Postado por - Heitor Montes

Guto Ferreira fala sobre os 50 jogos pelo Bahia e projeta futuro no clube

Se o referencial for o tempo médio de permanência dos treinadores nos times brasileiros, dez meses e nove dias ininterruptos é um período bastante considerável, capaz até mesmo de corresponder a um recorde. O dono da atual marca é Guto Ferreira, técnico do Bahia, que concedeu entrevista exclusiva ao CORREIO após celebrar 50 jogos pelo clube, alcançados no último Ba-Vi - e já tem outro pela frente nesta quarta (3), às 21h45, na Fonte Nova, abrindo a final do Campeonato Baiano. Foram 29 triunfos, 12 empates e nove derrotas, o que corresponde a um aproveitamento de 66%. Desde 2007, quando o tricolor foi comandado por Arturzinho na Série C, nenhum outro treinador permaneceu por tanto tempo no cargo. Motivo de orgulho para ele. "Gordiola" ainda falou sobre o seu processo de "baianização", Tite, a quem tem como espelho, melhor e pior momento no clube e objetivos pessoais.

Desde Arturzinho, em 2007, nenhum outro técnico permaneceu tanto tempo no cargo. Você chegou há pouco mais de 10 meses e completou 50 jogos no Bahia. É um número expressivo ou que reflete bem a cultura do dirigente brasileiro?
Existe aí uma gangorra nessa resposta, né? Um lado positivo que é o lado que, com tanta pressão, se a gente está com essa marca é porque algo de produtivo conseguimos fazer. Queira ou não queira eleva a autoestima, mostra a capacidade e, mais do que isso, a administração mais centrada no que quer, que consegue enxergar situações, e a gente poder contribuir para reestruturação, reafirmação do clube é muito importante.

Por outro lado, se tratando do que se carece de tempo no mercado, é uma marca bisonha, né? Dez meses é quando você está culminando a primeira etapa do trabalho, só que nesse tempo todo já jogamos quantas competições? Quatro competições, percebe? E você tendo que dar resultado o tempo todo. Só que as pessoas não percebem que o resultado carece da sequência de trabalho. De uma metodologia que foi instituída. Se amanhã ou depois eu não estiver aqui, quem vier vai ter que dar sequência ao modelo de trabalho ou instituir sua metodologia. E o clube tem que ter claro que perfil de treinador vai vir. Mais do que o treinador tenha sua metodologia, é importante que o clube tenha essa visão de que tipo de metodologia, para quando precisar fazer algum tipo de troca, essa adaptação não demorar muito tempo e ela possa acontecer de forma mais acelerada.

Como você avalia o seu trabalho no Bahia?
Acho que em cima de todas as dificuldades que temos no dia a dia aqui, da maneira que foi o calendário, do momento que pegamos, julgo sim o trabalho como positivo. Mas digo sempre que eu nunca estou contente. O dia que eu estiver contente isso tende a gerar uma zona de conforto que não é a maneira que eu trabalho. À medida que você está nessa zona, começa a cair, deixa de buscar objetivos maiores. E o clube não vive disso, o torcedor não vive disso, eles querem buscar sempre mais. Agora para buscar mais tem que trabalhar sempre muito, buscar melhorar, não importa se o potencial de melhora já é 8 numa escala de 0 a 10, busque o que falta. Quando não tiver mais nada para melhorar, é hora de encerrar a carreira

Foi especial completar o jogo de número 50 pelo clube num clássico importante e ter vencido?
Eu nem tinha ela na cabeça (marca de 50 jogos), sinceramente não fico controlando isso, não. Mais importante que qualquer outra coisa foi o triunfo, o momento. E o que me deu orgulho, satisfação, foi ver o grupo amadurecendo, mostrando qualidades que até então existiam dúvidas no cenário de Salvador e eles mostraram com muita ênfase, propriedade. Isso me satisfaz e deixa feliz. Quando a gente consegue viver momentos como vivemos domingo, vai estar marcado para o resto da vida. Quem esteve na Fonte Nova viu a unidade da instituição. A energia que passava era justamente essa. O Bahia era um só: torcida, direção, staff, jogadores, todos jogando juntos, por um objetivo, com uma autoridade e propriedade dentro de campo fantástica. Isso aí é o que me satisfaz.

