Pelé é apenas um cordeirinho. O problema de verdade é Ronaldo
Pelé e Edson. Muitos torcedores do futebol brasileiro um dia confundiram-se com esses dois personagens. O maior jogador da história, de qualidade e currículo incontestáveis, e um empresário garoto-propaganda com opiniões muito discutíveis. Diferenciamos para que as bolas chutadas dentro de campo não se misturem com as besteiras que ele às vezes fala e faz. Vamos começar a fazer isso com Ronaldo também.
Nazário agora está “indignado” com a corrupção na Fifa e “revoltado” com o que está acontecendo com a administração do futebol mundial. No Brasil, quer que Marco Polo Del Nero renuncie à presidência da CBF. “É muito evidente a relação que ele tem com o antigo presidente, o José Maria Marin”, afirmou. Tão evidente quanto a que o próprio Ronaldo teve com a CBF durante muitos anos.
Em 2011, foi chamado pelo então presidente Ricardo Teixeira para integrar o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo, apesar de dois anos antes tê-lo chamado de “duplo caráter”. Mas aquela era uma época em que ele ainda jogava futebol. Após se aposentar, virou empresário, com uma agência de marketing esportivo, e ficou mais interessante ser próximo dos dirigentes. Mais ainda da organização da Copa do Mundo. Aceitou o convite, negando “conflito de interesses”, apesar de um dos seus clientes ser Neymar. Um ano depois, a Brahma, uma das patrocinadoras da CBF, acertou com a 9ine.
A relação com Teixeira melhorou bastante ao longo dos anos. Pouco antes do dirigente fugir para as praias da Flórida porque foi condenado pela Justiça suíça por ter recebido propina nos contratos entre a Fifa e a falida ISL, Ronaldo disse que se tratava de “um grande amigo” e que estaria com ele no que precisar”. Mesmo depois da condenação, continuou com a estima por ele em alta. ”Eu tenho uma ótima relação com ele. Sinto realmente muito por tudo o que tem acontecido”, disse em entrevista à Folha.
Ronaldo continuou no Comitê Organizador Local, que por definição organiza a Copa do Mundo, até o final, mas isso não o impediu de dizer à Reuters que “se sentia envergonhado” com os preparativos do Brasil. É que naquela época as eleições presidenciais já estavam quentes, e o Fenômeno pretendia apoiar Aécio Neves, do PSDB, contra Dilma Rousseff, do PT. E o Mundial era usado pelo governo em suas propagandas. Estava mais atrelado ao Executivo do que ao COL. Antes do segundo turno, era um dos cotados para ser ministro dos Esportes, se o candidato tucano vencesse.
Enquanto foi vantajoso, transitou nos bastidores da CBF, mas agora que o barco começa a afundar, faz questão de se distanciar o máximo possível. “Nesse momento, logicamente todo mundo tem um monte de ideias. Vão aparecer muitos oportunistas com as soluções”, disse no mesmo evento em que pediu a renúncia de Del Nero.
Por outro lado, Pelé ganha dinheiro para aparecer em eventos e para as empresas explorarem a sua imagem. Isso implica entrevistas, que logicamente giram em torno de futebol. Elogiou a “experiência” de Blatter pouco antes do suíço renunciar à presidência, e nesta quarta-feira, falou que “a corrupção na Fifa não é problema dele”. Ele sempre refugou nas oportunidades que teve para atacar o poder. Recebe para ser garoto-propaganda e muitas vezes as empresas também patrocinam entidades e campeonatos. É ligado à MasterCard, parceira da Fifa durante muitos anos, e também ao Banco Santander, que patrocina Libertadores. Não pegaria bem falar mal de dirigentes. Naturalmente, não precisaria falar bem. Poderia adotar um discurso mais político, ponderado, mas ele nunca primou pela articulação e pela capacidade de driblar as perguntas como driblava zagueiros.
Durante boa parte de sua vida, mesmo na época em que era o maior atleta do mundo, Pelé baixou a cabeça para autoridades. Não é de seu perfil ser um revolucionário, um contestador, mesmo quando algo lhe desagradava. Não seria hoje que isso mudaria. Mas, de qualquer modo, sua atuação para aí. É um garoto propaganda que dá declarações tolas e segue a vida, de evento de patrocinador em evento de patrocinador. Merece as críticas porque ajuda de alguma forma a legitimar as autoridades, mas são polêmicas que duram 24 horas e ainda valem algumas piadas.
Ronaldo não é assim. Ronaldo é ambicioso. O que ele faz ou diz, e quem apoia, são mais importantes. Ele é um personagem ativo no meio do futebol, como empresário e como articulador entre os corredores do poder. E ainda não se sabe exatamente quais são as suas intenções. Ele diz que não quer cargos na CBF ou no futebol, “neste cenário”, mas ninguém duvida que seu objetivo final seja assumir algum cargo importante. Por isso, o que ele fala não é apenas uma bobagem, é uma bobagem que pode se tornar perigosa.