Fernando Schmidt: 'A culpa pelos erros no futebol é minha'
Schmidt se arrepende de não ter efetivado Charles antes
O presidente do Bahia veio na quinta-feira, 4, à redação de A TARDE para uma conversa exclusiva. Em dois momentos, Fernando Schmidt assumiu culpa por erros: uma vez sobre o quase certo rebaixamento do time e outra sobre o racha entre os grupos que o apoiaram. A uma semana das eleições que decidirão seu sucessor, ele diz ter a sensação de dever cumprido com seu um ano e quatro meses de 'mandato tampão'. Schmidt enaltece a evolução financeira e patrimonial do Tricolor no período. Entende que, diferentemente de quando assumiu o Bahia, passará um clube administrável ao novo mandatário. Candidatos são sete. Schmidt tem o seu, mas não o revela de jeito nenhum.
Qual é o balanço que você faz da sua gestão?
Em primeiro lugar, é preciso entender que eu fui eleito para um 'mandato tampão', não para um normal de 3 anos. Fui eleito por um ano e quatro meses para completar a gestão do ex-presidente afastado, Marcelo Guimarães Filho. Com um mandato desses, você não pode achar que vai fazer tudo, principalmente quando você senta na cadeira e encontra um clube com caixa zero, patrimônio zero, documentação zero e com um baixíssimo número de sócios. A eleição anterior à minha foi feita em assembleia de cerca de 300 sócios. Já esta assembleia que vai escolher o meu sucessor terá 7 mil sócios.
Qual o principal mérito de sua gestão?
Era preciso primeiro restaurar o patrimônio do Bahia. E isso foi feito. Quando eu assumi, o Bahia não tinha nem sede. A sede de praia tinha sido desapropriada pela prefeitura e o Fazendão havia sido objeto de uma permuta pela Cidade Tricolor. Examinamos a documentação e vimos que a permuta havia sido feita com ilegalidade. Nos apegamos a isso para reabrir a negociação com a OAS e, no novo acordo, voltamos a ter a propriedade plena do Fazendão e compramos diretamente a Cidade Tricolor, que vamos transformar num grande centro de excelência de formação de atletas. E o Fazendão ficaria para o profissional.
E se seu sucessor tiver um plano diferente? Você não se preocupa com isso?
Me preocupo, tanto que nomeei um grupo de trabalho para apresentar uma proposta da autossustentabilidade da Cidade Tricolor. Essa ideia me surgiu há mais de um ano, quando fui visitar o São Paulo. Na época, era Juvenal Juvêncio o presidente. Eu fiquei admirado de ver a estrutura que eles tinham montado. Além do CT da Barra Funda e do estádio do Morumbi, eles tinham o CT da base, em Cotia. Fui a Cotia com Nestor Mendes Júnior e Juvenal. Então, perguntei: "Me diga Juvenal, vocês fizeram tudo isso só com dinheiro do clube?". Ele respondeu: "Claro que não! Só com o Governo Federal, pegamos R$ 47 milhões". Então, o que você precisa é estar regulamentado, com a Certidão Negativa de Débito (CND), e ter projetos.
Que grupo você nomeou?
Bobô (ex-jogador), Nestor Mendes Júnior (jornalista), Miguel Kertzman (diretor da base do Bahia) e Roberto Koch (especialista em marketing). Quero deixar as diretrizes para tornar a Cidade Tricolor uma estrutura auto-sustentável e capaz de formar atletas de qualidade.
Você citou o nome de Nestor. Ele faz parte da ABL (Associação Bahia Livre), que tem um candidato à presidência, Olavo Fonseca Filho. Você tem o seu candidato preferido?
Eu presidirei estas eleições. Nestor é meu amigo, gosto muito dele. Apenas isso.
O grupo que o apoiava se dividiu em dois. Parte dele está com Olavo nestas eleições. Outra, está com Marcelo Sant'Ana. Certamente seu candidato será um dos dois. Quem será?
Eu votarei em alguém. Já tenho candidato. Agora, neste momento, se eu disser quem é, estarei atrapalhando o processo democrático.
Sua gestão trouxe transparência e organização financeira. Contudo, as falhas no futebol são notórias. O Bahia está praticamente rebaixado. Você faz um mea culpa disso?
Sim! A culpa é minha! Quem assinou os contratos e aprovou a vinda e saída de atletas e treinadores fui eu. Sempre procurei fazer uma gestão compartilhada, o que não significa uma gestão com copresidentes. Não tinha um triunvirato de presidentes. Era uma gestão compartilhada na qual a decisão final era minha. E eu tive vários erros. O principal foi não ter mantido Charles como treinador. Ele reunia conhecimentos de futebol, de mercado e da base do Bahia. Isso permitiria uma natural mescla entre atletas da base e os profissionais, o que está acontecendo agora.
