Postado por - Newton Duarte

Ex-zagueiro quer chance como técnico: 'Difícil para o negro'

"Difícil para o negro": amuleto baiano, ex-zagueiro quer chance como técnico

Campeão Brasileiro em 1988 pelo Bahia e vice pelo Vitória em 1993, João Marcelo recebe o GloboEsporte.com e fala sobre carreira, preconceito e futebol baiano

Fala mansa e jeito tranquilo. Quem vê João Marcelo Ferreira de Paula aos 48 anos pouco vê nele o zagueiro que fazia tremer atacantes nos anos 1980 e 1990. Com serenidade e talento com as palavras, o soteropolitano que usou a habilidade no jogo da vida para se tornar jogador de futebol passou pelo racismo em campo e participou de dois dos maiores momentos da história do futebol baiano se tornando uma espécie de amuleto do futebol da Boa Terra. Anos depois de deixar os gramados, João Marcelo tenta outra vez enfrentar a barreira do preconceito em busca de um lugar ao sol no concorrido mercado de treinadores do Brasil. Conhecimento dentro e fora de campo não faltam.

Ex-zagueiro, João Marcelo revela o sonho: tornar-se treinador

Titular na conquista do Campeonato Brasileiro de 1988 pelo Bahia e no vice nacional do Vitória em 1993, João Marcelo falou ao GloboEsporte.com sobre o início da carreira, as dificuldades na base do Bahia, os grandes treinadores que o inspiraram, os problemas do futebol baiano e brasileiro e o sonho de ser técnico de futebol. Com a experiência de quem deixou de ser meia de criação para se tornar zagueiro, João corre, como nos velhos tempos, com a bola dominada, cabeça erguida e a certeza de que, em seus pés, e agora mãos, há segurança. Zagueiro, pai, avô, crítico, professor. Muitas facetas e um mesmo rosto: João Marcelo, o xerife-amuleto.

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EM BUSCA DE UM SONHO

Aos 48 anos, João Marcelo vive a busca por um sonho. Negro, campeão e sonhador, o ex-zagueiro aguarda uma chance como treinador. Em 2007, João chegou a comandar o Cruzeiro da cidade de Cruz das Almas, no interior do Bahia. A passagem foi rápida. Dois anos depois, o campeão brasileiro de 1988 voltou ao Bahia e passou a fazer parte da comissão técnica do Tricolor. Entre um treinador e outro, rápidas chances como interino. Em seguida, João Marcelo seguiu como auxiliar de diversos técnicos, entres eles Paulo Comelli e Péricles Chamusca. A corrida para o sonho passou por cursos fora do país. Manchester de Ferguson, Barcelona de Guardiola, grandes escolas do futebol mundial estiveram na pauta do ex-jogador, que acompanhou de perto treinamentos dessas equipes. No entanto, o sonho de João passa, na sua visão, por duas barreiras: a pouca experiência e a mais cruel delas, o preconceito.

