Postado por - Newton Duarte

'Federação não pode ser tratada como feudo', diz João Derly

‘Federação não pode ser tratada como feudo’, diz João Derly

Derly na Câmara Municipal de Porto Alegre: ele vai lutar para que 1% do PIB seja investido no esporte (Foto: Leonardo Contursi / Câmara Municipal de Porto Alegre)

Derly na Câmara Municipal de Porto Alegre: ele vai lutar para que 1% do PIB seja investido no esporte (Foto: Leonardo Contursi / Câmara Municipal de Porto Alegre)

Bicampeão mundial de judô na categoria meio-leve (2005 e 2007), o gaúcho João Derly (PCdoB) teve um início impressionante na política. Em sua primeira eleição, em 2012, foi o segundo vereador mais votado em Porto Alegre. Neste ano, com 106.991 votos, foi eleito deputado federal pelo Rio Grande do Sul. Derly é um dos expoentes de um grupo de esportistas que tenta mudar a realidade do esporte no Brasil por meio da ação legislativa, uma mudança de paradigma em uma classe tida como passiva.

Nesta entrevista concedida por e-mail ao Esporte Fino, o deputado federal eleito deixa claro que terá duas prioridades. A primeira é tentar fazer do esporte uma ferramenta educacional, que ajude na formação de cidadãos e fomente o recrutamento esportivo no país, tornando os sacrifícios financeiros de seus pais, e de muitos outros atletas de ponta, uma exceção. A segunda prioridade é o esporte de alto rendimento. Derly promete fiscalizar as obras dos Jogos de 2016, o investimento no esporte após o ciclo olímpico e também a reformulação do sistema das federações no país. O judoca elogia o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, que está em seu quinto mandato, mas afirma que vai batalhar para democratizar a administração das federações. “Serei uma voz forte para que as entidades sejam democráticas e transparentes, tendo atletas no seu corpo diretivo”, afirma.

EsporteFino: O senhor entrou na política em 2012, a convite da deputada Manuela D’Avila (PCdoB), e logo foi eleito vereador por Porto Alegre. O que o levou a buscar uma mudança para deputado federal ainda no meio do mandato?

João Derly: Acredito que a política não é uma carreira, no meu mandato na Câmara Municipal obtive conquistas significativas para o esporte e a educação, o que me motivou a buscar uma vaga na Câmara dos Deputados, espaço de discussão importante para os rumos do país. Desde 2007, quando ainda competia, luto por 1% do PIB para o esporte. Com a falta de representatividade de atletas olímpicos no Congresso e a proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, senti que era o momento de trabalhar em outra esfera para que o esporte tenha, nos espaços de decisão, a representatividade necessária.

Ao chegar à Câmara Municipal, se sentiu preparado para o trabalho lá? Quais foram as principais dificuldades?

Acredito que o aprendizado é permanente, procuro sempre estudar os temas que estão em tramitação na Casa e principalmente escutar diversas pessoas e segmentos envolvidos. Estar disponível a dialogar e a ouvir é com certeza uma das maiores formas de aprendizado. Minha atuação desde o início foi de iniciativa, de proposição, mesmo sendo vereador de oposição, circunstância que a princípio era uma dificuldade. Com diálogo e articulação política foi sendo superado com o tempo. Fui o vereador que mais aprovou emendas no PPA (Plano Plurianual) e na LOA (Lei de Orçamento Anual) em 2013. Com isso, pude contribuir na vida das pessoas, que foi a minha grande motivação ao entrar na política. Dobrei o orçamento do esporte em Porto Alegre e, hoje, graças à emenda do Aluno-Atleta, sete mil crianças têm possibilidade de gratuidade no transporte público municipal para, no contra-turno escolar, praticar algum esporte. Outra emenda que aprovei foi a Internet Livre nas escolas municipais, permitindo que a criança tenha acesso ao wifi público. Outra que considero muito bacana e atua no fator inclusivo do esporte é a emenda da Formação de Atletas Paralímpicos, que possibilita uma melhor estrutura para prática esportiva e, principalmente, na busca por novos atletas que se insiram nesse meio tão inclusivo e democrático que é o esporte. Essas emendas encaixam-se num princípio básico que norteia minha atuação parlamentar: a educação básica e o esporte de formação como fatores inclusivos na sociedade. Acredito que eles devam ser complementares, para assim termos jovens preparados intelectualmente e saudáveis. O esporte proporciona grandes oportunidades, mas nem todos serão campeões no esporte. E é por isso que lutarei para que o nosso país proporcione a todos a possibilidade de serem campeões da vida.

Há um certo preconceito com parlamentares que não são “políticos de carreira”. Como o senhor vê essa situação e como planeja romper essa imagem? Já tem algum projeto em mente?