Depois desse tempo em Salvador, o que já deu para conhecer da cidade e o quão baiano você já se sente?
Conhecer falta muito (risos). Mas eu me identifico com muita coisa sim, gosto de muita coisa em Salvador, me sinto acarinhado pelo povo. Eu gosto dessa maneira alegre do soteropolitano, do baiano em si. E o fato de você trabalhar num clube da grandeza do Bahia, a identificação do torcedor contigo e o carinho é muito grande e ameniza a saudade. Sempre disse que estar sozinho aqui é muito difícil. Passar muito tempo sem poder ver seus filhos, esposa, minha mãe que ainda vive e este ano vai fazer 88 anos. Uma série de situações que te atrapalha um pouco de manter essa tranquilidade, esse equilíbrio, mas é uma opção que a gente fez de trabalho, de vida, e tenho que suportar tudo porque existe um clube da grandeza do Bahia, do tamanho do Bahia que precisa de um treinador equilibrado, mentalmente forte para que possa também transmitir aos jogadores essa situação, para que eles demonstrem dentro de campo tudo isso.

Sobre a questão do quanto baiano, eu estou aprendendo dia a dia a ser baiano. Comida sempre gostei, não é problema. Gosto da cultura, do jeito alegre do povo. Acho que adaptado a gente está. Acho que vivo, dentro da minha vida social, tranquilo em Salvador. Sou um cara extremamente caseiro. Não nasci aqui, infelizmente, mas aos poucos vou sendo abraçado pelo povo e vou ganhando essa característica. Acho que o tempo ainda é pouco, mas dentro do coração a alegria de estar aqui é muita.

Vencer a Copa do Nordeste seria o maior título da sua carreira como treinador?
Acredito que sim. Na categoria profissional. Na base tenho título tido como brasileiro, que na época era na Copa São Paulo, pelo Inter, há 19 anos, em 1998, em cima da Ponte Preta. Agora em termos de profissional tenho títulos regionais, como auxiliar tenho títulos maiores, de equipes que ganharam Sul-Americana, Libertadores. Mas como comandante uma coisa é ganhar estadual, outra coisa é regional. É uma competição grande, como a Copa do Nordeste. Queira ou não queira um título nesse momento a gente vai trabalhar para conseguir. Estive com a Ponte a um gol do título da Série B, que seria importante também, mas não foi conquistado. A Copa do Nordeste seria bastante importante sim no meu currículo.

Quais são seus objetivos no Bahia e na carreira? Trabalhar fora do país é uma vontade?
Já trabalhei fora do país, em Portugal, duas temporadas. Montamos duas equipes que conseguiram o acesso pra primeira. O desafio de trabalhar fora é mais o financeiro. Hoje em dia tem que pensar muito se vale a pena. Tem alguns valores que lá na frente você vai fazer que o dinheiro não valeu. Objetivo é sempre estar crescendo. Em relação ao Bahia primeiro tenho que ter conquistas que fortaleçam minha estada, para que surja possibilidade de renovação em dezembro e logicamente o projeto do clube. A medida que você tem propostas que você pode dar um salto maior, aí você busca um salto maior. Tudo depende do tamanho do projeto e dentro do que for proposto qual o nível de força de desenvolvimento que você tem.

Eu sei que força a gente vai ter, de que maneira vamos trabalhar e vamos vendo no dia a dia o que falta ou não falta para desenvolver. As vezes amanhã aparece um clube com poderio econômico mais forte, mas que autonomia? Isso conta muito também. Agora a autonomia x com desafio y, isso também se vai em consideração. À medida que a gente consiga grandes resultados aqui, tendência de aportes financeiros maiores e aí uma estruturação maior do clube, desafios maiores juntos. Tudo depende do que a gente conseguir fazer. Tudo depende do apoio do torcedor, massa associativa. O Bahia mais do que nunca precisa crescer e o povo baiano precisa entender que hoje, no futebol moderno, o que está desequilibrando é o quadro associativo, que faz um aporte financeiro fantástico aos clubes e os clubes fora do eixo Rio-São Paulo que conseguem competir de igual pra igual é por conta disso. E um clube da grandeza do Bahia com certeza, com uma massa torcedora na faixa de 10 milhões, teria que ter obrigatoriamente uns 30 mil, o que nos daria condições de brilhar muito mais forte nas competições. (NR: segundo levantamento publicado em dezembro de 2016, pelo instituto Paraná Pesquisas, o Bahia tem 4,1 milhões de torcedores).