- Ser treinador é o meu sonho. Logo quando eu parei, Péricles Chamusca me chamou para ser auxiliar dele no Santa Cruz, e eu fui trabalhar com ele. Trabalhamos dois anos. Depois trabalhei com Didi Duarte, de auxiliar, com Mário Sérgio, três meses no Atlético-MG. Com quem mais trabalhei foi com Péricles: fui para Doha com ele, no Coritiba, na Portuguesa. Trabalhei como treinador do Cruzeiro de Cruz das Almas. Zé Carlos (campeão em 88), que jogou comigo, era o presidente. Depois treinei o juvenil do Vitória, do Bahia, e o momento no Bahia, profissional, foi interessante. Passei por vários treinadores, como Paulo Comelli e Renato Gaúcho. Tive boas experiências com esses treinadores. Mas o meu sonho realmente é ser treinador, mas você sabe que é difícil. No Brasil tem poucos treinadores negros. Às vezes dizem que é porque não são preparados, mas não tem nada disso. Eu já fiz três viagens para entender o futebol europeu, já fui para Espanha passei 30 dias, já fui para Manchester, na Inglaterra e passei 30 dias. Sempre vendo treinamento dos times. Já fui para França, na época em que Ronaldinho estava no PSG, passei 30 dias e assisti a todos os treinos do PSG. Então a gente se prepara, mas sabe que o mercado é difícil. Não só por ser negro, mas porque é difícil dar oportunidade a um treinador jovem. Não é todo presidente que dá oportunidade, aqui na Bahia tivemos um, que foi Paulo Carneiro, que bancou vários profissionais daqui como Péricles Chamusca, Ricardo Silva, Arthurzinho, Agnaldo Liz, que jogou comigo. Então era um presidente que apostava, e nós aqui da Bahia precisamos disso, que apostem mais no potencial da gente, porque daqui saíram grandes jogadores formados por esses treinadores, e esses jogadores estão correndo o mundo e esses jogadores continuam na base. Então não tem essa oportunidade, porque é uma carreira muito difícil – contou ao GloboEsporte.com.

João Marcelo foi campeão brasileiro pelo Bahia e vice pelo Vitória

Para João, a experiência fora do país conta como crescimento pessoal. Ele destaca a importância dos estudos internacionais, e até um encontro com Pep Guardiola, para se tornar auxiliar técnico como um fato importante na carreira.

- Eu cresci muito. Na primeira vez que fui trabalhar com Chamusca, eu não tinha conhecimento do que um auxiliar realmente faz. De só ficar ao lado do treinador analisando jogador, parte de treinamento. E o trabalho do auxiliar é muito amplo. Não é só um amigo que você está levando. É um controle que ele tem do grupo, mais um cara para ouvir as necessidades do grupo. Eliminar algumas intrigas, porque o jogador tal acha que o treinador não gosta dele, aí há interferência do auxiliar. Então o auxiliar é muito importante, mesmo que no começo exista uma discriminação, porque o treinador levava um amigo, mas era um cara de confiança que você precisava ter por perto e para trocar. Foi uma experiência muito boa ter passado na Inglaterra, no PSG e principalmente no Barcelona, e em um momento em que o mundo todo estava com os olhos no Barcelona de Pep Guardiola. Cheguei a conversar um pouco com ele, perguntar o que ele queria dos atletas dele e o que ele pensava de futebol. Tive um contato muito legal com o Messi, um cara normal, simples demais, tranquilo. Tudo isso foi proporcionado por Daniel Alves, que abriu as portas do Barcelona para mim. Tive acesso a treino dos times juvenis, do B do Barcelona. Isso foi experiência que para qualquer um é muito importante porque é você ver um outro futebol. E já vi o futebol de três países estrangeiros e quero ver mais. Porque isso me engrandece, até que não venha a trabalhar como treinador, mas para trabalhar dentro do futebol. Fui ver a lojinha do Barcelona como funciona, o museu... O Barcelona não era só o campo. Eu visualizei um turno nos treinos e outro no estádio vendo a visitação, a quantidade de pessoas do mundo que visitam.

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NA TRASEIRA: O COMEÇO DE TUDO

Negro, pobre e morador das redondezas de dois dos mais nobres bairros de Salvador. Era entre a Graça e o Vale do Canela que o jovem menino João desfilava o seu talento de meia de criação. Cheio de habilidade e pés descalços, João Marcelo ganhou uma chance na base do Bahia e, por ironia, graças a um diretor do Vitória. No Fazendão, o meia João virou frente de zaga, até se encontrar na defesa. Com a humildade dos maiores campeões, João pode olhar para o passado e garantir que valeu a pena.

