Postado por - Newton Duarte

Na fila do jogo do Bahia

Na fila do jogo do Bahia


O bafo quente misturado à brisa oceânica faz de Salvador inferno agradável neste verão 14. A cidade fala de modo enfático sobre as coisas do Brasil, escreveu Caetano Veloso outro dia.

Preparando-nos para o clássico Bahia x Santa Cruz pela Copa do Nordeste, todos diziam que a arena estaria vazia. Oportunidade de desfrutar antecipadamente o maior legado da Copa do Mundo até aqui: estádios muito melhores do que as porcarias que idolatrávamos.

Saímos de Itapuã, no norte da cidade, 90 minutos antes do jogo, preparados para o pior. Logo o encontramos. As várias pistas da Paralela, via "expressa" que liga o Norte ao Centro, estavam entupidas. Como em todo o país, a frota de veículos particulares soteropolitana explodiu, sem contrapartida do transporte público. O metrô de Salvador é o mais lento de todos: depois de 15 anos de obras, percorre zero quilômetro. E só deve ser inaugurado dois meses depois da Copa. Verdade.

Chegamos ao estádio 15 minutos antes da partida. A fila na bilheteria era enorme, quase tão lenta quanto o metrô. O jogo começou, e a fila se arrastava. O jeito foi curtir a fila. O entorno da fila. Os casebres diante da arena imponente.

O lado bom e o lado ruim é que aquele padrão brasileiro de vender ingressos (poucos guichês, cartões que demoram a passar, desatenção com o consumidor) não gerou revolta, violência, destruição. A frustração foi temperada pela ironia, essa arma dos vencidos.

Quando circulou notícia de que as meias tinham acabado, um gritou: Vou economizar meu dinheiro! Já no fim do primeiro tempo, e um gol do Bahia muito festejado pela torcida organizada na fila, a linha de frente anunciou que o sistema caiu. E contra o sistema não adianta lutar, ainda mais com a tropa de choque da PM baiana presente.

As bilheteiras atrás do pequeno vidro reforçado simplesmente se levantaram, sem muita explicação. De repente, gritos de gostosa! gostosa! para uma senhora muito, muito acima do peso. E todos riram na desgraça.

Sendo aquela baía de Todos os Santos, o milagre aconteceu. Aos torcedores que não desistem nunca foi vendido ingresso único de R$ 15 em troca da pulseirinha de acesso, sem emissão do ingresso.

Entramos na nova Fonte Nova com 15 minutos do segundo tempo, a tempo de ver o gol de empate do Santa Cruz. 1 a 1. Apito final.

Foi tão legal, que voltamos no jogo de sábado, Bahia e Vitória da Conquista. Desta vez, compramos os ingressos antes, apesar do sistema, que caiu duas vezes no quiosque do shopping que os vendia.

O Vitória da Conquista era mais fraco que o Santa Cruz. A esperança era de goleada. Ficou num magro 1 a 0, aplaudido por uma torcida feliz. Que povo generoso.

Na volta para Itapuã, passamos pelo icônico farol. Diante do qual, ao invés de equipamentos turísticos, foi instalado terminal de ônibus. Botaram um largo da Batata no Farol de Itapuã. É o padrão Salvador. A orla do Porto da Barra, a mais figura do Brasil, tem diante dela fila de construções deploráveis, decadentes, que deveriam ser demolidas para dar espaço a algo digno da dignidade do lugar.

Outro caso óbvio de destruição de valor: o casario entre o Mercado Modelo e o Pelourinho, diante da baía, caindo aos pedaços, apesar de seu valor inestimável. São ruínas do futuro tanto quanto do passado.

Embora Pernambuco tenha brilhado muito no céu brasileiro nos últimos anos, mérito dos pernambucanos e de seu conterrâneo presidente, a Bahia é a grande potência nordestina. É a São Paulo do Nordeste, uma das grandes sínteses do Brasil. Enquanto não tomar jeito, o Brasil não tomou jeito.

Essa fila precisa andar. Ingresso já.


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Fonte: Sérgio Malbergier – Folha de São Paulo

Foto: Bocão News