Postado por - Newton Duarte

Divisões de base: Um esquema conhecido, agora desvendado, e pouco comentado

Pagar para jogar? PLACAR desvenda esquema no Atlético-MG

Conheça o esquema que vem causando polêmica na Cidade do Galo

Mauro tem fama de bom observador

Pai de jogador teria pagado para filho jogar no Atlético-MG | Crédito: Tiago Lacerda

Mauro Sérgio de Oliveira Martins jogou no time principal do Atlético-MG no início dos anos 90. Teve pouco destaque, mas construiu raízes ali. Pouco mais de duas décadas depois, tem seu nome ligado a uma trama que envolve a “venda” de vagas nas categorias de base do mesmo Atlético.

A história começou em 2012, mas só veio à tona agora, depois da Copa do Mundo. O estopim foram denúncias recentes do empresário mineiro do setor de guinchos Claudiney Gomide Soares ao Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais e ao deputado estadual Sargento Rodrigues (PDT-MG). O caso já foi apresentado à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa mineira.

Gomide é pai de um adolescente que sonha virar jogador profissional. Ele tem comprovantes de pagamentos para Mauro Sérgio, então coordenador técnico da base do Galo, no total de 21.000 reais. Segundo Gomide, o dinheiro foi pedido por Mauro para que seu filho fosse registrado como atleta do clube e, posteriormente, assinasse um contrato de três anos com o Atlético, um procedimento fora da política oficial do clube. Depois de uma lesão crônica na coluna sofrida durante um treinamento, o adolescente foi dispensado sem que o vínculo fosse assinado. E aí Gomide se enfureceu.

Esse é o caso mais notório de supostas propinas na base do clube, mas não o único: em fevereiro deste ano, também irritada porque seu filho havia sido dispensado por Mauro, a mãe de outro atleta foi até o presidente Alexandre Kalil denunciar o pagamento de propinas. Kalil demitiu Mauro Sérgio, mas não conseguiu resolver os problemas.

Claudiney Gomide passou a pressionar André Figueiredo, gerente técnico da base e antigo chefe de Mauro Sérgio: exigia a reintegração de seu filho ou a devolução do dinheiro. André afirma que até então desconhecia a cobrança de propina por parte de seu ex-subordinado.

Em julho, a mãe do garoto procurou o presidente Kalil para denunciar a situação. O presidente se mostrou inclinado a reintegrar o atleta, mas André Figueiredo não aceitou.

Esquema no Atlético-MG

Esquema no Atlético-MG | Crédito: Tiago Lacerda

A FORMA DE OPERAR UM ESQUEMA SEGURO

Ouvidos pela PLACAR, sob condição de anonimato, um agente famoso no mundo do futebol e um diretor da base de um grande clube paulista têm opinião semelhante: a divulgação de casos assim é rara porque ninguém quer fechar as portas em um time do porte de um Atlético Mineiro.

É um cliente que nenhum empresário quer perder e também um clube em que qualquer pai espera ver o filho jogar um dia. Assim é que Gomide tenta justificar a cooperação para o esquema.

“Isso me abalou, fiquei muito chateado com a situação. Não concordava com isso. Mas sabia que, se não fizesse assim, meu filho seria dispensado da forma que foi”, diz o empresário.

Mauro Sérgio reconhece os pagamentos. Mas não assume que foi propina. “Foi um momento de fraqueza”, diz o ex-coordenador. “No momento de dificuldade, eu pedi um dinheiro emprestado, e o Claudiney Gomide entendeu de outra forma. Essa questão de contrato, que isso seria para ele ficar no Atlético, é uma inverdade”, diz. Há recibos assinados por ele, entretanto, em que o pagamento aparece como condição para a feitura do contrato.

O esquema no Galo

O esquema no Galo | Crédito: Revista Placar

“Do tempo que fiquei no clube, das histórias que ouvi de um e de outro, só se entra ali com dinheiro. Era tudo somente com André [Figueiredo] e Mauro”, afirma Gomide, que tenta ligar o chefe ao antigo subordinado. Mas todos os comprovantes que ele mostrou à PLACAR têm apenas o nome de Mauro Sérgio de Oliveira Martins.

O Atlético isenta seu principal dirigente da base. “Para nós, está claríssimo que ele não tem envolvimento nenhum. O André [Figueiredo] é de extrema confiança da diretoria e do presidente Kalil”, disse o clube por meio de sua assessoria de imprensa. Mauro também assume a culpa sozinho. “Não estou protegendo ninguém”, diz.

A partir da demissão do ex-coordenador em fevereiro, entretanto, o imbróglio se transformou em uma disputa entre Figueiredo e o pai do atleta dispensado. Gomide pressionou o gerente técnico do Atlético. Diz ter levantado um dossiê sobre o patrimônio do dirigente e chegou a fazer ameaças. “Ele tentou fazer uma extorsão comigo”, afirma Figueiredo.

Sem o conhecimento do clube, Figueiredo acionou Gomide na Justiça. “Fiz uma interpelação e ele respondeu que não tem nada contra mim e que não sou corrupto. Ele me ameaçou, disse que ia pegar meu filho. Eu gravei, tem inquérito na Polícia Civil e um agente policial foi à casa dele”, afirma o cartola. “Ele perdeu e está esperneando. É típico do pai cujo flho foi mandado embora.”

No dia 27 de fevereiro, a mulher de Gomide teria procurado Figueiredo e dado uma espécie de ultimato para que os 21.000 reais fossem devolvidos até a data seguinte. Na manhã do dia 28, um depósito não identificado no valor de 15.000 reais foi realizado na conta de Gomide. Depois, outros 6.000 saíram da conta de Mauro para a de Gomide, perfazendo os 21.000. “O que o Mauro fez foi uma surpresa e uma decepção muito grandes para mim. Uma traição, não sei, não esperava isso dele. Sinceramente, o Mauro não tinha conduta para isso”, afirma Figueiredo.

Enquanto o caso corre na Justiça, Mauro Sérgio e o filho de Gomide tentam reorganizar suas carreiras longe do Atlético. Mauro trabalha como observador de jogadores para alguns empresários e conta com a ajuda de amigos para conseguir um novo emprego. Ele foi visto em jogos da base do Palmeiras, em São Paulo. O adolescente deve tentar a sorte com a camisa do Beira-Mar, da segunda divisão de Portugal.

O HOMEM QUE SEGUROU BERNARD

Negociado com o Shakhtar Donetsk-UCR por 25 milhões de euros no último ano, Bernard é a maior venda da história do Atlético. Mas, não fosse Mauro, teria parado no Cruzeiro. O ex-coordenador técnico ganhou fama dentro da Cidade do Galo por evitar que o meia-atacante fosse dispensado.

Mauro tem fama de bom observador

Mauro tem fama de bom observador | Crédito: Reprodução

Muito franzino, Bernard precisou até se submeter a um tratamento especial de injeções para crescimento. Nas divisões de base do Atlético, oscilava e tinha dificuldades em colocar regularmente em prática todo o talento que sabiam que ele possuía. Houve até uma ocasião em que foi dispensado, mas Mauro interveio e impediu.

Crente no potencial de Bernard, Mauro foi até a casa do menino desfazer a saída que tinha sido definida por um treinador. “Ele não foi o único a votar pela permanência do jogador, mas sempre foi favorável”, admite André Figueiredo.

“Tive a oportunidade de participar de muitas das coisas boas que foram feitas na base do Atlético. Era a minha função. Pedi desculpas, mas disse ao presidente Kalil que saio de cabeça erguida”, diz o excartola atleticano.