- Meu começo foi interessante. Eu jogava bola no bairro do Canela, e tinha um tio meu que trabalhava em um hotel, onde um diretor do Vitória era diretor. Aí deu uma carta, eu fui no Bahia, fiz o teste, passei, depois saí, voltei de novo. Eu jogava de meia direita, era muito habilidoso, depois vim para jogar de volante e terminei de zagueiro, que foi aí que “Seu” Paulinho de Almeida me colocou como zagueiro. As dificuldades de um menino de um bairro pobre, ali do Vale do Canela... Eu ficava ilhado entre grandes bairros (de classe alta): a Graça, a Vitória. E você sabe como é, subia ali com meu short rasgado, e as pessoas achavam que eu era pivete e a qualquer momento poderia puxar uma bolsa. Coisa essa que nunca iria acontecer, porque a educação que foi dada em casa foi a de nunca mexer em nada dos outros e ter uma vida reta, apesar de ser pobre, mas sempre andar certo. Então foi uma infância difícil e sempre com o sonho de dar uma casa para minha mãe, e sonhava em jogar futebol. E tudo que aconteceu comigo foi coisa sonhada, que aconteceu com muito esforço. Muita traseira (no ônibus) na época, porque tinha essa cultura de você não ter o dinheiro de transporte, e você sair pelo fundo (pela porta de entrada). Eu fiz muito, porque eu morava na Vitória e, para chegar ao Aeroporto, naquela época tinha que ir para Itapuã e, de lá, para Itinga. O Bahia, com as dificuldades que tinha, só dava o dinheiro para um ônibus. Então vida difícil que qualquer criança teve, como hoje ainda tem com outras dificuldades, mas não me arrependo e lembro muito dessa infância, que foi uma infância muito feliz e muito alegre. Depois de chegar a esses dois pontos máximos do futebol da Bahia, eu olho para trás e vejo que valeu a pena pedir ao motorista do ônibus que entrasse sem ter o dinheiro ou que o cobrador liberasse, porque sabia que eu estava indo treinar no Bahia, porque eu falava – disse.

E diante de um passado formador de caráter, João Marcelo garante ter aproveitado os ensinamentos para ser mais um “normal”, ainda que um “normal” de inúmeras glórias e conquistas.

- Tudo isso me tornou uma pessoa muito legal, e valorizei muito essas conquistas, por isso que eu sou normal, natural, igual a qualquer outro. Não tenho essa diferença porque fui campeão brasileiro, porque jogou no Vitória, jogou no Grêmio, ou porque foi um jogador bem sucedido. As pessoas para mim são todas iguais e não há diferença.

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UM AMULETO DO TAMANHO DA BAHIA

Em um intervalo de cinco anos, o futebol baiano viu seus dois maiores clubes presentes na decisão do Campeonato Brasileiro. O Bahia campeão em 1988 e o Vitória vice em 1993 tinham em comum dois jogadores entre os titulares na última partida: Gil Sergipano e João Marcelo. Para o defensor, a presença em dois momentos de ápice do futebol baiano é uma dádiva divina.

- Coisa de Deus. No meio de, naquela época, quase dez milhões de pessoas, você ser escolhido para participar de duas campanhas do futebol baiano... Ser campeão brasileiro pelo Bahia e vice pelo Vitória é uma coisa única. Espero que não fique só em João Marcelo, que venham outras finais e outros atletas que venham a dar emoção às duas maiores torcidas do nosso estado, talvez as duas maiores do Norte-Nordeste, e essa chance eu aproveitei muito bem – relembra.

Além da sua presença em campo, João Marcelo vê naqueles dois times, além da juventude, um fator de união difícil de se ver nos dias atuais, com um futebol cada vez mais globalizado e sem barreiras. A baianidade de um grupo que joga por mais do que as cores de um time, mas por todo um estado.