Esse foi um erro no meio do caminho, mas houve erros no início também. As trocas de gestor foram constantes (Anderson Barros, William Machado, Ocimar Bolicenho e Rodrigo Pastana foram os nomes). As apostas foram acertadas?
Todas foram bem intencionadas, mas não acertadas. E houve o erro na multiplicidade de gestores de futebol e treinadores nestes um ano e quatro meses. Isso prejudicou um planejamento de médio prazo. Agora, nunca esteve entre as minhas prioridades entregar um Bahia completamente saneado. Até porque era impossível em tão pouco tempo. Você não pode dirigir um clube de futebol com o 'fiscalismo' ortodoxo exagerado, sob pena de, no final, você aparentemente salvar financeiramente o clube e, no fim, não ter mais clube. Tudo na vida é uma questão de posologia. Se der remédio de menos, não cura a doença. Se der demais, mata. Na gestão, é a mesma coisa.
Você não acha que faltou equilíbrio no Bahia? Preocupou-se com a parte administrativa e esqueceu-se o futebol.
Houve uma melhora extraordinária na parte financeira. Conseguimos, por exemplo, equacionar todo o passivo trabalhista do Bahia. Mas o futebol realmente ficou abaixo do que queríamos. Ninguém fez isso projetando que o Bahia poderia ser rebaixado. Fizemos tudo no intuito de acertar. Ao longo do caminho, se cometem erros que precisarão ser corrigidos.
Quanto às apostas nos gestores de futebol, todas eram parecidas: pessoas de fora. Ninguém aqui na Bahia poderia ter assumido o cargo?
Para o de treinador, poderia sim. Um dos meus erros, como disse, foi não ter efetivado Charles antes. Mas, para gestor, acho difícil. Aqui, pouco se prepara para o cargo. Neste momento, a melhor solução é buscar de fora ou então trazer alguém com um mínimo de disposição de fazer um sério estudo de gestor de futebol. Quando assumi, eu não tinha gestão de futebol. Pedi ao vice-presidente Valton Pessoa para me ajudar na área. Para ajudá-lo, nomeei Sidônio Palmeira como assessor especial da presidência. Foram improvisações. Nenhum dos dois era gestor de futebol.
Anderson Barros só estava ali para fechar um trabalho iniciado na gestão de Marcelo Filho?
Quando o Bahia escapou do rebaixamento em 2013, convidamos Anderson Barros para ficar e ele me disse: "presidente, esse time não tem condições de permanecer na Série A. Temos que preparar a torcida para a queda e, aí sim, entrarmos com força na Segunda Divisão". Eu não gostei disso e preferimos outro gestor. Agora, na Série A ou não, o Bahia precisa ser reformulado em muitas coisas básicas no futebol.
A improvisação de Sidônio e Valton foi um erro?
Naquele momento, era o que dava para fazer.
Houve um racha no grupo que o apoia. Isso atrapalhou?
Bastante. E mais uma vez, a responsabilidade de acabar com o racha era minha. Como eu não consegui fazer isso, procurei manter uma gestão com ideias dos representantes de todas as correntes que me ajudaram na eleição.
Mesmo que o Bahia caia, você deixa um clube pronto para retornar rapidamente à Série A?
Deixo um clube com patrimônio e dinheiro em caixa. Não vai ser o zero que eu recebi. Dos nossos três pilares, conseguimos dois: democracia e transparência. Faltou o 100% de profissionalismo. De acordo com o estatuto do Bahia, toda a diretoria executiva, incluindo presidente e vice, tem que ser remunerada e com dedicação exclusiva ao clube, desde que isso mantenha a condição do Bahia de instituição sem fins lucrativos. Mas, se você remunera presidente e vice, perde a condição de instituição sem fins lucrativos. A lei foi mudada recentemente e agora já permite que presidentes de instituições assim sejam remunerados. Comigo não foi desse jeito. Trabalhei de graça e com dedicação exclusiva.
Como fez para se manter durante esse tempo?
Tive de vender um apartamento, porque o supermercado não aceita paixão pelo Bahia como forma de pagamento (risos).
Antônio Tillemont, um dos candidatos a presidente, tem ligação com uma empresa que detém jogadores no Bahia. Não seria um conflito ético?
Eu, se fosse ele, procuraria me afastar completamente dessa situação, até para que não fique sobre ele nenhuma hipótese de conflitos éticos.
Você tem medo de que, com alguns desses candidatos, coisas que aconteciam no passado, como jabá e negociações obscuras, voltem a ocorrer?
Confio na democracia.