Postado por - Newton Duarte

O boleiro do axé: amigo e fã de Osni, Manno Góes declara amor pelo Bahia

O boleiro do axé: amigo e fã de Osni, Manno Góes declara amor pelo Bahia

No ano em que se comemora 30 anos de axé, um dos maiores compositores baianos, boleiro desde a infância, fala sobre sua relação com futebol: "Torcedor apaixonado"

Era tudo uma questão de tamanho. Fim da década de 1980, e Emmanuel Góes Boavista era o menor da turma da escola, alvo de brincadeiras por conta da baixa estatura. O axé music era então um "bebê" cada vez mais gigantesco, que dominava as grades de emissoras de rádio, televisão e as ruas de Salvador. Gigante também era o amor de Emmanuel pelo Bahia. Tricolor de corpo e alma, acompanhava de perto cada passo do time de coração. A antiga Fonte Nova era como uma segunda casa. E foi assim que, entre 1988 e 1989, assistiu e se encantou com a campanha que resultou no segundo título brasileiro do clube, eufórico a cada gol marcado por Zé Carlos, Bobô e Charles.

O tempo passou, e a questão de tamanho persistiu. Emmanuel Góes Boavista cresceu, mas, em contrapartida, teve o nome encolhido para se adequar ao meio artístico. Tornou-se Manno Góes, vocalista, baixista e compositor de sucessos do axé music, ritmo que completa 30 anos em 2015 e segue nas rádios, televisões e ruas de Salvador. Já não é alvo de brincadeiras pela altura. O Bahia, contudo, também não é mais o gigante que um dia foi. Sofreu com o passar dos anos e viu a ambição de um novo título brasileiro se transformar em um sonho distante. Apesar de tudo, o clube segue no coração de Manno, que, por acompanhar o mundo do futebol com entusiasmo, pode ser considerado o boleiro do axé.

Manno Góes conta como começou a torcer pelo Bahia (Foto: Eric Luis Carvalho)

- Sou um torcedor apaixonado, que gosta de conversar sobre futebol, de bater papo, de saber as notícias das entrelinhas, das contratações, de quem está bem e quem não está. Sou amigo de um gênio, cara queridíssimo, que é o René Simões. É sempre uma aula de futebol, com aquela elegância e a forma inteligente de se comunicar. Sempre que estou com o René, eu exercito meu lado boleiro com muita admiração. Acho um cara genial. Admiro muitos escritores, jornalistas que falam de futebol. Fico acompanhando para aprender e me divertir. Gosto muito de futebol – disse o músico, em entrevista concedida ao GloboEsporte.com.

UM PEQUENO ÍDOLO E UM PEQUENO TORCEDOR

Era tudo uma questão de tamanho, e não apenas para Manno Góes. Ainda criança, recebeu como uma das primeiras heranças do pai o amor pelo Bahia. E tinha em casa, com certa frequência, um privilégio desejado por muitos tricolores. Baixinho como o pequeno Emmanuel, Osni, de apenas 1,56m, era presença constante no lar do futuro músico. Em campo, o atacante driblava, marcava gols e inspirava a criatividade dos baianos, que uniam o axé ao futebol. Nos versos de “Como um raio”, Luiz Caldas homenageava o pequeno atleta. “Tão pequeno quanto a bola. Mas tão grande como um gol. Ele é o rei da brincadeira, e também do professor”.

Baixinho Osni frequentava a casa de Manno Góes (Foto: Thiago Pereira)

- Acho que desde pequeno lá em casa a gente tem muita influência dos parentes. Meu pai é Bahia. E acho que isso acompanha as gerações. Geralmente as pessoas são seduzidas pelas influências da família, dos pais. Eu, desde muito pequeno, gostava do Bahia. Meu pai era amigo de Osni. Meu pai é corretor de imóveis, tem uma relação com o Osni muito próxima. E isso interfere na memória da criança, na memória afetiva. Cresci Bahia. (...) Conheci Osni em Jauá, na casa de veraneio que a gente tinha. Osni ia lá em casa de vez em quando. Era muito bom estar perto de um ídolo. Essa proximidade favoreceu para que eu me tornasse um tricolor orgulhoso, como eu sou - lembra Manno Góes.

Osni e Manno Góes eram unidos pelo tamanho, pelo Bahia, e pela casa em Jauá. A separação ocorria quando o talento com a bola nos pés era colocado à prova. Enquanto o baixinho atacante tricolor era o terror dos adversários, o pequeno Emmanuel tinha a fama de ser “ruim de baba”. Nem “pontinho” conseguia fazer, o que rendeu novos apelidos, desta vez sem relação com a baixa estatura.

Meu pai é Bahia. E acho que isso acompanha as gerações. Geralmente as pessoas são seduzidas pelas influências da família, dos pais. Eu, desde muito pequeno, gostava do Bahia".