É mais difícil educar uma criança de 5, 6 anos, do que um cara com 26, 27, cheio de vícios"

João Marcelo

- Aqueles times tinham em comum muitos jogadores jovens e muitos jogadores baianos. O Vitória estava em reconstrução, e tinha jogadores como Dida, Vampeta, Giuliano, Rodrigo, Paulo Isidoro, Alex Alves... Um goleiro como Dida, naquela época com 19 anos, defendendo um clube como o Vitória. Até porque era negro, e sempre que um goleiro negro aparecia tinha certa desconfiança. Na época, o presidente Paulo Carneiro apostou nessa juventude e foi até a final. O Bahia também, com muitos baianos. Alguns com idade avançada, outros mais novos como eu, Zé Carlos, Dico Maradona, Ricardo Dantas, Chiquinho, Mailson, tinha Maurício também e muitos jogadores que eram da base do Bahia. E jogadores que eram da Bahia, representando, cada um, a sua cidade. Isso era uma coisa muito interessante. Quando você tem jogadores da casa existe um link maior. Ele ama o clube, porque é aonde ele chegou com um perspectiva de melhora de vida para esse atleta, e o clube dá casa, alimentação, dá tudo. Então você cria um laço maior com um jogador desses do que com um jogador que veio de fora. Não quer dizer que isso não aconteça com quem vem de fora. Pode vir a acontecer, mas é mais fácil educar uma criança de 5, 6 anos, do que um cara com 26, 27, cheio de vícios. Acho que é mais fácil, mas isso também é um déficit que tem na formação dos jogadores da casa, porque todo time, diretoria e treinador querem aproveitar os jogadores da casa, até porque são mais baratos.

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GRÊMIO, RACISMO E GRATIDÃO: JOÃO MARCELO, O IMORTAL

Não foi apenas em campos baianos que João Marcelo fez sucesso como talismã. Entre 1990 e 1992, o zagueiro baiano zarpou de sua terra natal em direção ao sul do país. Em três anos de Grêmio, João Marcelo viveu momentos distintos. Foi do céu ao inferno. De campeão gaúcho a rebaixado para a Segunda Divisão, de onde ajudou o time a voltar para a elite. Dos tempos de Tricolor gaúcho restam hoje boas lembranças e a gratidão por uma família que veste azul, preto e branco. A filha e dois netos do ex-zagueiro vivem em Porto Alegre e são torcedores do Grêmio.

- Foi um momento difícil, sair do nordeste para ser titular em uma equipe de elite como o Grêmio. E sair na rua, as pessoas te olharem de uma forma diferente, até porque na época eu tinha um cabalo rastafári, e isso para eles era uma novidade. Mas foi muito interessante, a diretoria me aceitou muito bem. Antigamente, o clube gostava do jogador, ele ficava dois, três anos. Fiquei três anos no Grêmio. Fui campeão, caí para a Segunda Divisão, voltamos para a Primeira Divisão. Então, o jogador ficava muito preso ao clube, até porque não existia a Lei Pelé. Mas foi uma passagem muito boa e que me deu uma filha e dois netos. Gosto muito da cidade e do clube. Tenho até a carteira de sócio do clube.

Por outro lado, o menino que driblou o racismo dos bairros de elite em Salvador voltou a enfrentar o preconceito, desta vez, longe de casa, em terras gaúchas. Com futebol e, acima de tudo, amor, João venceu. Mas as lembranças seguem bem vivas.

- Você imagina que hoje existe essa discriminação bem latente com a torcida manifestando o seu racismo e naquela época já existia isso. E era muito forte também, mas nós não tínhamos essa forma de debater isso e de questionar, porque não era uma coisa que vinha à tona com facilidade. E a imprensa também deixava passar ou talvez não tivesse interesse em abordar esse assunto naquele momento – relembra.  