Acredito que o meu trabalho na Câmara Municipal foi um fator preponderante para que a população me desse a oportunidade de ir à Câmara Federal. Na democracia representativa a política e os espaços de representação deve ter a cara da população, representante dos mais diversos segmentos da sociedade. Pretendo romper este preconceito trabalhando para honrar as 106 mil pessoas que votaram em mim, propondo, por exemplo, a criação do Prouni do Esporte, que irá oferecer oportunidades de formação acadêmica para atletas de alto rendimento terem uma preparação adequada para o pós-carreira. Também lutarei para a bolsa permanência dos bolsistas do Prouni, colaborando na formação acadêmica dos jovens de baixa renda. Também quero desburocratizar o acesso ao Fies e criar o programa Minha Casa Minha Vida Jovem. Com a aprovação do Plano Nacional de Educação, temos um momento histórico de mudar a educação no Brasil. Os 10% do PIB para a educação trarão um novo horizonte, para o estudante, para o professor e, principalmente, para o futuro do país.

Algumas personalidades de fora da política, como Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Romário (PSB-RJ), surpreenderam positivamente no Congresso. De alguma forma o senhor se espelha nesses nomes?

Creio que, com o amadurecimento da democracia, as pessoas vão entendendo que a política é espaço de todos e não herança de pai para filho, nem espaço somente de famílias tradicionais e políticos profissionais. O deputado federal Jean Wyllys foi reeleito com expressiva votação e o deputado Romário foi o senador mais votado da história do Rio de Janeiro, prova de que fizeram um bom mandato.

Quais são suas ambições na política? O senhor planeja um cargo Executivo ou acha que o Legislativo é o mecanismo ideal para sua atuação?

Minha ambição é atingir a vida das pessoas, pretendo cumprir meu mandato na Câmara Federal para devolver à sociedade cada oportunidade que recebi no esporte. Eu pude visitar mais de 40 países, fui bicampeão mundial de judô e posso dizer que encerrei a minha carreira realizado. Mas sentia uma necessidade de pagar essa “dívida” e a melhor forma foi entrar na política. Para que as dificuldades que enfrentei, como ter que vender rifas e pizzas feitas pela minha mãe para viajar e competir, seja exceção na vida do atleta. Sou de origem humilde, minha família esforçou-se muito para pagar cada kimono, inscrição, passagem e alimentação para treinar e viajar para competir. Iniciei no judô, aos sete anos, num projeto social que o meu sensei (professor de judô) da vida inteira, Kiko, dava aulas, onde os tatames eram de palha. Várias vezes meus pais deixaram de dar um tênis novo, uma roupa nova aos meus irmãos para que meu sonho continuasse. E é, para que o jovem mais humilde da periferia tenha estrutura e apoio que não tive para praticar esporte e ficar longe do mundo das drogas, que entrei na política.

Um dos problemas crônicos no esporte olímpico brasileiro é a perpetuação de administrações, muitas vezes incompetentes, nas federações. Um projeto foi aprovado em 2013 para limitar o número de reeleições. O que mais pode ser feito no âmbito do Congresso para melhorar a atuação dessas entidades?

Hoje algumas entidades têm a perpetuação do poder. A confederação, ou federação, não pode ser tratada como um feudo mas, sim, como a entidade que organiza o esporte. No Congresso pretendo discutir a questão da democratização das entidades, com a participação dos atletas nos espaços de decisão, e a profissionalização das gestões com transparência, o que é fundamental para desenvolver o esporte.

O sucesso do judô brasileiro nos últimos anos parece ser efeito de uma combinação de fatores: recrutamento razoável nas escolas, uma federação bem estruturada, competições para atletas de diversas idades, apoio estatal e investimento privado, entre outros. Este é o modelo que outras federações devem seguir?

Esse é um modelo que deu certo, mas não dá para dizer que é o modelo a ser seguido, porque cada entidade e esporte tem suas peculiaridades. Fui campeão mundial em 2005 e assinamos, antes da competição, o primeiro patrocínio da confederação, com a Infraero. A repercussão do meu título deu o retorno de mídia que a empresa buscava em todo o tempo de contrato. Ali, mostramos que o patrocínio ao judô era, além de um apoio, um investimento com grande retorno para qualquer empresa, seja ela pública ou privada. Valia a pena colocar a sua marca vinculada aos judocas do Brasil. Com uma gestão profissional, hoje, a CBJ possui diversos patrocínios que garantem um judô forte, conquistando resultados consistentes, como o título mundial da Mayra Aguiar nesse ano, o ouro da Sarah Menezes em Londres e o mundial da Rafaela Silva, ano passado, no Rio de Janeiro.

O Comitê Olímpico Brasileiro é gerido desde 1995 por Carlos Arthur Nuzman. A eleição para o COB é bastante restrita: só votam as federações e os chamados “membros natos”, enquanto atletas profissionais e amadores não têm representação. Além disso, há uma enorme dificuldade para se montar uma chapa de oposição. O senhor não acha que é preciso democratizar o COB?

