses direitos. O PL inspira-se nos melhores e mais competitivos campeonatos do mundo. Não é nenhuma invenção bolivariana. Como o projeto só será debatido a partir de agora, as vozes contrárias ainda não se manifestaram. Quando o fizerem, ficará claro que o que desejam é um sistema injusto que acumulará desigualdade ao longo dos anos, como demonstra a experiência espanhola, que só tem dois clubes competitivos no contexto europeu.

"O direito de transmissão dos veículos de comunicação é uma concessão pública, autorizada pelo Estado, portanto passível de regulação legal", afirma o deputado - Divulgação

A negociação individual e o sigilo nos contratos são medidas que favorecem apenas os clubes mais ricos?

Claro que sim. E por isso, uma parte deverá se manifestar contrariamente. Se o fizerem, devem assumir que defendem a iniquidade e a injustiça.

O senhor está deixando o Congresso para assumir o cargo de vice-governador do Estado de Pernambuco. De certa forma, isso pode emperrar o andamento do processo?

Como não voltarei ao Congresso na próxima legislatura, o PL será arquivado, pois ainda não recebeu parecer em qualquer das comissões. Ele pode, no entanto, ser reapresentado logo no início da próxima legislatura. Para isso, já solicitei ao ex-governador de Pernambuco, atual senador, e futuro deputado federal Jarbas Vasconcelos que assuma a missão de reapresentá-lo e levar adiante a discussão.

Com a mudança nos termos de negociação dos valores, o novo formato entraria em vigor a partir de quando?

A partir da sua aprovação na Câmara e no Senado e posterior sanção presidencial. Esse prazo é imprevisível. A experiência mostra, no entanto, que aqueles projetos que têm repercussão na mídia tramitam muito mais rapidamente. Penso que é esse o caso.

No último Brasileirão, apenas um clube de baixo investimento terminou entre os dez primeiros, o Atlético Paranaense. Mesmo assim, 25 pontos atrás do 4º colocado, o Corinthians, que está entre os dois mais bem pagos. É essa discrepância que o senhor fala quando quer uma melhor divisão dos recursos?

É exatamente essa. E o pior é que a desigualdade no financiamento resulta num ciclo vicioso, que aumenta ainda mais. Clubes mais ricos formam melhores times; melhores times são mais vitoriosos; times mais vitoriosos formam maiores torcidas; e maiores torcidas possibilitam mais força a esses clubes na hora de negociarem suas cotas. E assim segue um processo de iniquidade progressiva.

Flu e Atlético-PR: clubes estão nos dois últimos grupos das cotas de TV - Gazeta Press

Crê que essa diferença de competitividade entre os times resulta em queda de público e audiência? A quem isso pode interessar?

Essa lógica interessa apenas aos clubes mais beneficiados e às suas torcidas. Como o futebol é um ambiente presidido pela mais intensa emoção, essa marcha da insensatez continua sem que a racionalidade aponte os seus efeitos destrutivos a longo prazo. Basta olhar a qualidade e a competitividade do Campeonato Inglês frente ao Campeonato Espanhol para constatar essa afirmação.

Um dos critérios atuais para dividir o bolo da TV é o tamanho das torcidas. Esse dado não parece subjetivo demais? Afinal de contas, há diferenças significativas entre os institutos de pesquisa.

Estabelecer o tamanho das torcidas através de qualquer critério objetivo é, realmente, uma tarefa difícil. Pode ser uma pesquisa de opinião, a média de público no campeonato anterior, o número de assinantes do pay per view. Qualquer um deles apresenta falhas. Por isso, no PL 7681/14 o peso desse item na distribuição da cota é de apenas 25%. Isso atenua a imprecisão desse parâmetro. Um dos pontos que devem ter a discussão aprofundada é esse. Os outros são de uma obviedade gritante.

O senhor é natural do Nordeste. Torce para algum time da região? Não tem receio que sua medida seja tachada como clubista, visto que os clubes nordestinos são ainda menos favorecidos pelas cotas de TV?

Sou nordestino e torço pelo Sport Club do Recife. A minha origem e o meu clube, no entanto, não podem servir, jamais, de argumento contra ou a favor às ideias que defendo no PL. O conteúdo tem por objetivo a justiça desportiva e, como exemplo, experiências vitoriosas dos melhores campeonatos do mundo. Não podemos aceitar o preconceito como argumento. A baixa competitividade dos clubes do Norte e do Nordeste tem como causa evidente o fato de serem elas as regiões mais pobres do Brasil. Mas essa é outra questão, que exige uma análise histórica isenta, um diagnóstico correto da realidade e políticas de desenvolvimento regional consistentes, que não se resumam a políticas compensatórias. Mas esse é outro debate. Por enquanto, estamos falando de futebol.

Além do PL 7681/14, qual a outra medida considera importante para ser tomada visando à melhoria do futebol brasileiro?

Não sou um especialista no tema. Minha militância aqui na Câmara é na Comissão de Educação. Mas como observador e torcedor, vejo algumas medidas como consensuais: maior transparência e participação nos processos de escolha dos dirigentes das federações e da CBF; criação de instrumentos que também assegurem maior transparência e controle na gestão dos clubes, das federações e da CBF; e calendário mais racional e sintonizado com o calendário internacional.

Recentemente Carlos Alberto Parreira disse que bastaram seis vitórias consecutivas da Seleção Brasileira para que o povo esquecesse os 7 a 1 da Alemanha. O senhor já esqueceu?

Não. Aquele dia, lamentavelmente, jamais sairá da minha memória. Tenho um filho de seis e outro de quatro anos que estão começando a gostar de futebol. Vi o profundo desapontamento e decepção que vivenciaram naquela tarde vergonhosa. Acho que aquela derrota humilhante ficará marcada para sempre na história do futebol brasileiro.