Postado por - Newton Duarte

Especialistas dizem que LRFE é uma 'aberração'

Lei para dívidas de clubes é aberração, dizem especialistas

A Lei de Responsabilidade Fiscal, que parcela as dívidas fiscais dos clubes de futebol, é uma aberração no formato que foi proposta pelo governo  federal e por parte dos parlamentares. Essa é a opinião de especialistas tributários ouvidos pelo blog, que apontam diversos problemas no projeto. O Ministério do Esporte rebateu os argumentos dos advogados em carta ao blog.

Nesta terça-feira, a votação do projeto foi adiada para depois da eleição por falta de acordo na Câmara e por pressão dos representantes do Bom Senso FC, formado por jogadores e ex-atletas.

A principal crítica dos especialistas à proposta é o fato de ter sido feita apenas para os débitos dos times de futebol, quando parcelamentos são em geral para todas as empresas. Outros pontos complicados são a possibilidade de aplicação de juros baixos, as regras de contrapartida às equipes e a insegurança em relação ao rombo real dos times.

A estimativa do governo federal é de que as dívida gire em torno de R$ 3,5 bilhões e R$ 4 bilhões. Para se ter uma ideia, isso representa um terço de toda as restituições feitas a pessoas físicas pela Receita Federal em um ano. É o mesmo que a arrecadação anual de uma cidade como Curitiba.

“Os balanços dos clubes não são confiáveis. Pelos levantamentos que fiz, em contas de clubes e em lançamentos fiscais, entendo que o valor deve ser entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões porque há multas'', afirmou Piraci Oliveira, que escreveu um livro sobre finanças do futebol, é especialista tributário e conselheiro do Palmeiras. Ele lembrou que, na Timemania, as dívidas giravam em R$ 2 bilhões.

“No modelo que está a lei, sem contrapartida dos dirigentes, não vai resolver o problema. É uma Timemania 2, e vai ter uma Timemania 3 no futuro'', completou. Oliveira ainda lembrou que só no Proer, para atender os bancos, houve programa específico para um setor da economia.

A advogada Maria Leonor Leite Vieira, diretora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e professora da PUC-SP, também vê a situação como rara, citando resgate a usineiros como precedente. Ela ainda classificou como incomum a reivindicação dos clubes de usar como correção a TJLP (Taxa de Juros a Longo Prazo), que é metade da Selic.

“É uma das primeiras vezes que criam programa para um setor específico.  E, em todos os programas do governo de parcelamento, sempre é usada a Selic. O que pode haver é uma anistia da multa. Claro que cada condição depende da vontade política'', completou a professora. “Seria um privilégio (desconto de juros).''

A instituição de contrapartidas de fiscalização do governo também é vista como fora do padrão pelos especialistas. Para o tributarista Miguel e Silva, isso só será previsto por conta da total desorganização da gestão dos clubes.

“O governo não poderia dizer para um empresa quanto deve ser déficit, ou regras para balanços. Essas regras já têm que ser seguidas pelas empresas para não comprometerem seu patrimônio. É um absurdo que tenha que se instituir isso agora. Só acontece porque o cenário que os clubes vivem é de um baile sem lei'', criticou ele, que defende as contrapartidas diante do caos, mesma posição de Piraci Oliveira.

Neste quadro visto como fora do normal pelos especialistas, Miguel e Silva faz uma sugestão incomum: encarregar o TCU (Tribunal de Contas de União) de fiscalizar o pagamento das dívidas pelos clubes. A Receita Federal não respondeu perguntas sobre o projeto de lei dos débitos do futebol.

Após a publicação do post, o secretário de futebol do Ministério do Esporte, Toninho Nascimento, mandou uma carta rebatendo os argumentos dos especialistas. Ai vai o texto na íntegra:

“Alguns especialistas tributários ouvidos pelo blog afirmam que a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte é uma aberração. Pelas opiniões expressadas, fiquei com a firme impressão que eles não leram o projeto e não acompanham os debates sobre o projeto na mídia, o que acontece desde o início do ano passado. A principal crítica, como afirma o blog, é que a proposta “foi feita apenas para os times de futebol, quando parcelamentos em geral são feitos para todas as empresas''.

Falso 1. As universidades tiveram um programa de parcelamento (Prouni), assim como as Santas Casas, já que, como entidades sem fins lucrativos, se assemelham juridicamente aos clubes. O Proer, citado pelo especialista Piraci Oliveira, é outro exemplo, e com imenso sucesso.

Falso 2. A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte não é só para clubes de futebol (por favor, leiam o projeto…). É para todos os clubes, assim como federações e confederações.

Verdadeiro. Está certo  que o projeto prevê o uso da TJLP (Taxa de Juros a Longo Prazo) como fator de correção, como afirma a advogada Maria Leonor Leite Vieira.  Mas o governo já decidiu que a taxa será a Selic, como todos os demais refinanciamentos. Não haverá uma anistia de multa, nem privilégio.

Falso 3. Piraci Oliveira afirma que “no modelo que está a lei, sem contrapartidas de dirigentes, não vai resolver o problema…''. Existem inúmeras contrapartidas aos dirigentes no projeto atual e estamos conversando com o Bom Senso e com os clubes para acrescentar ainda mais exigências.

Cito algumas contrapartidas que já estão na Lei: responsabilidade pessoal dos dirigentes (os bens ficam em garantia ao pagamento das parcelas do refinanciamento), pagamentos de contratos de trabalho de jogadores e funcionários precisam estar em dia; os clubes vão necessitar  apresentar Certidão Negativa de Débito (CND) um mês antes de cada competição (se não apresentarem, serão rebaixados); critérios e procedimentos contábeis padronizados, de acordo com o Conselho Federal de Contabilidade (portanto, Piraci, existirão balanços confiáveis); e reavaliação anual das condições de pagamento.

Como último ponto, como escrito no blog, as dívidas dos clubes giram em torno de R$ 3,5 bilhões e R$ 4 bilhões, o mesmo que a arrecadação anual de uma cidade como Curitiba. Mas por que não comparar com o refinanciamento que a Vale do Rio Doce acabou de entrar para pagar um dívida de R$ 45 bilhões? Mas que todos tenham certeza: não podemos desperdiçar a chance de mudar o futebol brasileiro.''