Paulo Bracks: nem mais um ano de episódios de racismo no futebol
Entidades precisam adotar punição de perda de pontos em casos de racismo, e clubes devem disciplinar seus torcedores e exigir responsabilização
"Run, run, nigger, run" (“corra, corra, negro, corra”) é parte de uma hostil canção supostamente escrita no longínquo ano de 1851 e tomou as telas do cinema no premiado e marcante “12 anos de escravidão”. Após 164 anos, episódios de racismo correm pelo mundo, e o futebol não parece querer deixar de ser cenário destes crimes. Recentemente, no metrô de Paris, cidade-sede da equipe do PSG e palco de importante jogo pela Champions League, torcedores do inglês Chelsea, ao impedirem um negro de entrar no vagão, extrapolaram a rivalidade e adentraram o terreno do preconceito, reabrindo ampla discussão sobre o que se fazer em casos assim e quais as consequências desportivas.
Dentro de todo estádio de futebol, qualquer atitude discriminatória, preconceituosa ou ultrajante do torcedor enseja severas punições ao seu clube. É uma responsabilidade objetiva. O torcedor é seu? Logo, a equipe de prática desportiva responde desportivamente. Simples assim. O código disciplinar da Fifa editou a norma que é integralmente extensiva ao Brasil. Apesar de alguns dirigentes negarem, por conveniência, a máxima, ela vige e em todas as competições nacionais se aplica: os clubes, sejam mandantes, visitantes ou em campos neutros, são responsáveis por toda e qualquer conduta imprópria do seu respectivo grupo de torcedores.
E quais as penas?
Aqui, a prática destes atos discriminatórios por parte da torcida resulta, para o clube, em multa severa, dedução de três pontos (além da perda dos pontos eventualmente obtidos na partida) ou eliminação. Caso se considere o distúrbio grave, e esta análise cabe ao tribunal desportivo, pode haver também perda do mando de campo e portões fechados.
A dedução de pontos, embora constante no rol de sanções do código mundial regente no futebol, não foi adotada nos recentes casos |
Na Europa, e isto vem sendo rotineira e lamentavelmente presenciado, as penas costumam ser de multas mais pesadas, mas proporcionais ao valor do euro em relação ao real, e portões (parcialmente ou totalmente) fechados aos torcedores, em um claro exemplo de justos pagando pelos pecadores.
A dedução de pontos, embora constante no rol de sanções do código mundial regente no futebol, não foi adotada nos recentes casos, ou seja, a previsão está lá, mas parece tão somente esquentar um valioso banco de reservas de punições. Está ou não na hora de ser efetivamente escalada como titular? Sem dúvida que sim.
A Uefa insiste em propagandear a adoção da intolerância para atos de violência e racismo em seus luxuosos jogos, mas eles permanecem acontecendo. Ora com bananas infláveis na arquibancada, ora com faixas e mosaicos ofensivos, ora com cânticos comuns em selvas ou guerras medievais, ora com manifestações que já não deveriam caber, mesmo no Brasil Colônia ou Imperial de 1889. O que fazer?
"Lei Áurea" no futebol precisa ser reescrita
E se pode ser difícil controlar ações de alguns animais irracionais que ainda têm assento em estádios de futebol, não se pode aceitar permissividade dos clubes. Estes, sim, deveriam agir com igual força costumeiramente empregada quando seu elenco é massacrado dentro de casa impiedosamente e eliminado de certames. Atitudes fortes e choques no plantel não são tomadas em adversidades?
Comportamentos racistas de torcedores nada mais são que derrotas humilhantes dos clubes.
Abaixo às covardes justificativas-padrão de “não posso ter ingerência na educação do meu torcedor”, “não tenho responsabilidade sobre o que ele pensa”, “não posso ser punido por atitudes isoladas de um grupo minoritário” ou “isto é histórico e cultural dentro do futebol”. Atenção, donos dos mantos sagrados, este papel social também é seu!
O torcedor é aliado essencial e patrimônio do clube quando torce e apoia na crise, mas, quando age inadequadamente, é inimigo desconhecido e desprezível. A via tem de ser de mão dupla. Corporativismo é combustível para estas insanidades. Inércia das instituições representa omissão travestida de aceitação e subserviência.
O torcedor é aliado essencial e patrimônio do clube quando torce e apoia na crise, mas, quando age inadequadamente, é inimigo desconhecido e desprezível |
Clube: pense com outro viés. Exija respeito em suas praças de desporto e fora delas. Discipline seus manipuláveis torcedores. Cadastre-os. Filme-os. Exija responsabilização.
Metrôs e campos de futebol não são palcos para estas atrocidades e, se elas ocorrerem, saibam para onde caminhar, ainda que o caminho seja a punição ao aficionado, como fez o Chelsea (longe de seus domínios e sem responsabilidade desportiva no episódio) ao identificar três criminosos e os banir de entrar em seus jogos. É o mínimo, mas faz diferença e serve de paradigma.
O pranto deve ser para comemorar gols e títulos, não para fenecer na ilusão e esperança de uma vítima de racismo, que ainda vive enclausurada mesmo com a passagem dos séculos e evolução das leis. Deixemos os filmes retratarem passados tristes e reescrevamos os roteiros para que os próximos anos – muito mais que 12 – sejam de libertação no futebol.