Postado por - Newton Duarte

O craque do jogo

O Craque do Jogo

Era um domingo quente, de fazer urubu voar com uma asa só enquanto com a outra se abanava pra espantar o calor. Em frente à TV, Seu Tito, tricolor fanático e orgulhoso por ser o primeiro "campeão brasileiro do mundo", esperava ansioso a estreia de Carlito, o caçula, seu predileto. O mais velho, pra sua grande decepção, era Vitória. "A gente cria os filhos pra serem felizes e olhaí, esse escolheu ser sofredor."

E a estreia do Carlito se daria logo num Ba-Vi decisivo. A novidade se espalhou pelo bairro. Os vizinhos, parentes e amigados começaram a chegar por volta do meio-dia.

Na pequena sala simples e aconchegante, toda decorada com bandeiras do Bahia, quem ia chegando trazia latinhas de cerveja e tira-gostos,  acomodando-se em qualquer canto da casa. Era dia de festa.

Muzenza, o vizinho rubro-negro, desconfiava: "Não ouvi falarem nada no Bocão". Mas Seu Tito nem ligava. Entre uma latinha e outra, ao som do hino do Bahia, ele vibrava: "Vai, Carlito! Bora, Baêeeeea, minha pôrraaaaaaaaaaa"!

E começa a partida. Jogo duro. Nem sinal do Carlito. Mas Seu Tito estava confiante. Dentro em pouco ele entraria em campo e faria no finzinho do jogo o gol decisivo. "Tem o instinto de Raudinei esse aí".

Zero a zero, quarenta e quatro do segundo tempo. O empate dava o título ao Bahia. Pressão do rival rubro-negro. A tensão aumentava. De repente, cruzamento na área do Bahia. A bola raspou a cabeça do zagueiro tricolor e foi parar na lateral. Foi quando então alguém gritou: "Olha lá o Carlito!".

E finalmente, a câmera em close captou a imagem do gandula magrinho que segurava a bola na linha lateral do campo, sem pressa nenhuma pra recolocá-la em campo. Um jogador do Vitória correu em sua direção, mas Carlito correu mais do que ele, com a bola na mão. Virou pra esquerda, fez que foi e não foi, correu para um lado, voltou para o outro, deu uma cabriola, e o jogador do Vitória, desconcertado, escorregou e caiu. O estádio explodiu de alegria. Fogos, gritos de olé, euforia. "Bora, Baêeeeeeeeeeeaaaaaaa".

Seu Tito pulava, orgulhoso. "Meu filho, meu filho". Então, vazando no áudio da transmissão da TV,  ouviu-se uma voz furiosa vinda da torcida rival: "Filho da puuuuuta".

E sua mãe, encabulada, falou pela primeira vez. "Ninguém me contou que ele era juiz". Fim de jogo, Bahia campeão. E seu Tito chorava, beijando a camisa do esquadrão. "Se não fosse o Carlito, nós tava lascado". E a festa varou por toda a madrugada, para a alegria de todos. Menos pra Muzenza, o vizinho desconfiado que foi vice de novo.


Fonte: Manno Góes - Coluna do Manno – A Tarde