Postado por - Newton Duarte

Futebol não é mais 'ópio do povo'

Filósofo diz que futebol não é mais 'ópio do povo'

André Martins, que dará curso na Casa do Saber, no Rio, afirma que existe preconceito no meio intelectual e que esporte fortalece manifestações


Um debate diferente sobre o futebol pretende discutir uma paixão menos alienada pelo esporte em tempos de manifestações populares questionando os gastos com grandes eventos no Rio. Na Casa do Saber, na zona sul do Rio, o filósofo André Martins e o psicólogo Arthur Arruda vão ministrar um curso a partir desta segunda-feira, às 20h, com o objetivo de combater a ideia de que é "vergonhoso" ser apaixonado por futebol no meio intelectual, bem como a suposição de que o esporte ainda é o "ópio do povo" - expressão empregada para ilustrar o futebol usado como plataforma de propaganda da ditadura militar. Martins defende que hoje o esporte proporciona outra vivência, mais ativa intelectualmente, mas reforça que ainda existe resistência no meio acadêmico. Arruda, por sua vez, crê que o preconceito intelectual "nunca foi consistente no Brasil".

Torcedores fazem manifestação contra a privatização do Maracanã

O curso tem cinco aulas intituladas: "Apresentação: futebol e filosofia"; "O que há de sólido na modernidade líquida"; "A realidade inventada da paixão do torcedor"; "A positividade das alegrias compartilhadas"; e "O arrebatamento pelo futebol como afirmação da vida". André Martins é professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em filosofia pela Universidade de Nice, com pós-doutorado em filosofia pela Universidade de Prevence, ambas na França.

- A ideia inicial principal é tentar dar uma dignidade filosófica ou intelectual ao futebol, porque tradicionalmente nos meios acadêmicos ou intelectuais, tudo que é ligado ao corpo, ao esporte, e muito mais ainda o futebol por ter aquela ideia de 'ópio do povo', do circo para poder governar, sempre teve uma conotação política negativa. Tem a ver também com a fala do Pelé diante das manifestações, dizendo 'pessoal, vamos torcer, esqueçam a política', o dito papel da Copa de 1970 no meio da ditadura, então sempre houve essa associação entre futebol e alienação. De um modo geral o esporte e tudo que é ligado ao corpo é visto com um certo antagonismo com o que é ligado ao intelecto.

Martins afirma que existem intelectuais que consideram o futebol uma coisa de "pessoas menos inteligentes" e que o objetivo do curso é justamente combater esse conceito.

- O que eu pretendo enfatizar no curso é que o futebol pode ser o instrumento de uma vivência que é ao mesmo tempo individual, coletiva, estética e política de um fortalecimento, de um aumento de potência do indivíduo e da coletividade. O curso pretende explicar isso filosoficamente para passar a ideia de que não é vergonhoso nem intelectualmente, nem politicamente, gostar de futebol. O que acontecia muito eram intelectuais que gostavam de futebol, mas tinham quase que vergonha de assumir isso. Sério, é verdade. Isso ainda tem. Não é o que há de mais comum, mas ainda existe e ainda existem intelectuais que acham o futebol é uma coisa de pessoas menos inteligentes. O curso vai explicar filosoficamente que não é assim, combater essa ideia.

Protesto na Copa das Confederações

protestos maracanã arquibancada espanha x brasil clima (Foto: AFP)

Questionado como relaciona a questão do uso do futebol para a alienação do povo com as manifestações que ocorreram durante a Copa das Confederações, em junho, ele opinou:

- Não foi à toa que as manifestações aconteceram por ocasião da Copa das Confederações. Mas nem as manifestações foram contra a Copa e nem o público deixou de levar cartazes, apesar da proibição da Fifa, para apoiar as manifestações. Já é um exemplo de que o futebol pode ser visto e vivenciado de uma maneira não alienante. A especificidade do futebol nesse caso é de ser um esporte de massa. Não houve uma crítica ao futebol, mas aos gastos com os eventos. Mas essa crítica não foi contra sequer a realização dos eventos, foi contra o desvio de verba pública, o superfaturamento...

O filósofo acredita que a expressão "ópio do povo" não se aplica mais ao presente quando se fala de futebol. Para Martins, o futebol pode fortalecer as manifestações.

- Eu não sinto mais isso. O povo, se a gente usar a expressão, já entende. É uma diferença entre a opinião do Pelé e do Romário. O Pelé pediu para o povo não se manifestar e ser alienado, digamos. O Romário deu declaração em outro sentido, dizendo que quem está assistindo ao futebol não está alienado. O futebol, ao contrário, pode até servir para fortalecer as manifestações. Acho que a época de fato é outra.

Arthur Arruda, professor adjunto da UFRJ, doutor em psicologia pela PUC-SP, com pós-doutourado pela Universidad Nacional de Educación de Madrid, analisa que o preconceito intelectual não chegou a ganhar consistência no Brasil e afirma que o curso busca uma "leitura não reducionista" do futebol.

- Acho que o preconceito intelectual nunca foi consistente no Brasil. O que buscamos primeiro é uma leitura não reducionista do futebol, o que também não é uma novidade no Brasil. Talvez a novidade possa ser entender o futebol como algo que propõe problemas singulares e que ele mesmo é capaz de por muitos pensamentos em xeque. É um tema que nada tem de dócil. José Lins do Rego, João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues são exemplos  de ausência de preconceito intelectual. Temos na sociologia e antropologia do esporte muitos trabalhos originais e não reducionais. O que buscamos entender é como o futebol dribla fácil qualquer reducionismo e põe boas questões gol adentro, além de fazer boa tabelinha com alguns modos de pensamento menos óbvios.


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Fonte: GE.COM

Foto: KDFrases, Thiago Correia e AFP