Manno Góes

- Na verdade, nunca fui grande jogador de futebol. Batia o baba, "dava pro gasto". Gostava muito de jogar na escola. Meu esporte mesmo era o handebol. Era o que eu gostava de jogar. Futebol era mais na pelada. Eu era sempre o goleiro, o cara menorzinho. A gente sempre brincava de prenda, quem fizesse menos pontinho pagava uma prenda. Eu, de tanto pagar prenda, me apelidaram de "escravo Isauro". Toda hora pagava prenda pela minha falta de habilidade. Com o tempo, fui melhorando, me tornando um jogador melhor, mais rápido, passei a bater o baba de uma forma mais equilibrada. Senão, era goleiro e banco - comentou o músico entre risos.

Em 1989, Osni estava aposentado. E foi sem o ídolo em campo que Manno Góes presenciou um momento que entrou para a história do Bahia. A data era 12 de fevereiro, e o Tricolor enfrentava o Fluminense pela semifinal do Campeonato Brasileiro da temporada anterior. Com 17 anos, Manno era um dos 110.438 torcedores que se apertavam nas arquibancadas da Fonte Nova, maior público já registrado no estádio. As lembranças permanecem vivas na memória do músico.

- Aquele jogo a gente ficou espremido atrás do gol. O Fluminense fez o gol, e a gente ficava dizendo que ia virar. Quando virou, foi uma explosão. Aquele jogo marcou todo mundo. É um dos mais marcantes da minha vida. Outra coisa é o gol de Raudinei. Estava com um grupo de amigos, a maioria Vitória. Já estavam me esculhambando. Estava triste, encabulado para ir pra casa. Quando fez o gol, inverteu tudo. Lembro de um comentário de um amigo que disse: "Isso só acontece com o Vitória". O que é verdade – contou Manno Góes, ao lembrar também da final do Campeonato Baiano de 1994.

DIFERENÇA DE TAMANHO

A questão de tamanho ainda segue na vida de Manno Góes. Aos 43 anos, ele se especializou nos superlativos. Compôs megahits como "Milla", "Pra te ter aqui" e "Praieiro", fez sucesso nacional com a banda Jammil e se tornou uma das referências do axé music. Atualmente divide a rotina profissional entre as composições e a agenda do movimento “Alavontê”. O Bahia foi a exceção na vida do músico. O tempo passou, e o Tricolor campeão brasileiro foi ultrapassado por adversários. Hoje, está na Segunda Divisão nacional, sequer é sombra do time que conquistou o país em 1988.

Apesar do quadro atual não ser dos melhores, Manno vê com bons olhos o elenco montado para recolocar o Bahia na Série A. Bruno Paulista e Rômulo ganham muitos elogios do músico. Na outra ponta, está o argentino Maxi Biancucchi, alvo de críticas por não ter no Tricolor o mesmo desempenho demonstrado no Vitória, em 2013.

- Sei que o time está em um momento de transformação. Não deu para fazer grandes contratações. O processo democrático que o Bahia atravessa é benéfico. Apesar de ter caído para a Segunda Divisão, foi um avanço do ponto de vista social, de estatuto do time. Tem uma administração jovem agora. Começou com o pé direito, ganhou do Shakhtar, naquele amistoso que foi interessante, muito bom. Gosto de muitas peças do time. Do Bruno Paulista, do Rômulo. Gosto muito pouco do Maxi Biancucchi no Bahia. Não teve uma fagulha de brilhantismo que teve no Vitória. Não teve isso durante o ano passado inteiro. E esse ano parece que não terá. Não vejo essa predisposição no atleta em querer se tornar maior e melhor. Gosto muito mais desse time do que o do ano passado. Tem o Zé Roberto, são jogadores que vão fazer diferença. Gostei da saída de Lomba. Acho que foi bom para ele e bom para o Bahia. Acho que ele já tem uma história bonita, vai ser melhor para os dois, e oportunidade para o Omar, que é um ótimo goleiro - avaliou.

Apesar do presente de poucas glórias, o músico avalia que o futuro do Tricolor é promissor. A expectativa é de ver o Bahia de volta à Série A no fim do ano, como o primeiro passo de um gigante que luta para voltar a atingir as nuvens.

Bruno Paulista; Bahia (Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia)

Manno Góes elegeu Bruno Paulista como um dos destaques do Bahia (Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia)

- Acho que a gente tem tudo. Temos mais dinheiro que a maioria que está lá, temos mais estrutura. Falo isso de Bahia e Vitória. Os dois têm condições de subir. O time está se arrumando, está melhor do que no ano passado. Vamos aguardar. O Shakhtar não foi um bom teste. Tomou quatro do Atlético-MG, empatou com o Flamengo, perdeu para o Bahia. Não dá para dizer que é um time da Liga dos Campeões - brincou.

