Postado por - Newton Duarte

'Minha bandeira como negro é dar certo'

Cristóvão Borges: 'Minha bandeira como negro é dar certo'


Em entrevista, técnico do Bahia diz ter sofrido racismo


O técnico Cristóvão Borges é uma figura diferenciada no mundo do futebol. Dono de um discurso sereno e politizado, o comandante do Bahia consegue falar sobre táticas de jogo com a mesma precisão que denuncia questões raciais ou elogia as manifestações ocorridas durante a Copa das Confederações, nas principais capitais brasileiras.

"Estudei e me preparei no futebol para quebrar paradigmas", diz, de um jeito confiante, mas que, em momento algum, soa prepotente.

Cristóvão, em  entrevista, ontem, no apart-hotel onde mora, no bairro de Jardim de Alah falou sobre o Bahia e temas polêmicos que fogem e muito o domínio de um habitual boleiro.

A fase do Bahia é muito boa e os torcedores começam a falar da terceira estrela. É realmente possível?

Tudo é possível. Mas tem muita coisa a se fazer até lá. O campeonato ainda tem que andar e a equipe ainda não amadureceu para isso. Precisamos ver o Bahia enfrentar outras situações neste Brasileiro. Por exemplo, ver o time reagir em uma situação de baixa. Vai existir um momento que não vamos jogar bem, vamos oscilar e, a depender de como o time reage, isso pode definir nossas pretensões. Um time se faz campeão nesses momentos de dificuldade.

Outros técnicos que passaram pelo Bahia na Série A chegaram a dizer que a diferença de orçamento do Bahia para os demais clubes do eixo Rio-SP tirava as chances de briga pelo título. Enxerga também dessa forma?

De forma alguma. Acho que o título é possível sim. Não vou negar a existência da diferença de orçamento, mas isso é uma barreira que pode ser driblada se o time investir em jogadores de forma inteligente. Aí você começa a disputar o campeonato com mais chances.

Falando em contratar, quando o Bahia vai começar a se mover nesse sentido?

Vou dizer uma coisa. Minha exigência não é trabalhar com um elenco muito grande. Não gosto. Acho que acabamos não aproveitando muito as potencialidades dos jogadores. Muito pra mim é 35. Trinta, que é a quantidade que o Bahia tem hoje, é bom. Mas, agora que vamos disputar a Sul-Americana, vamos trazer outros reforços.

A boa notícia é que o zagueiro Titi ficou, né?

Sim, verdade. Estava preocupado com uma possível saída dele (Titi recebeu proposta da Turquia e quase deixa o Bahia). Ele é um excelente profissional, respeitado no grupo e está em uma ótima fase. Não poderíamos perder esse jogador.

Engraçado abrir a entrevista falando de título. Quando você chegou aqui, após um Estadual desastroso, o rebaixamento do Bahia era certo...

Talvez tenha sido um dos pontos mais importantes da nossa vinda. Quando cheguei vi um clube no chão. Era uma torcida triste. E eu conheço isso aqui, pois sou baiano. A torcida do Bahia não é assim. Salvador é tricolor. Quando cheguei meu objetivo era sobreviver aos cinco primeiros jogos até a parada da Copa das Confederações. E foi isso que fizemos.

Você esperava que os jogadores assimilassem sua filosofia de trabalho tão rápido assim?

Quando saí do Vasco, fiquei fora do futebol por sete meses. Nesse tempo recebi oito propostas, sendo algumas de times da Série A. Mas não quis aceitar, pois queria estudar o futebol. Estudar as metodologia, pesquisar, conhecer o que tem sido aplicado no mundo. E foi alguns destes conceitos que trouxe para o Bahia. Pontos como qualidade de passe, intensidade do jogo, dinâmica e intensidade de organização na defesa e no ataque. É assim que enxergo o futebol hoje.

