Postado por - Newton Duarte

Douglas fez dupla com Pelé, driblou a morte e foi rei no Bahia

Lembra Dele? Douglas fez dupla com Pelé, driblou a morte e foi rei no Bahia

Meia deixou de assinar com o América-RJ para jogar em Salvador em 1972. Avião que o levaria para o Rio caiu e matou todos os passageiros

Personalidade forte, sem papas na língua e um talento incrível com a bola nos pés. O passe certeiro que em incontáveis vezes deixou o aniversariante desta quarta, Pelé - o Rei do Futebol, que completa 73 anos -, Beijoca e outros tantos na cara do gol. O drible seco, a passada larga, a resposta na ponta da língua para rebater dirigentes e o incrível faro de gol. A preocupação com o próximo e um sorriso no rosto. Muito prazer, Douglas Franklin.

Nascido em Santos, em 9 de setembro de 1949, Douglas da Silva Franklin costuma dizer que o Bahia salvou a sua vida. Talvez por isso tenha dado a vida ao clube. Em oito anos com a camisa tricolor, Douglas construiu um reinado e tornou-se, para muitos torcedores e parte da imprensa, o maior jogador da história do Bahia em todos os tempos. Cria da Vila Belmiro, ele chegou ao Santos levado pelo goleiro Manga - não o consagrado, ex-Botafogo, Inter e Seleção - e cresceu em um Peixe que tinha Pelé, Coutinho, Clodoaldo e cia.

Após vitória do Bahia sobre Santos, na Vila, em 2012, Douglas visita vestiário

douglas franklin (Foto: Arquivo pessoal/ douglas franklin)

Douglas jogou futebol profissional até 1988. No entanto, desde então, nunca se afastou do esporte. Deu aulas em uma escola particular em Barretos, onde também participou de um projeto social com futebol de várzea, e recentemente integrou o Departamento de Futebol da equipe do Monte Azul, clube do interior paulista.

- A gente nunca perde o contato com o futebol, né? Hoje estou aposentado.

Com Pelé, o rebelde da Vila

Filho de um enfermeiro e fotógrafo com uma escriturária, Douglas manifestou desde cedo a paixão pelo futebol. O futuro craque era vizinho do goleiro Manga, que defendeu o Santos entre 1953 e 1959. Sob a tutela de Agenor Gomes 'Manga', passou a frequentar os treinos do Peixe. O garoto cresceu como sócio do clube, mas deu os primeiros passos no AZ Negro, time de várzea em Santos. Aos 13 anos, entrou na universidade de craques da Vila Belmiro para defender o clube paulista. Já no infantil, atuou ao lado de Clodoaldo e Negreiros, antes de se juntar a Edu, Nenê, Fito e Picolé.

No começo da carreira, Douglas atuou com Pelé

douglas franklin (Foto: Arquivo pessoal/ douglas franklin)

- Eu morava em uma pracinha em Santos e era vizinho do Manga e de outros jogadores. Meu pai e minha mãe eram torcedores do Santos. E eu já entrei como sócio com um ano e meio de idade. Aí apareceu uma 'Manhã Esportiva', um evento que tinha lá em Santos. Os meninos se inscreviam e jogavam. Eram 11 de cada lado, mas não tinha posição definida. E os jogadores eram patronos. Tipo, tinha o time do Pelé, do Coutinho... Nessas manhãs esportivas, eu fui despontando, e, em pouco tempo, eu já estava no mirim, que era a categoria infantil da época – relembrou o craque.

Depois de brilhar nas categorias inferiores, em pouco tempo Douglas foi promovido para o grupo principal do Peixe. Apesar dos inúmeros craques daquele time, o jovem jogador passou a figurar - e não só como coadjuvante - na galáxia da Vila. Com belas arrancadas e passes que deixavam na cara do gol ninguém menos do que Pelé, Douglas passou a fazer história. Entre 1967 e 1971, o meia-atacante marcou 75 gols com a camisa alvinegra. Ele é o 27º maior artilheiro da história santista. Em 1972, com mudanças no comando da equipe, passou a ser o reserva imediato do Rei, mas, após um desentendimento com o novo treinador, resolveu deixar o Alvinegro praiano. Começava a falar mais alto o lado contestador de um jovem talentoso dentro de campo e com personalidade forte fora dele.

