Postado por - Newton Duarte

Fair Play Financeiro da UEFA é acusado de ser ilegal

Fair Play Financeiro da UEFA é acusado de ser ilegal e injusto

Michel Platini, presidente da UEFA

O Fair Play Financeiro é uma ideia simpática aos olhos de quase todo mundo que imagina o futebol como um esporte mais justo. Basicamente, a regra obriga os clubes a gastarem só os recursos que possuem. Gastou mais do que arrecada, o clube é punido com a exclusão de competições europeias. Simples e parece óbvio. Tudo muito bom, mas um advogado famoso por sua atuação no mundo do futebol traz uma nova perspectiva sobre a regra criada pela Uefa que pode mudar o pensamento sobre isso. E logo um advogado famoso: Jean-Louis Dupont, o mesmo que defendeu Jean-Marc Bosman em um caso que mudou o futebol mundial.

O caso Bosman foi o determinante para o fim da chamada “lei do passe”. O belga Bosman era jogador do Standard Liège e se transferiu para o Liège. Sem ir bem, seu contrato acaba em 1990. O Dunkerque tenta contratá-lo, mas não chega a um acordo com o Liège. O clube, dono de Bosman, corta os salários do jogador em 75%. Bosman entra na justiça contra o clube e contra a Uefa, alegando restrição de comércio. Em 1995, o tribunal da União Europeia decide que todos os jogadores que ficarem sem contrato podem se transferir livremente, sem precisar pagar uma compensação ao clube com o qual tinha contrato anteriormente. Além disso, as restrições ao número de estrangeiros também foi retirada, já que havia acordo entre os países europeus em relação a trabalho no exterior. A criação da União Europeia como um bloco efetivo e livre, em 2003, consolidou isso.

O caso de Bosman e o advogado Dupont podem causar um novo grande impacto no futebol. Segundo a BBC, o advogado defende Daniel Strain, um empresário italiano que vive e trabalha na Bélgica. A questão que será colocada em cheque é a da igualdade de gastos entre receitas e despesas, coração do Fair Play Financeiro implantado pela Uefa e em operação desde 2009, de modo gradativo.

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A Uefa adiciou regras extras ao seu processo de licenciamento dos times para disputarem as competições europeias. Para receberem autorização para jogar uma competição continental, os clubes devem pagar suas dívidas, seja com outros clubes, seja em impostos para o governo. Diversas ligas pelo mundo adotaram regras similares. Só que a Uefa achava que isso era insuficiente e resolveu incluir mais algumas restrições.

Para gastar só o que tem de arrecadação, os clubes se perguntam o que conta como arrecadação e alguns já sabem como usar essas regras para inserir dinheiro nos cofres de forma legal, além de levantar debates sobre o que deve ser monitorado e como isso pode ser feito – se é que pode. A Trivela já discutiu essa questão quando falamos sobre o polêmico patrocínio da Etihad ao Manchester City. A questão é muito mais complexa do que Michel Platini e sua trupe tentam colocar. Levanta questões sobre justiça esportiva e legalidade, que é justamente a questão que Dupont pretende abordar.

O Fair Play Financeiro levanta muitas questões e uma delas é sobre a restrição de comércio. A própria UEFA admite que pode ser visto assim, mas defende que essa é uma questão que precisa ser tratada como o antidoping. Seria a forma menos prejudicial de resolver o problema da enorme dívida dos clubes – segundo a Uefa, 56% dos 734 clubes de primeira divisão da Europa tiveram prejuízos que totalizaram € 1,6 bilhão. Para a Uefa, as implicações contra a competitividade da regra são proporcionais ao risco de falência em massa. Ou seja: seria um acordo onde todos concordam que a regra é restritiva e vai contra a competição, mas é “o menos pior” comparado ao risco de quebradeira dos clubes.

“A regra de igualdade de gastos não irá ajudar na estabilidade dos clubes a longo prazo”, disse Dupont. “o único objetivo que será alcançado é que irá congelar a estrutura existente de mercado, o que significa que os grandes clubes permanecerão grandes. Como você pode dizer que isso é bom para o futebol? Simplesmente vai engessar o sistema”, argumentou o advogado.

