Postado por - Newton Duarte

Lugar fora de lugar

Lugar fora de lugar

No balanço dos ingressos, há uma conta que não fecha: a da relação entre custos públicos e benefícios privados. O que as novas arenas da Copa vendem só existe por iniciativa do Estado. Sem o Estado, sem o rateio público da empreitada, não haveria lojinha, não haveria ingresso para dar conta de uma “nova experiência”. Sem a disposição do Estado de custear mais do que receberia pela concessão, como no caso do Maracanã, não haveria nem palco para que os deslumbrados anunciassem um novo tempo.

É à luz disso que a ênfase no “mercado” para justificar os preços em estádios como o Maracanã soa como uma “ideia fora de lugar”. Uma ideia fora de lugar é um tipo de ideia bem brasileira, um termo cunhado pelo crítico literário Roberto Schwarz para dar conta da nossa desconexão entre o acionamento de princípios universais e a defesa de arranjos baseados no favor. A dinâmica: “adotadas as ideias e as razões europeias [e aqui poderiam ser americanas, com o mesmo fôlego], elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificação, nominalmente ‘objetiva’, para o momento de arbítrio que é da natureza do favor”.

Na defesa do projeto que dá sentido às novas arenas, essa ideia fora de lugar pretende emoldurar um “lugar fora de lugar”: uma ilha de razão econômica perdida e achada num mar de incompetência e aleatoriedade. O novo estádio, o lugar fora de lugar, seria o espaço meio utópico onde “a lei do mercado não perdoa”. Como se fosse possível isolar o produto do resto. Como se fosse possível esquecer da gênese das novas arenas. Como se fosse possível deixar de lado tudo de benefício público que se acenou e depois sumiu como “secundário”, como as esquecidas obras de mobilidade. Essa não é apenas uma violência retórica. É uma violência política.

Quem pagou pelas novas arenas é hoje chamado a pagar a mais para entrar. Se, no processo, ficar de fora delas, a culpa será socializada: será da “sociedade”. Em outras palavras, o sujeito paga pelo forno, fica sem dinheiro para comprar o pão (ou o brioche) e ainda responde por isso, em solidariedade com parentes, amigos e desconhecidos. Convém ser amigo do padeiro.

<<“To price out” é um bom termo em inglês para dar conta desse fenômeno que tem consequências para além de uma temporada. Os filisteus do presente negarão, mas o fato é que, se prolongada, a “interdição econômica” do estádio corrói o gosto por futebol.

Na raiz da palavra “desprezar”, está a negação do verbo latino “pretiare”, ter em consideração, que, por sua vez, vem de “pretium”, valor ou preço. Em nome de uma lógica nova, que inclui preços altos, corremos o risco de desprezar quem ajudou a construir o futebol brasileiro. Não nos admiremos se o desprezo produzir desprezo.>>


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Fonte: Blog Chuteira Preta – Davis Butter - GLOBOESPORTE.COM

Foto: Edgard Maciel de Sá