- Teve uma excursão para a Bahia, e o nosso técnico, que era o Toninho, foi afastado. Aí assumiu o Mauro, e ele disse que, a partir daquele momento, seriam dois jogadores para cada posição. Na minha, éramos eu e o Pelé. Quando o Pelé não jogava, eu jogava. Aí teve um jogo contra o América-RJ que o Pelé não ia jogar, mas o Mauro não me escalou. Então pedi para sair do Santos - relembrou.

O Bahia deu a vida a Douglas, e Douglas deu a vida ao Bahia

Sem espaço na Vila, Douglas foi em busca de um novo clube. O América-RJ abriu-lhe as portas, mas o presidente do clube na época, Giulite Coutinho, estava em viagem internacional, o que impediu a assinatura imediata do contrato. No clube carioca, ele teria a missão de substituir Edu, irmão de Zico, que estava machucado e ficaria sem condições de jogo por um longo período. Enquanto treinava no América-RJ, aguardando a assinatura do contrato, Douglas viu o Bahia entrar na sua vida.

Coincidência ou não, o futebol reservava para o meia-atacante o mesmo destino do seu primeiro mentor, Manga. Ao deixar a Vila, anos depois de ter levado o menino Douglas para assistir aos primeiros treinos, o goleiro também partiu para defender o Bahia.

douglas franklin (Foto: Arquivo pessoal/ douglas franklin)

O Bahia fez Douglas escapar da morte na queda de um avião

Ao tomar conhecimento que Douglas treinava, ainda sem contrato, no América-RJ, o Tricolor baiano preparou uma operação de guerra para tirá-lo do clube carioca. A missão contou com a participação de dirigentes e até de membros da imprensa baiana.

Homem de palavra, Douglas viu o Santos dar o aval ao Bahia para sua contratação e teve que reorganizar a sua vida. A passagem de avião que o levaria de São Paulo para o Rio de Janeiro já estava comprada, mas teve que ser cancelada. Era 13 de abril de 1972. Em vez de fazer a ponte aérea, Douglas embarcou para Salvador. Na chegada à capital baiana, acompanhou pelo noticiário uma tragédia.

O “avião samurai”, como era conhecido o modelo NAMC YS-11 da Vasp, que levaria o jogador de São Paulo para o Rio de Janeiro, se chocou com a serra da Maria Comprida e matou todos os 25 ocupantes. Se não fosse o contrato do Bahia, o jogador teria sido mais uma vítima da tragédia. Douglas acredita que o clube baiano salvou a sua vida. Portanto, era chegada a hora de agradecer.

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- Foi toda aquela coisa. Treinei no América-RJ, voltei para Santos porque apareceu o Bahia, daí o avião caiu e toda aquela coisa... E parei em Salvador.

Nasce o rei e ele fala a língua do povo

Vasta cabeleira e fita na cabeça: Douglas chega ditando moda

douglas franklin (Foto: Arquivo pessoal/ douglas franklin)

Entre 1972 e 1980, Douglas construiu um reinado de glórias no Bahia. Foram 211 gols, o que faz dele o segundo maior artilheiro da história do clube – ainda que, nas suas contas tenham sido 333, 79 a mais do que Carlito, maior artilheiro tricolor com 254 gols. De cabelos curtos ou longos, mas sempre com a inesquecível fita branca na cabeça, no melhor estilo ‘Novos Baianos’, Douglas foi um dos comandantes do épico heptacampeonato estadual entre 1973 e 1979 – maior sequência de títulos do futebol baiano.

Ao lado de Beijoca, compadre e maior parceiro, formou dupla mortal e autora de mais de 300 gols. Naqueles românticos domingos da década de 70, ninguém fez tantos tricolores felizes quanto os dois jogadores.

- O Beijoca é meu compadre. Sou um compadre relaxado, mas sou. Sempre gostei de deixar os centroavantes na cara do gol. Sempre gostei de ser garçom. Servi a todos. Fiz muitos artilheiros. E o Beijoca foi um dos melhores com quem já joguei. Nós nos dávamos muito bem. A gente só tinha duas bolas para treinar, aí ficávamos lá até tarde treinando. Então a gente já ia para o jogo com tudo combinado – lembrou Douglas, que já havia servido de garçom para Pelé.

Do Rei, Douglas ainda guarda boas histórias, como a da inauguração do estádio Rei Pelé, em 1970, em Maceió, na partida entre a seleção alagoana e o Santos.