Estudos acadêmicos nessa área dão razão a Dupont. Markus Sass, da Universidade de Magdeburg, foi um dos que deu suporte à opinião de economistas em um estudo de 2012 que diz que o Fair Play Financeiro é negativo à competitividade. “Como clubes menores não são autorizados a gastar mais e, assim, investir em um modo de aumentar o seu tamanho de mercado no futuro, o modelo prevê uma tendência negativa no equilíbrio competitivo”, diz Sass.

Paul Madden, da Universidade de Manchester, Rob Simmons, da Universidade de Lancaster, e Stefan Szymanski, autor do livro Soccernomics, que está na Universidade de Michigan, publicaram artigos dizendo algo parecido. Todos levantaram dúvidas em relação à premissa da UEFA que há um problema de dívidas dos clubes no futebol europeu de primeira divisão.

A ideia de tornar o futebol mais competitivo pode ser bem intencionada, mas a regra do Fair Play Financeiro pode sim criar um problema ainda maior de competitividade violando leis de competitividade. Basicamente, isso impede o livre comércio, uma premissa básica da liberdade econômica da União Europeia e dos acordos comerciais entre países.

E por que isso interessa a um empresário? Por que os jogadores teriam um mercado menor para atuar, os salários seriam jogados para baixo porque os clubes não poderiam pagar muito e a medida congelaria o status quo. Em última instância, os empresários também ganhariam menos e por isso se interessa pela questão. Não é o caso de demonizar os empresários e achar que se algo os prejudica, deve ser feito. É preciso pensar no cenário mais amplo, que envolve clubes e jogadores. E as questões levantadas por Dupont são legítimas. A intenção de Strani e Dupont é forçar a Uefa a rever a regra e adequá-la.

“Se você quer melhorar o fair play na Europa, há muitas outras maneiras que você pode fazer isso. Você pode trabalhar no padrão territorial existente, assim grandes cidades em pequenos países poderiam ter um grande clube. Não é por ‘vontade de Deus’ que não há um grande clube em Dublin ou Luxemburgo, isso é por causa das regras da UEFA”, analisou Dupont. “Se você tem alternativas mais proporcionais, que significa que causa menos prejuízo à liberdade da União Europeia, você tem que segui-las”, afirmou.

Uma opção proposta pelo advogado é em interessante e talvez traria um maior benefício aos clubes como um todo. “Que tal um imposto sobre luxo? Se alguém quer gastar mais, você diz: ‘OK, mas o dinheiro tem que estar lá no início da temporada e você tem que pagar 20% para um fundo de solidariedade’. Então, ao invés de impedir que o dinheiro entre no jogo, você o utiliza melhor”, argumentou o advogado. Fundos de solidariedade são usados em algumas ligas europeias como dinheiro da liga, a ser distribuído entre os clubes. Uma forma de tornar os ganhos mais equilibrados e coletivizar as melhoras, como aumento nos contratos de transmissões de TV ou patrocínios dos campeonatos.

“Eu acho que se tornará óbvio que há alternativas mais razoáveis e quando isso acontecer, as pessoas irão dizer que nós tentamos algo, mas nós não fizemos a escolha certa, vamos mudar. Será simples assim”, conclui Dupont.

A questão é tudo, menos simples. As questões levantadas sobre o Fair Play Financeiro são pertinentes e é preciso discutir se não é uma medida que trará mais prejuízos competitivos e esportivos do que benefícios financeiros. Um controle de gastos, de alguma forma, parece inevitável. A forma como isso será feito é a grande questão e precisa ser amplamente discutida para chegar a um resultado mais bem resolvido para todos os interessados: clubes, jogadores, empresas que fazem transmissão dos campeonatos e, claro, torcedores. Talvez a forma que a discussão seja feita, assim como no caso Bosman, seja por uma decisão judicial.


Fonte: Felipe Lobo – Trivela

Foto: Segundaliga