Postado por - Newton Duarte

Fora das 4 linhas, a nova vida do 'último 10' do Bahia

Por onde anda? Último camisa 10 do Bahia, Robert muda de vida e vira treinador nos Estados Unidos

Maestro do time de 2004, ex-jogador conversou com o Correio e relembrou os tempos que vestiu a camisa tricolor

Quando se fala em camisa dez no Bahia certamente o nome de Robert é lembrado por muitos. Para alguns, o jogador foi o último meia armador clássico a representar com sucesso a camisa do Esquadrão. Maestro do time que disputou a Série B de 2004, o agora ex-meia se aposentou em 2006 e depois de sete anos trabalhando como agente Fifa inicia uma nova história no futebol: a de treinador.

Aos 44 anos, Robert vive em Fontana, nos Estados Unidos, onde ao lado do também ex-Bahia Rodrigo Grahl desenvolve um trabalho no Corinthians USA, ex-filial do time paulista em solo norte-americano. Em conversa com o CORREIO ele falou sobre o Bahia, a campanha do time de 2004 e a nova vida nos Estados Unidos. Confira: 

Meia foi um dos destaques do Bahia durante a Série B de 2004 (Foto: João Alvarez/Arquivo Correio)

Você é baiano de Salvador, mas começou profissionalmente no Rio de Janeiro. Como foi o início da sua carreia? Você chegou a treinar em algum clube da Bahia?

Quando eu nasci em Salvador minha mãe se mudou para o Rio de Janeiro com meu pai e meus irmãos. Eu tinha apenas um ano. Fui criado dos um aos 21 anos no Rio de Janeiro. Morei na Vila da Penha, na Zona Norte do Rio, e o Olaria é perto.

Eu jogava muito futebol na rua, futsal, e fui convidado para fazer um teste no infantil do Olaria. Naquela época Eu já estava no futsal do Bradesco e quando surgiu a oportunidade de ir para o campo eu não pensei duas vezes. Eu estreei em 1986 pelo Olaria, fiquei até 1991, e aí fui para o Guarani.

Fiquei lá por três anos, que foram maravilhosos para a minha formação. De lá lá fui trocado com o Rio Branco de Americana, disputei o Paulistão e no fim do campeonato o Santos me contratou. Fiquei no Santos de 1995 até 1997, foi quando fizemos a campanha do vice-campeonato brasileiro contra o Botafogo. Depois eu passei por Grêmio, Atlético-MG, São Caetano, futebol japonês, Corinthians e cheguei no Bahia. 

Você chegou ao Bahia aos 33 anos, com uma história consolidada no Santos e passagens por várias equipes. Naquele momento você esperava defender um time do estado em que você nasceu e fazer tanto sucesso?

Não é que eu não esperava, mas foi um presente jogar na Bahia e no Bahia. Minha família toda da Bahia, tenho família em Itapetinga, em Vitória da Conquista, e boa parte torce para o Bahia. Foi uma alegria, fiquei feliz de ter feito uma boa campanha, só triste que não conseguimos o acesso. Aquele time merecia, fizemos um trabalho muito bom, mas enfim, foi um momento maravilhoso.

Aquele time de 2004 é um dos mais lembrados pelos torcedores porque fez um campeonato quase que perfeito na primeira fase, mas acabou não conseguindo o acesso. O que aconteceu na fase final? O time passou por uma alguma coisa que abalou de alguma forma?

Eu lembro que a gente fez uma bela campanha na primeira fase do Brasileiro, na segunda fase a gente atropelou, e na fase final tivemos muitos desfalques. No primeiro jogo da quela fase final a gente foi enfrentar o Brasiliense. Sofremos muito com cartões e contusões. A gente jogou muito desfalcado. Fomos aos trancos e barrancos na fase que a gente tinha que estar mais forte.

Mas ainda chegamos na última rodada com chance de conseguir o acesso. Mas o time do Brasiliense, que era bom, já estava relaxado, porque já tinha conseguido a classificação, aproveitou nossa euforia, o nervosismo de ter que subir, e conseguiu virar o jogo.

O problema que gente teve foi de contusão e desfalque, o resto estava tudo certo. Os salários estavam todos em dia, a diretoria dava muito apoio, tanto o presidente Marcelo (Guimarães) quanto o supervisor Roberto (Passos). Trabalhamos muito bem, tivemos uma grande ajuda da diretoria. Pena que a gente não subiu.

Você tem algum momento marcante que você guarda da passagem pelo Bahia?

Tenho muitos momentos marcantes no Bahia. Eu lembro de um  jogo contra o Náutico ou Santa Cruz, era um clássico, acho que na segunda fase. Eu fiz um gol no segundo tempo e não cabia mais ninguém na Fonte Nova, tudo lotado. Foi um jogo maravilhoso, nosso time estava atropelando. Depois jogo eu fui em um restaurante e a torcida festejou bastante, um domingo maravilhoso.

*O jogo em questão foi contra o Santa Cruz, na reta final da primeira fase. O Bahia venceu por 3 a 2 e encaminhou a classificação. Robert foi eleito o nome do jogo com duas assistências para os gols de Selmir e Neto Potiguar, e um gol aos 40 minutos do segundo tempo, que deu o triunfo ao Esquadrão.