- Quem tinha que fazer o gol inaugural era o Pelé, né? Mas a bola teimava em não entrar. Aí eu fiz o gol, mas o Armando Marques anulou. Na segunda vez, não teve jeito. Só que a placa do gol não ficou comigo, ficou com o Rei, mas tudo bem. Ele merece  bem mais do que eu – disse o ex-jogador, entre uma gargalhada e outra. Douglas também marcou o primeiro gol da história do estádio de Pituaçu, em Salvador, em março de 1979.

douglas franklin (Foto: Arquivo pessoal/ douglas franklin)

Em 2010, Douglas foi homenageado em Pituaçu. Ao seu lado, Bobô (E) e o ex-parceiro Baiaco (D)

De volta ao Bahia, Douglas não esquece os demais integrantes da ‘fobica da alegria’, que, nos anos 70, fez do Tricolor o campeão dos campeões. O trio elétrico ainda engatinhava na Boa Terra, quando Douglas e o Esquadrão do Hexa faziam o Bahia decolar e elevavam os decibéis da Fonte Nova.

- O que aquele time tinha de diferente era a sinceridade. O pessoal fala da Democracia Corintiana dos anos 80, mas a nossa democracia veio antes. O Bahia conseguiu montar um time, que, apesar de jovem, tinha bagagem. Eu, o Picolé e o Fito já tínhamos viajado o mundo com o Santos. Joguei muito fora do país, então era um time com experiência internacional. Tínhamos um ciclo de amizade e sinceridade. Quando tinha que contratar um jogador da posição, a gente se reunia e escolhia a melhor opção. Sempre tivemos muita liberdade com os treinadores que passaram por aqui. O Zezé (Moreira) e o Evaristo de Macedo sempre nos deram muita liberdade. Existia muita união entre os jogadores.

douglas franklin (Foto: Arquivo pessoal/ douglas franklin)

Com a camisa do Bahia, Douglas marcou época e virou rei

Quando a Fonte Nova cantava em peso “Bahêa! Bahêa! Bahêa!”, o meia-atacante se sentia renovado. O torcedor sempre foi o seu maior combustível: um rei que vivia dos seus súditos e devolvia a idolatria com amor.

- Tenho uma identificação enorme com esse time. Sempre fui muito bem recebido no Bahia. O que o clube tem de mais importante é a torcida.  Essa coisa de rotular os jogadores, ‘fulano foi o melhor’, esses rótulos são os torcedores que criam. Então sou muito grato a eles. Porque jogador erra, dirigente erra, mas o torcedor errar é muito difícil - disse.

Líder nato, contestador por natureza, Douglas nunca se curvou aos desmandos dos dirigentes. Ele foi, durante anos, uma voz de liderança dentro dos vestiários. Lutou por um novo modelo no pagamento dos bichos, peitou diretores e, mesmo contestado pelos cartolas, nunca deixou de correr em campo. Corpo mole não era com ele. Mesmo com quatro meses de salários e 24 bichos atrasados, jamais deixou de dar sangue pelo time que aprendeu a amar e a viver em função.

- Eu nunca fui capitão do Bahia. O capitão era o Sapatão ou o Fito. Mas eu sempre fui esse cara combativo, esse líder. Era o meu jeito. Eu brigava pelas melhorias. E não era só dos jogadores. Brigava pelo bicho dos funcionários também. Antigamente, os funcionários viviam com a gente durante as concentrações. Eu acho que é isso que a gente leva da vida, o trato com as pessoas – disse Douglas.

Anos depois de brilhar pelos campos, ele preserva o espírito libertário e a classe que o tornou 'rei do povo'. Mesmo longe da Bahia, acompanhou todo o processo de democratização pelo qual o Tricolor baiano passou em 2013. No discurso de posse, em setembro deste ano, o primeiro presidente do clube eleito por voto direto, Fernando Schmidt, citou Douglas e agradeceu ao velho ídolo pelo apoio durante a campanha. Em outubro, quando o Bahia perdeu para o Corinthians, em Mogi Mirim, pela 25ª rodada do Brasileirão, lá estava Douglas Franklin, no meio da torcida como um torcedor comum. Sentado nas arquibancadas do Estádio Romildo Vitor Gomes Ferreira, Douglas era uma majestade misturada ao ambiente, no local onde sempre se sentiu melhor: no meio do povo. Do povo que veste vermelho, azul e branco.


Fonte: Eric Luis Carvalho – GE.COM

Fotos: Reprodução/Youtube - Arquivo pessoal/Douglas Franklin