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EM BUSCA DO SONHO: OS EXEMPLOS

Na luta para se tornar treinador, João Marcelo segue alguns exemplos de técnicos que teve na carreira. Ao GloboEsporte.com, o treinador listou alguns de importância grande na sua carreira. Os principais: Orlando Fantoni e Evaristo de Macedo.

joão marcelo; bahia (Foto: Lucas Leal)

Orlando Fantoni e Evaristo de Macedo são os treinadores referência de João Marcelo

- Eu tive vários treinadores que me marcaram muito. Não posso deixar de citar o Titio (Orlando) Fantoni por vários aspectos humanos. Era uma pessoa muito humana e também me dava carona, né? Ele morava na Graça e passava para me pegar. Foi um grande incentivador da minha carreira, me apoiou muito. Até porque eu tive dificuldades também no Bahia. Na época, o Maurício é quem era a grande estrela, jogador de Seleção Brasileira, e estava tudo correndo para que Maurício jogasse primeiro do que eu, mas, na avaliação do Titio Fantoni, ele achou que era melhor para o Bahia que eu passasse na frente do Maurício. Teve “Seu” Paulinho de Almeida, Fito (Neves), com quem eu tive uma passagem muito boa, Claudio Duarte, um grande treinador, Sérgio Ramires, que foi meu treinador no Vitória. Graças a Deus, eu tive grandes treinadores, que me formaram e que me passaram muitas coisas. Tive Hélio dos Anjos, Cuca, que foi meu último treinador. Jogou comigo no Grêmio, depois me convidou para trabalhar com ele. Eu já estava parando, mas pediu para que eu fosse dar um apoio, mas os dois mais marcantes são mesmo Titio Fantoni, e Evaristo de Macedo. As informações que Evaristo passava na época eram interessantes demais para a gente como homem, como pessoa, na parte tática, o que ele falava com gente... E era uma pessoa que se preocupava muito com o ser humano. Ia no mercado comprar frutas com a gente. Mostrou que você não muda a sua forma de ser, porque você conquistou um título ou porque você conquistou o lado financeiro. Evaristo passou muito isso, principalmente para mim.

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JOÃO, O CARTOLA

No ano de 2012, João Marcelo assumiu uma nova função na carreira: a de diretor de futebol do Ypiranga, clube da segunda divisão do futebol baiano, presidido pelo ex-goleiro de Bahia, Flamengo e Grêmio, Emerson Ferretti. No entanto, apesar do trabalho, o fim da temporada não foi como o esperado.

- O Emerson Ferretti, que é meu amigo e presidente do Ypiranga, por saber da minha procura e por estar em busca de conhecimento sobre futebol, me convidou para ser diretor de futebol do clube. Não era algo remunerado, era uma coisa de amigo mesmo. Me dediquei ao máximo, dentro das dificuldades do clube, tentamos equacionar alguns problemas, mas tudo de uma administração passa pelo resultado final. O trabalho foi muito bem desenvolvido, mas, no jogo final, estávamos ganhando de 1 a 0 e terminamos perdendo de 4 a 1, e perdemos a classificação, que era um momento muito importante para o Ypiranga, em que, se subisse ali, teria conseguido com um presidente que foi ex-jogador, um diretor de futebol que foi ex-jogador, um gerente, que era o Paulo Isidoro, que foi ex-jogador. E toda uma coisa dizendo que ex-jogador tem condições de dirigir um clube. Mas infelizmente o resultado dentro de campo não foi o que a gente esperava.

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JOÃO, O CRÍTICO

Em ano de 7 a 1, as críticas ao futebol brasileiro também passam pelo olhar de João Marcelo. Crítico da cultura futebolística brasileira, o treinador em busca de emprego já defende a classe e pede paciência com os professores. Para ele, enquanto a lógica do "ganhar por ganhar" for a principal no futebol brasileiro, o país do futebol tende a sofrer.