Se você tivesse outra chance, faria alguma coisa diferente?

Não tinha como fazer algo diferente. Eu me doei dentro de campo. Eu recebi muitas propostas para sair. Propostas de times da Série A, de fora do Brasil. Um dia eu cheguei para o presidente e falei que tinha propostas. Sem eu pedir o Marcelo (Guimarães) me ofereceu aumento para eu continuar.

O ambiente era bom, o momento maravilhoso. Eu me doei bastante, deixei minha alma para o Bahia subir. O Vadão fez um trabalho sensacional. Eu só lamento os últimos jogos da fase final, que a gente chegou capengando. Seria uma bela festa, mas eu tenho orgulho de ter feito parte do Bahia.

Depois de sua passagem aqui, você voltou à Bahia? A torcida te reconhece na rua? Como é o tratamento?

Reconhece sim. Inclusive pelas redes sociais. Hoje pode ser um pouco mais difícil reconhecer, eu assumi a careca (risos), mas quando vou à Bahia o pessoal reconhece. Uma vez eu estava em um cruzeiro e paramos em Salvador.

Eu aproveitei para ver um jogo, foi em Pituaçu, estava na época das obra da Fonte Nova, e o pessoal me reconheceu bastante. Foi muito legal receber o carinho e saber que eu fiz história com a camisa do Bahia.

Nas últimas rodadas o Bahia viveu um momento conturbado com a torcida depois de uma sequência de jogos sem vencer. Com sua experiência, qual a mensagem você deixa para jogadores, comissão técnica e torcida?

Eu acho que é uma situação diferente. Quando eu joguei aí a competição era de mata-mata, agora é de pontos corridos, dois turnos. Mas a torcida tem que tá apoiando, 'Bora Bahêa'. Os atletas têm a consciência de que é trabalhando que eles vão conseguir.

É normal, a torcida quer ver um time consolidado. A Série B é um campeonato mais difícil do que Série A, que tem mais técnica. É um campeonato mais aguerrido. Mas o Bahia vai subir. É ganhar um, dois jogos para a torcida apoiar. A torcida do Bahia é muito boa, carrega o time. O Bahia tem tudo para subir.

Depois da aposentadoria você passou um tempo como agente Fifa e agora é treinador. Por que você decidiu mudar e virar técnico?

Foi uma oportunidade que apareceu em 2006, trabelhei em um escritório no Rio de Janeiro durante um ano, depois fiquei seis anos trabalhando só. Mas eu já tinha essa vontade e sabia que teria que trocar de função. Eu gosto de treino, tática, liderar uma equipe.

Em 2013 eu sai da função de agente e comecei a fazer um curso de treinador. Fiz estágio com o Oswaldo Oliveira no Santos e esse ano ia fazer um outro estágio com o Tite, no Corinthians. Mas aí recebi uma proposta e vim para os Estados Unidos. A equipe está bem, estamos crescendo e temos uma estrutura muito boa.

Ao lado do também ex-Bahia Rodrigo Grahl, Robert desenvolve um trabalho no time sub 23 do Corinthians USA (Foto: Divulgação)

Como é trabalhar no futebol dos Estados Unidos? 

É legal, eu gosto da vida americana. O futebol está crescendo muito nos Estados Unidos, na Califórnia, onde o clube fica, o mercado é maravilhoso. As três ligas estão crescendo e é um mercado muito bom, mas é diferente do Brasil, que tem o melhor produto.

Aqui nós temos que trabalhar com jogadores latinos, mais mexicanos. O nosso time tem alguns brasileiros também. Conseguimos montar um time bom. Mas trabalhamos mais com mexicanos, tem um salvadorenho também que é muito bom. Tenho boas perspectivas. Basicamente a estrutura é grande e a tendência é que os Estados Unidos virem uma referência nos próximos anos. 

No últimos anos se passou a discutir um possível erro na formação do jogador brasileiro. Na sua experiência como jogador, agente e treinador, você acha que que existe mesmo essa falha? Principalmente na formação do camisa 10? 

Ele (camisa dez clássico) tá por aí. A gente vê o Lucas Lima, garimpado no Marília. Alguém levou ele para o Inter, mas lá ele não teve chances porque tem D'Alessandro. Depois foi para a Inter de Limeira e hoje é essa realidade no Santos. O problema é a formação.

Não estamos deixado esse jogador aparecer. O camisa 10 é esse jogador mais habilidoso, mas mirrado e que não tem chance. Nos últimos anos as divisões de base têm formado jogadores para vender para Europa, eles gostam desse tipo de jogador com 1,80 m. Com isso, os meias foram deixados no banco ou nem subiam para os times sub 20, sub 17.

Eles precisam encontrar espaços. Eu digo isso baseado na minha experiência como agente, viajando por todo o Brasil. Na minha época, de 2006 pra cá, eu vi esse erro de formação e de escolha de treinador da base. Isso se tem errado bastante.

Mas eu creio que isso está sendo trocado e espero que daqui a dez anos a gente consiga ter mais meias como na minha época, que tinha eu, o Ricardinho, o Djalminha, Alex e por aí vai.