Quais são suas maiores referências como treinadores?
Tem vários, né? Mas o eixo principal é a postura, a maneira de trabalhar do Tite, com quem trabalhei por 16 meses. Já tinha trabalhado em paralelo. Eu num clube, ele no outro e depois tive a possibilidade de trabalhar de forma direta. Mas aprendi muito com Abel, Autuori, Muricy, no meu início de carreira com o professor Telê Santana. Eu dirigia o juvenil do São Paulo e a minha equipe ia treinar com o profissional, fazer coletivos pois ele gostava da maneira que a equipe se portava e isso ajudava ele em 1995. Aprendi com Hélio dos Anjos no início da carreira, Fossatti, que é extremamente tático. Parreira, fantástico, extremamente equilibrado. Então são grandes mestres que tive oportunidade de trabalhar e agradeço muito, pois essa troca é o que faz o que estão na busca de se prepararem para o mercado. E se hoje estou conseguindo algo, falta muito ainda, batalhar muito, correr atrás, mas o pouquinho que eu tenho sou muito agradecido a essas pessoas que o homem lá de cima colocou no meu caminho.

Qual foi seu melhor momento no Bahia e o pior? E o jogo mais marcante?
"Melhor momento acho que foge do jogo, que o jogo não foi bom, mas o melhor momento foi o acesso. Quando você atinge o objetivo final é fantástico. Acho que domingo estivemos próximos de uma das melhores partidas que o Bahia fez sob meu comando. Um clássico onde o adversário praticamente não chutou no nosso gol. Eu sempre prego o trabalho de controle e nós tivemos um controle qualificado, variações positivas, a equipe jogou com uma intensidade que a gente sempre cobra. Tivemos resultados fantásticos na Série B, desempenhos qualificados, mas coloco todo o clima e sair dela da maneira que nós saímos e isso a coloca num jogo mais marcante. O mais marcante? Não sei. Ano passado tivemos um desempenho fantástico contra o Vasco, a virada contra o Ceará...

Eu prefiro não marcar muito esses momentos, pois se fica dando muita carga, muito valor acaba se jogando para baixo. Mas a saída da Copa do brasil foi um momento ruim, mas ao mesmo tempo foi um momento de crescimento, de reflexão e retomada. Outro momento assim foi a derrota para o Vila Nova dentro de casa, a grande virada do Bahia em 2016. Acho que o momento responsável por toda virada e pelo acesso. Essa derrota foi responsável pelo acesso. Não a derrota em si, mas o que ela gerou pós. É o que eu digo sempre, cair você vai cair sempre, mas cada vez que você cair tem que levantar mais forte. O exercício do cair e levantar é o que te faz mais forte e te leva a resultados expressivos que vai marcar a história do clube.

O Bahia é o maior desafio da sua carreira?
"Não sei se é o maior desafio, mas com certeza no ano passado era, na condição que a gente pegou o clube. A medida que você vai crescendo e fazendo o crescimento junto da equipe, da instituição, isso é fantástico. Mas temos muito que trabalhar, que fazer, a gente não se ilude não. A gente sabe que o caminho é muito árduo. Temos um grupo guerreiro, competitivo, consciente das nossas limitações e virtudes. O grande trabalho é poder aprimorar as nossas virtudes de maneira que elas possam encobrir ao máximo nossos defeitos. E aí, na somatória final na competição, você consiga triunfar sempre e seguir conquistando objetivos que é o que mais o torcedor quer. Tudo isso leva um tempo, tem o caminho e a gente vai até onde é possível, acreditando sempre. É o tipo da coisa, o sonho é o primeiro passo e depois é acreditar que você pode. Se não acreditar, não adianta. Se os jogadores não acreditarem na ideia que você vende, não vai a lugar nenhum. E principalmente se o torcedor acredita aí a energia fica muito forte.

Vai chegar aos 100 jogos pelo Bahia?
"Vamos trabalhar, né? A gente costuma dizer que o futuro a Deus pertence, mas completar 100 jogos num clube dessa grandeza, com essa torcida, com esse grupo, seria fantástico".

Fonte: Correio 24 Horas