Postado por - Newton Duarte

Os três sonhos do 'Xerifão'

Tabelinha com Titi

O Blog Futebol em Pauta estreia a sessão “Tabelinha” com um jogador que, além de ser um dos líderes do atual elenco do Bahia, tem uma história de vida bonita de ler, e que merece  admiração e respeito do torcedor, independente do time que torce. Neste espaço do blog, vamos contar a história de alguns atletas que atuam na dupla Ba-Vi.

No Bahia desde 2011, Titi sempre foi muito discreto. Embora esteja no clube há três anos, poucos torcedores conhecem a história de Christian Chagas Tarouco. O “Titibull”, como foi carinhosamente apelidado pelos tricolores, por trás do uniforme e das chuteiras, carrega uma história de vida difícil, mas bonita.

Simples e muito apegado à família, ele mostrou desde pequeno que é determinado. E foi esse jeito persistente que levou Titi, de 26 anos, a trilhar uma carreira vitoriosa no futebol. O menino nascido em Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, veio de família humilde e passou por muitos momentos complicados na infância. A força que hoje usa para parar os atacantes do time adversário, o zagueiro usou para driblar as dificuldades e se tornar um vencedor.

Hoje, Titi tem três grandes sonhos: vestir a camisa da Seleção Brasileira, voltar a estudar e trabalhar com crianças. Embora tenha fama de “durão”, ele se emociona ao falar dos pequenos, principalmente dos seus dois filhos, Antonella, de 1 ano e 6 meses, e Lorenzo, de 6 anos.

Como nasceu essa ideia de ser jogador de futebol?

Todo menino já nasce com essa vontade. O primeiro presente que uma criança ganha, independente da situação financeira, é uma bola. Comigo não foi diferente. Meus pais não tinham uma situação nada boa e meu primeiro presente foi uma bola. Meu pai chegou em casa no dia das crianças e me deu. Aquilo foi motivo de muita alegria, porque vi em uma simples bola um caminho, um futuro que eu podia conquistar. Vivi uma situação difícil, as vezes faltava coisa dentro de casa, mas nunca faltou alegria e vontade de vencer. Isso me fez chegar onde estou hoje.

Você sempre quis ser jogador?

Eu não sei o que faria se não fosse jogador, porque é um sonho de menino, é um sonho. Trabalhei para isso e trabalho até hoje, diariamente, para chegar onde estou hoje. Tenho que trabalhar muito ainda para conquistar o que eu quero, onde quero chegar, mas acho que com 26 anos, onde me encontro hoje, estou em uma situação em que muitos que jogaram comigo e tiveram esse mesmo sonho não conquistaram.

Quando você chegou em casa e disse: ‘pai, quero ser jogador’. Como foi?

Todo pai tem o desejo ou vê no filho aquilo que ele queria ser e não conseguiu. O meu pai sempre teve um desejo muito grande de jogar. Eu ficava encantado, acompanhava ele nos jogos do time do bairro, carregava a chuteirinha dele para um lado e para o outro. Domingo era sempre um motivo de alegria, em poder ir ao estádio de futebol, além de ver meu pai no campo do bairro jogando. Sempre cresci com esse desejo, sempre foi o sonho da minha vida. Sei lá, acho que todo pai sonha que o filho seja jogador de futebol.

E como foi esse início?

Minha primeira saída de casa foi aos 12 anos de idade. Foi difícil. Abdiquei da família, dos amigos. Lembro até hoje, porque eu chorava muito na concentração com saudade dos meus pais. Sempre fui muito ligado à família e aquele momento de me desprender dos meus pais foi difícil demais. Eu morava no interior do Rio Grande do Sul, em Pelotas, onde nasci e fui para a base do Grêmio, onde fiquei quase um ano. Não aguentei a saudade, larguei tudo e voltei pra casa. Passei um tempo jogando em times de bairro, em times da minha comunidade, até surgir oportunidade em outro time grande.

Como os seus pais reagiram quando você saiu de casa?