O lado boleiro de Manno Góes rendeu, em setembro de 2013, um convite para escrever uma coluna de esportes no jornal A Tarde, de Salvador. O músico diz que o espaço era dedicado especialmente para falar do Bahia, e às vezes também provocar os torcedores do Vitória.

- Nunca escondi minha predileção pelo Bahia. Desde que fui chamado para escrever essa coluna, disse que seria muito difícil ser imparcial. Sou parcial, sou um torcedor, não sou um jornalista. Não é minha função. Estou ali como um torcedor, meu ponto de vista do que estava rolando, e 80% das coisa que escrevia era sobre o Bahia. Às vezes dava uma "pinicada" no Vitória. Como torcedor. Essa postura, liberdade que nós temos, Bahia e Vitória, de brincar um com os outros, é saudável. Bom humor. O bom humor é generoso, ele dá mais do que tira. Faz com que as coisas se atenuem, que as pessoas convivam de uma forma melhor. A gente brincar de "Aaah, o Bahia é sardinha, você é vice". Isso é muito bom. E é muito bom que os dois times estejam bem. É uma pena que os dois estejam na Segunda Divisão. Pena mesmo para o futebol da Bahia. Mas, por um lado é bom, tem um equilíbrio de forças, de brincadeiras. E todos vão torcer pelo acesso, para subir. É muito natural que as pessoas do Vitória reajam com um pouco de rancor, um pouco mais mal humorado. Mas isso faz parte da brincadeira. Tomar partido de um lado e contrário a outro lado. É assim na vida, na política, em tudo.

ALTOS E BAIXOS

O axé music nasceu em 1985. Mas um dos grandes representantes do ritmo baiano surgiu muito tempo antes. O hino do Bahia, composição do jornalista Adroaldo Ribeiro Costa, teve os primeiros versos escritos em 1946, destinado às arquibancadas. Como um prenúncio do que estava por vir, a torcida tricolor entoava a canção nos jogos assim como a multidão acompanha cada música executada de cima do trio elétrico. Era o clamor do povo que empurrava o time, e atrás do Bahia, só não ia quem já havia morrido.

Manno Góes é amigo do técnico René Simões e torce para Bahia e Botafogo subirem (Foto: Eric Luis Carvalho)

- O hino do Bahia é uma das músicas mais legais que existem. É muito vibrante. Para mim, é a música que tem que ganhar o carnaval todo ano. É a música que a galera explode, que tem mais participação. Até torcedor do Vitória canta, depois de umas três cervejas. Jammil já gravou no DVD. Foi lindo, fantástico. Armandinho sempre gosta de tocar. Uma vez a gente estava tocando, falei para tocar o hino, quando ele puxou, a gente tomou uma vaia (risos). Foi um tempo em que o Vitória estava ganhando os jogos. Mas normalmente o hino do Bahia é gol - comentou Manno Góes.

A ligação entre o futebol e o axé alimenta a rivalidade entre os cantores baianos. Quando o lado tricolor leva a melhor no Ba-Vi, um liga para o outro para contar vantagem. No show sempre tem o hino do vencedor, com direito a provocações.

- Tatau é um das minhas vítimas preferidas. Até porque é muito mais fácil encontrar um torcedor do Vitória triste do que um do Bahia (risos). A gente brinca sobre isso. É uma grande referência do Vitória. Ivete Sangalo também. Mas agora nem dá muito para torcedor do Bahia e do Vitória ficar brincando um com o outro. Os dois estão na mesma lama - pontuou Manno.

Neste ano, o axé vira um trintão em meio a uma ameaça de crise. O ex-baixinho Manno Góes espera que o ritmo não se apequene. A expectativa é de que música, futebol e tudo o que envolva a Bahia ganhe ainda mais contornos positivos em 2015. Afinal, era tudo uma questão de tamanho. E nesse caso, sentir-se grande é questão de honra.

- O Bahia tem um axé. Uma coisa diferente, meio lúdica (...) 30 anos de axé, 30 anos de música baiana. A gente sabe que essa música, junto com os times bem e a cidade bonita, a gente vende a Bahia. Hoje se o axé está mal, se os times estão mal e se a cidade passa por um processo de recuperação, porque estava mal, tudo reflete, reflete no nosso turismo, na autoestima, no dia a dia da cidade, no próprio carnaval. Assim como a cidade está crescendo. A gente percebe nos olhos das pessoas que as pessoas estão voltando a ter autoestima, que a cidade está bonita. A gente torce para que a música baiana volte a crescer e que os nossos times também voltem a ficar fortes. É bom para todo mundo. O cartão de visita da Bahia é a nossa alegria.