A mudança pela mudança não é, de forma alguma, um avanço. Pode trazer retrocesso, inclusive. Da mesma forma que o continuísmo não traz qualquer certeza de bons resultados. Dito isso: sou contra a reeleição ilimitada. A gestão do esporte tem que refletir a sociedade e, se na discussão da reforma política defendo o fim da reeleição no poder executivo, sou também favorável a que haja alternância de nomes no poder das entidades esportivas. É preciso ressaltar, no entanto, o bom trabalho realizado pelo presidente Nuzman, que, na sua gestão, conquistou grandes avanços para o esporte brasileiro de alto rendimento. No Congresso, serei uma voz forte para que as entidades sejam democráticas e transparentes, tendo atletas no seu corpo diretivo, para que o fim, que é o esportista, seja voz ativa e ouvida dentro do processo.

Faltam menos de dois anos para realização das Olimpíadas, mas o Rio de Janeiro ainda tem muitos problemas. Este será um dos focos de sua atuação? Como planeja fazer isso?

A realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro me motivou a concorrer ao cargo de deputado federal. Fiscalizar o andamento das obras será, certamente, uma prioridade do meu mandato. O Brasil conquistou um grande evento e é preciso saudar essa oportunidade de receber uma Olimpíada, algo impensável anos atrás. Mostramos na Copa que podemos realizar eventos de grande porte, mas é preciso cobrança e fiscalização dos gastos públicos com a estrutura dos Jogos. E é preciso, principalmente, lutar para que o Brasil não repita o modelo de alguns países, que investiram muito durante o ciclo olímpico que sediariam e que, logo após, acabaram com essa política. Isso é o que não pode acontecer no Brasil. É essa a minha principal luta para o esporte de alto rendimento. Que o investimento não seja cíclico, mas sim política pública permanente e crescente, como aconteceu nos últimos 12 anos com a consolidação e fortalecimento do Ministério do Esporte. Com o aumento do investimento em relação ao PIB de 0,5% para 0,7%, tivemos grandes avanços, mas agora é hora de conquistar, de uma vez por todas, 1% do PIB para o esporte. Para implementar o que está sendo iniciado nesse ciclo olímpico. O esporte como prioridade para o país.

Durante a Copa, muito se discutiu sobre o legado do mundial de futebol. O senhor acredita que o legado olímpico será proveitoso para o Brasil?

Acredito que temos a oportunidade perfeita para isso. Diferentemente do futebol, que possui uma cultura muito forte no Brasil, o esporte olímpico ainda necessita de apoio e investimento público. A construção dos CIE (Centro de Iniciação ao Esporte) é o pontapé inicial do legado dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, pois atende comunidades em vulnerabilidade social das grandes cidades brasileiras. Na estrutura, que atenderá mais de três mil crianças, cerca de vinte esportes são disponibilizados para prática esportiva. É preciso, porém, que a cultura esportiva de algo do tamanho dos Jogos, fique como o grande legado intangível para o nosso país. O grande desafio atual não é mais o atleta de alto rendimento manter-se no esporte. Obviamente que tudo pode – e deve – ser melhorado, mas programas do Ministério do Esporte como Bolsa Atleta, Bolsa Pódio, ou plano Brasil Medalhas, juntamente com patrocínios de empresas privadas, permitem o medalhista focar-se exclusivamente no seu treinamento e competições, mas a base ainda sofre. Garimpar novos talentos, em um processo que inicie na escola e que mantenha-se lá, com o ensino de tempo integral, utilizando o contra-turno escolar para incentivar a prática esportiva. Porque um Gustavo Kuerten, uma Mayra Aguiar, nasceram com um dom acima da média. É um talento puro que eles têm. Só que mesmo eles precisaram ser incentivados a praticar o tênis e o judô. Então, além de lapidar essas joias, precisamos investir em cada criança, para que ela ache o seu esporte, e assim eles poderão ou não tornarem-se grandes campeões no esporte, mas certamente estarão inseridos e recebendo oportunidades. Complementando a formação lúdica com a esportiva, formando um cidadão.

O judô brasileiro parece bem posicionado para conseguir um resultado histórico no Rio de Janeiro em 2016. Como o senhor avalia as chances dos atletas brasileiros?

É difícil fazer uma projeção a tanto tempo dos Jogos, em algo como o esporte, que, por exemplo, as lesões são inerentes aos atletas. Mas o judô feminino está muito bem posicionado, com campeãs olímpicas e mundiais do nível de Mayra Aguiar, Rafaela Silva e Sarah Menezes. Podemos esperar grandes resultados. No masculino, há uma disputa em nível mais elevado e o favoritismo no tatame, muitas vezes, depende da preparação ou até mesmo do dia da competição. Em 2005, eu não era favorito e fui campeão dando Ippon em todas as lutas, inclusive na final contra o japonês Masato Uchishiba, que era o atual campeão olímpico. Em 2007, quando era apontado como favorito para conquistar o bicampeonato, contei muito com a experiência e o fator local, sendo a torcida um grande motivador nos momentos mais difíceis das lutas. Então, temos planejamento, estrutura e talento para conquistar esse resultado histórico, mas diversos fatores precisam convergir a favor do atleta para conquistar a sonhada medalha.