Postado por - Newton Duarte

Justiça Desportiva: As diferenças do Brasil para o resto mundo

Justiça desportiva: lá fora não tem defesa plena, mas é mais rápida e menos confusa

Terry foi julgado por racismo contra Anton Ferinand, do QPR (Foto: AP)

Saiu, enfim, a decisão final do STJD sobre o empurrão de Petros no árbitro do clássico entre Corinthians e Santos. Nesse período, correspondente a um mês, o jogador recebeu 180 dias de suspensão, ganhou efeito suspensivo e continuou jogando. Apenas nesta quinta-feira, o pleno do tribunal julgou o recurso. Uma morosidade, para usar um termo jurídico, ao qual apenas o futebol brasileiro assiste.

Em lugares como Itália, Espanha e Inglaterra, prioriza-se a agilidade. Há a possibilidade de recurso, o tal duplo grau de jurisdição, mas as primeiras penas são aplicadas rapidamente e divulgadas alguns dias depois da partida. O jogador fica suspenso até a apelação ser julgada. Isso acontece porque na maioria dos países a justiça desportiva não está prevista na Constituição como no Brasil. Então, as federações podem fazer o que quiserem.

Por aqui, o STJD precisa seguir algumas regras básicas da Carta Magna e uma delas é o direito à defesa plena. Não podem ser considerados culpados até que todo o processo seja concluído (o que é excelente do ponto de vista criminal, mas no âmbito do esporte causa alguns inconvenientes). Se o primeiro processo for conduzido pelos tribunais regionais, os casos podem chegar a passar por três instâncias antes de ser concluído.

Inclusive, o único órgão de justiça desportiva que assume o pomposo nome de “Superior Tribunal de Justiça”, como se fosse realmente uma corte suprema do Judiciário, é o brasileiro. Nos outros países, é apenas Comissão Disciplinar, muito mais condizente com a verdade.

“Não há nenhum modelo parecido com o brasileiro”, afirma o especialista em direito desportivo Rodrigo Moraes, advogado de clubes catarinenses em processos do STJD e colaborador do site  JD em Pauta. “O que eu vejo é uma coisa mais objetiva. Tal ação gerou tal consequência. Não fica muito a cargo de uma votação, como aqui no STJD. É que nos outros países não é por lei. É uma resolução das próprias federações. No Brasil, a coisa toda é legislativa para dar a impressão de uma legalidade”.

O sistema que mais se assemelha ao brasileiro é o argentino. A primeira comissão é gigante, com nove advogados, mas a defesa pode ser feita por escrito, o que agiliza o processo. O comitê de apelação tem apenas três pessoas, o que também contribui para uma rapidez maior. “Na Argentina existe uma justiça especial para julgar causas esportivas. Nisso você pode dizer que tem uma semelhança, mas cada um tem sua peculiaridade. Se eu disser que é parecido e tem um artigo diferente, então não é parecido”, comenta Luiz Otávio Ferreira, vice-presidente do conselho deliberativo e um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

Como não há nenhum parecido, vamos conhecer como funciona o processo da justiça desportiva, as peculiaridades, de cinco países importantes do futebol mundial: Inglaterra, Itália, Espanha, Argentina e França.

Inglaterra

A Inglaterra tem um sistema automático de punições. O jogador fica suspenso a cada cinco cartões amarelos que recebe, mas há duas datas limite e uma escala progressiva: 31 de dezembro e o segundo domingo de abril. Explico. Se um jogador for advertido pela quinta vez depois da primeira data limite, se livra da punição. Se ganhar o décimo amarelo depois da segunda data limite, também. Expulsão por dois cartões dá uma partida de gancho, e por vermelho direto, três. Dependendo da gravidade do lance, pode ser aumentado. O comitê disciplinar da Associação de Futebol Inglesa, quando acredita que tem evidências suficientes para chegar à decisão, não cede direito de defesa ao acusado, diferente da justiça desportiva brasileira. Realiza audiências apenas em casos mais notórios ou complicados, em que há a necessidade de ouvir todas as partes (como no racismo de John Terry contra Anton Ferdinand, foto que ilustra a matéria).

Itália

A Itália, assim como a Inglaterra, preza pela velocidade e determina penas automáticas para os casos, baseando-se na súmula que recebe dos árbitros. A decisão é tomada na segunda-feira pós-rodada e divulgada na terça-feira (a não ser que haja rodada de meio de semana). Não há audiência, mas cabe recurso que será julgado em uma semana. Até lá, mesmo sem uma decisão final, o jogador fica suspenso preventivamente e não entra em campo.

Espanha

Muito parecido com a Itália. É um sistema muito mais enxuto para lidar com os problemas técnicos do Campeonato Espanhol. A Comissão de Competição, formada por três juristas (a formação em Direito é obrigatória), determina a pena, que pode ser contestada no Comitê de Apelação, que tem em seus quadros mais três advogados diferentes.

Argentina

A Argentina tem um processo mais parecido com o brasileiro, com uma comissão disciplinar de primeira instância, com nove auditores, e um comitê de apelação, com mais três. A denúncia precisa ser apresentada ao Tribunal de Disciplina Desportiva da AFA em um prazo de três dias. Caso o órgão julgue necessário, esse prazo pode ser ampliado para duas semanas. Os clubes ou pessoas que se sentirem lesadas também podem abrir processo, mas ficam sujeitos a multas caso a denúncia seja qualificada como “temerária” ou “maliciosa”. Clubes e dirigentes, tanto da própria AFA quanto das agremiações, precisam se defender por escrito. Qualquer outro denunciado precisa comparecer à corte (a não ser que o estádio do clube que defende fique a mais de 100 quilômetros de Buenos Aires).

França

Outro tribunal mais ágil. Quem estiver sendo acusado pela Comissão Disciplinar Federal, nome do tribunal francês, tem 24 horas para enviar a defesa por escrito ou solicitar uma audiência. Mesmo antes de tomar a decisão final, o órgão pode suspender o jogador preventivamente. Em casos mais graves, a comissão pode inclusive impor qualquer sanção que achar apropriada, mas precisa chegar a um veredicto em um prazo máximo de três meses.