- Para começar a pensar o futebol brasileiro, é preciso pensar na CBF e no que ela faz para desenvolver esse esporte no Brasil. Aí você começa a ver que, pelo que a CBF é, ela faz pouco. Por exemplo, o Campeonato Baiano deficitário, com os campos horrorosos e sem nenhuma segurança dos clubes. 40% dos clubes que estão na Primeira Divisão estão devendo, e quem precisa dar suporte a isso é a CBF e até punir esses clubes. Então a reformulação do futebol brasileiro passa pela CBF. Só que aqui no Brasil o pessoal acha que essa reformulação passa pelos treinadores. Passa também pelos treinadores, só que, com esse imediatismo que temos aqui no Brasil, de a cada domingo colocar a cabeça de um treinador a prêmio, aí não vai mudar. Culturalmente na Europa não é assim. Lá o cara passa 15 anos, não ganha um título e continua lá, não é mandado embora. Acontece mais isso com treinadores que saem daqui da América do Sul para lá. Como Felipão foi, como Luxemburgo também, e agora mais recentemente, o Tatá Martino foi, e passou pouco mais de um ano no Barcelona. Na Inglaterra já acontece mais isso, também na Itália. O treinador permanece mais. E treinador não é mágico. Não adianta você trazer um treinador em janeiro para armar um time e chegar em fevereiro, porque perdeu, você mandar embora. Temos que mudar essa cultura também do que vale é só o "bola na rede". O time pode estar jogando bem e perder, é um jogo. Mas sempre tiram o treinador. Hoje damos bons treinamentos, treinamentos que estão fora, trazem para cá, e treinadores que vão estudar o futebol fora estão vendo e estão trazendo. A diferença que eu acho muito grande é essa: mudar o "ganhar por ganhar" de qualquer jeito. E mudar o futebol brasileiro passa muito pela CBF – conta.

Mas a crítica de João não fica só em caráter nacional. O ex-zagueiro do Bahia também gira suas críticas à organização do futebol baiano. Para ele, a situação dos clubes baianos no cenário nacional, que lutam para não cair na Série A, reflete a situação do futebol da Bahia.

- O futebol baiano é reflexo da nossa Federação. Temos um estadual deficitário, sempre com Bahia e Vitória. As dificuldades dos times pequenos é muito grande em manter um trabalho para que possam disputar uma Série C ou uma Série B. Tivemos a Jacuipense agora na Série D, mas com uma estrutura de um pessoal que veio de fora. Com dinheiro que veio de fora, apostando no trabalho deles. O futebol da Bahia, se continuar assim, com a Federação não fazendo um campeonato regional forte, com times fortes, e apoiando esses times menores, porque esses times menores vivem para um campeonato de três meses. Depois pega as camisas, bota numa caixa e guarda. Para você ver, corremos o risco de, no ano que vem, ter cinco times de Santa Catarina na Série A e nenhum time da Bahia. Temos que estruturar a Federação? Acho que sim. Você vê que o presidente da Federação vai agora para 16 anos (Nota da redação: Ednaldo Rodrigues tem 12 anos de mandato e foi eleito para mais cinco anos). Não há troca no poder, e essa troca precisa acontecer, trazer pessoas com pensamentos diferentes, com ideias novas e revigorar a Federação Bahiana, que é o grande administrador. Porque, se Bahia e Vitória estivessem disputando a Libertadores, seria também mérito da Federação, mas é uma coisa que não está acontecendo, e isso passa pela reestruturação da segunda divisão. Os times que disputam a segunda divisão estão sempre com pires na mão, não pagam os jogadores. Atletas disputam Campeonato Baiano e ficam sem receber. E nosso futebol é reflexo disso aí. Bahia e Vitória (lutando para não cair) são o reflexo do nosso futebol interno, que ainda acho que vai demorar uns três a quatro anos para mudar - finaliza.

Serenidade, sorrisos, e a busca por uma oportunidade. O amuleto do futebol baiano segue no aguardo de uma chance, mas com o currículo de quem já driblou muitas adversidades e não coloca em pauta a palavra "desistir". Campeão em campo e na vida, João Marcelo avisa que está aqui.