Postado por - Newton Duarte

O futebol brasileiro e a ‘espanholização’ descartável

O futebol brasileiro e a ‘espanholização’ descartável

Que a Espanha é campeã do mundo e pratica hoje um futebol vistoso, à moda da tradição brasileira, não há como negar. Que também a Espanha tem campeonato e calendário convincentes, também não restam dúvidas dessa capacidade de organização. Enfim, a assimilação dos bons exemplos, quando a oportunidade de criar se revela limitada, não representa um exercício de insipiência, caso a arte de copiar seja mesmo o caminho inevitável.

De fato, o que preocupa é não criar e copiar o que não nos serve. Reproduzir o que nos tira a essência não pode ser um exemplo a considerar. Nessas horas, ignorar a identidade cultural, a diversidade e - porque não enfatizar – a extensão geográfica, valores intrínsecos ao nosso país, é algo como um autoflagelo mortal. E o futebol brasileiro, por tudo que representa para o esporte mundial, não merece ser exacerbado numa elitização amorfa e extravagante. De sustentabilidade duvidosa.

Nessa opção, insiste-se na aposta por uma “espanholização” descartável. Explico melhor: sustentar o atual modelo de distribuição de recursos derivados do uso das imagens de TV é rumar para uma polarização inaceitável, sob o ponto de vista da competitividade esportiva. Aqui, não devemos depender apenas da força de um mercado à semelhança do que acontece como os gigantes espanhóis. Não dá para repetir aqui a alternância campeã, embora fatigante, de Barcelona e Real Madrid. Ou mesmo, numa linha de raciocínio um pouco maior, transformar a conquista de um campeonato brasileiro de verdade, numa volta ao passado, no qual o Torneio Rio-São Paulo era vendido como o retrato exclusivo do futebol brasileiro. A diferença é que lá (na Espanha, é claro), como o nível de competência é outro, os dois clubes levam a maior fatia e dividem mesmo os títulos. Por aqui, como o amadorismo de gestão ainda é uma marca, os que ganham numa faixa menor e que possuem um mínimo de organização e planejamento, conseguem ocasionalmente incomodar e até alçar títulos.

O âmago dessa questão distributiva é bem mais grave que ainda parece. Não se trata de desmerecer as diferenças dos valores investidos, que são naturais no mercado, sobretudo, quando se tem em conta o peso de algumas marcas e a capacidade de consumo a elas associadas. É realmente indefensável uma socialização que soa como utópica e inexequível. Na realidade, o cerne do problema é uma gritante concentração de recursos entre os ditos maiores clubes. Ou melhor, o distanciamento existente entre os valores praticados no teto é aqueles destinados à base é um absurdo tão descomunal, que praticamente retira as condições de competitividade. Conforme estudo recente do Itaú BBA, envolvendo em 2012 o total de 24 clubes, essa diferença entre limites chegou à ordem estratosférica de R$ 140 milhões. Uma desigualdade que torna o título – este sim – uma utopia para qualquer clube da base, por mais organizado e planejado que seja.

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A oportunidade do talento esportivo num país de dimensões continentais, na qual a prática do futebol é uma espécie de bem cultural, não pode ser dizimada por modelos distributivos que asfixiem a sobrevivência dos médios e pequenos clubes. Ademais, ao se considerar ainda uma gradativa “desregionalização”, que fere os princípios básicos de valorização das identidades, alcança-se uma situação que tende a aumentar a concentração, matando de vez com qualquer esforço mínimo que possa pluralizar nosso futebol. Nesse cenário, por maior que seja o planejamento e a organização, a dificuldade de acesso aos títulos só promove a desmotivação, de quem oferta o produto (os clubes) e de quem os consome (os torcedores). Enfim, não ser contemplado com uma boa fatia do bolo e ainda estar fora do eixo já representa uma condenação prévia de não ter acesso à elite do futebol. Ou, no máximo, ficar submetido ao sobe e desce das séries. Um efeito “sanfona” que, aliás, aplica-se muito bem aos casos dos clubes oriundos do Nordeste, onde esse instrumento musical pode ser visto como símbolo. De resistência cultural.

É óbvio que o papel da TV como um considerável investidor na emergente “economia do futebol” é de extrema importância. Seus números, em todos os estudos recentes, comprovam a condição de absoluta supremacia dessa fonte como geradora de receitas, bem acima de itens como publicidade, venda de atletas e bilheteria. Mas, esse papel de agente do mercado, por mais ativo que seja, deve ser exercido numa visão de sustentabilidade, com respeito a outros valores, que levem em conta algumas variáveis como a competitividade, as identidades/raízes/tradições de clubes fora do eixo e até mesmo os esforços por uma regionalização meritória, capaz de dar algum efeito de suavização aos desequilíbrios naturalmente gerados pelo mercado.

Assim, diante de novos valores econômicos, que exigem outra forma de gerir o futebol, o primeiro elemento a tratar é mesmo uma revisão nesse modelo de distribuição dos recursos oriundos da TV. Trata-se de uma fonte de receitas (que é a principal) onde o papel do mercado pode admitir alguma forma de controle, que permita um pouco mais de “oxigênio financeiro” para os médios e pequenos clubes.

Afinal, o futebol brasileiro, pela sua própria essência, longe do que podemos enxergar de outras experiências de fora, tem características que lhe favorece essa mudança de postura. E seria muito gratificante ver essa desigualdade minimizada, justo para termos genuínos campeonatos nacionais. Um passo que significaria um bom começo nessa reinvenção do nosso futebol. Mudar os modelos de gestões, qualificar a mão de obra, rever o calendário e tantas outras ações de cunho político representam os passos seguintes. Apostas inevitáveis, mas que representam mudanças que continuam dando um trabalho enorme.

(*) Alfredo Bertini, economista, desportista e atual conselheiro da Federação Pernambucana de Futebol (FPF).


Fonte: Alfredo Bertini > Via Blog do Torcedor/UOL