Você tem trabalhado com três jogadores da base no time titular. Anderson Talisca, Feijão e Madson. Qual deles, hoje, é o mais pronto?

São atletas com temperamento diferente. A única coisa que eles tem em comum é que todos  são tímidos. O Madson tem o perfil de um cara que precisa de apoio a todo momento, precisa ser encorajado. Talisca tem um talento enorme e está evoluindo. Outro dia ele chegou até a mim e veio dizer: "Professor, estou fazendo uma coisa que nunca fiz. Estou marcando". Aí eu respondi: "Talisca, se você aprender a marcar bem, com esse talento que você tem, vai jogar em qualquer time do mundo".

E Feijão?

Demorei um tempão para ouvir até mesmo a voz de Feijão. Ele é muito tímido, mas tem uma personalidade impressionante. Não se importa com jogo nenhum, com críticas ou elogios. Ele entrou em um Ba-Vi e deu conta do recado. Nesse ponto leva vantagem sobre os demais.

Você mantém contato com o presidente destituído Marcelo Guimarães Filho?

Sim, ele ligou algumas vezes para elogiar a atuação da equipe. Falei com ele depois do jogo do Flamengo. Ele elogiou muito nossa atuação. Marcelo continua acompanhando o tudo com muita preocupação.

E com o interventor Carlos Rátis? Como tem sido sua relação com a interventoria?

Falei com Rátis na Fonte Nova. Ele estava lá e conversamos. Nossa relação com a intervenção é de tranquila. Eles nos dão a condição material para trabalhar e nós cuidamos do time. A intervenção é uma questão administrativa-jurídica. Nossos problemas, resolvemos apenas jogando futebol.

Você é o único treinador negro na Série A, além do único nordestino. Existe racismo e preconceito regional no futebol?

Não sabia que era o único nordestino na Série A. Negro, preto, eu sabia que era, sim (risos). É só ver a estatística. De 20 times, apenas um tem técnico negro e, por sinal, também nordestino. É um dado, no mínimo, curioso. Como treinador do Vasco, sentia que existia uma tolerância menor pelo fato de ser negro. Era mais passível de críticas quando errava. Sempre encarei essa situação de frente, pois sou muito bem resolvido com minha identidade. Tenho orgulho de ser negro e falo isso abertamente.

Você chegou a sofrer alguma situação clara e manifesta de racismo?

Sim. Fora do futebol, já fui buscar meu carro e o manobrista chegou a achar que eu era motorista. Ou numa casa bacana que eu morava no Rio, ao atender a porta, fui confundido com servente. No futebol, sofri junto com meu time em um jogo da Libertadores, em Assunção (capital do Paraguai). Fomos chamados de 'macacos' pelos torcedores. Irônico que, nesse jogo, estávamos atuando com uma camisa alusiva ao título que o Vasco conquistou com um jogador negro, quebrando paradigmas.

O sucesso de Cristóvão é uma quebra de paradigmas então?

Não tenha dúvida. Carrego isso comigo. Minha bandeira como negro é dar certo no futebol. Sei que isso possibilita uma mudança de mentalidade, de conceitos e costumes. Isso não me pesa, de forma alguma. É um desafio que me estimula. Estudei e me preparei pra isso. Carrego esta vontade de mudança.

Chega a ser surpreendente ver um ex-jogador de futebol tão esclarecido. Qual é sua visão política?

Sou petista, isso desde os tempos de jogador. Mas não tenho carteirinha e nem sou militante. É uma opção individual minha, de ideologia. Mas tenho críticas também ao partido. Sei que eles têm muitos erros e grandes acertos. Por exemplo, fui favorável às manifestações nas ruas durante a Copa das Confederações. Achei aquele um momento lindo e queria muito ter participado. Acho que o Brasil, assim como o futebol, vive tempos de novas alternativas. Isso é ótimo!


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Fonte: André Uzêda – A Tarde

Foto: Lúcio Távora | Ag. A TARDE