Por incrível que pareça, meus pais nunca foram de me ligar ou demonstrar sofrimento em situações difíceis. Eles sempre me mostravam o lado bom de você crescer na dificuldade, de vencer as adversidades. Sou extremamente grato por isso. Eles me ensinaram tudo o que sei hoje. Sempre digo que o meu pai é o meu herói e minha mãe é a minha rainha. São as minhas duas referências de ser humano.

Titi com o filho, Lorenzo

Quem te inspirou no início da carreira?

Gostava muito do Júnior Baiano, que me enchia os olhos pelo estilo viril. Ele chegava sempre duro na bola e eu tive o prazer de conhecer ele. Vi o quanto ele é amigo fora de campo. Ouvi conselhos de uma pessoa que vi na TV, que já disputou Copa do Mundo. Foi uma alegria enorme para mim. Ele chegava duro, às vezes até de forma desleal, mas nunca levou desaforo para casa e isso me encantava. Ele tinha muita vontade de vencer.

Você sempre foi zagueiro?

Já fui zagueiro, lateral-direito, volante, meia esquerda…só não fui goleiro. (risos). Não é a minha praia!

Como foi que você se sentiu quando se deu conta que seu sonho estava se realizando?

Era tudo que eu imaginava No Grêmio, a primeira impressão que tive é de que era tudo como eu sonhei, era a vida que eu queria seguir, que eu queria para mim. Aquele caminho que sempre busquei e, nessa primeira oportunidade, fiquei feliz pra caramba.

O caminho no futebol foi muito difícil?

Tive várias dificuldades. A maior delas foi me afastar de todo mundo. Tive que deixar família e amigos para trás, e também perdi um pouco da minha identidade, da minha cidade. Me afastei de tudo porque saí da minha cidade e foi bem complicado. Rodei por vários lugares diferentes, isso é bom, mas ao mesmo tempo em nenhum deles eu tive meus pais.

Já pensou em desistir em algum momento?

Quando você chega num determinado momento, precisa escolher. Com uns 16 anos você percebe que aquilo não é só uma diversão, que tem muito mais coisa por trás de um jogador de futebol. Às vezes você olha para a imagem de um atleta e não consegue dimensionar tudo que vem por trás daquela pessoa, tudo que ela carrega. Meu desejo maior de vencer e chegar onde cheguei hoje, foi a minha família. Se eu desse um passo atrás, hoje eu não conseguiria dar um futuro e um presente que eles estão vivendo. Graças ao meu trabalho, do meu esforço diário, tenho conseguido não só dar tudo aquilo que não tive na infância, mas proporcionar o que de repente meus pais e familiares não conseguiriam.

Como foi seu primeiro jogo como profissional?

Foi uma emoção muito grande. Lembro como se fosse hoje. Foi um jogo entre Internacional e Atlético-PR, na Arena da Baixada. Entrar em campo e ver a torcida, aqueles jogadores que eu só via na TV ao meu lado, foi indescritível. Aquele sentimento que eu só vivia atrás da tela se realizando, foi uma emoção imensa, inexplicável. Eu vi o meu sonho se realizando. Foi muito gratificante.

Você se arrepende de alguma coisa?

De nada. Não faria nada diferente. Faria exatamente tudo o que fiz até hoje. Independente do que eu passe na vida, aprendi que devo sempre lutar pelo meu sonho.

Você foi pai bastante jovem. Isso te ajudou a amadurecer?

Tenho dois filhos. A Antonella, que está com 1 ano e 6 meses, e o Lorenzo, que tem 6 anos. Fui pai muito cedo, com 20 anos. Hoje dou muito conselho para os meninos tomarem cuidado. Para mim, naquela época com 18, 19 anos, foi um pouco difícil, porque estava recém-chegado ao profissional. Ter uma notícia dessas pesou pra mim. Hoje eu vejo o quanto eu amadureci, vi que aquela dificuldade…dificuldade não,  porque filho é sempre uma bênção, mas naquela fase eu vi que a dificuldade me fez amadurecer. Cresci muito quando me tornei pai.

Lorenzo também já pensa em ser jogador?

Ele tem várias vontades. Quer ser surfista, jogador…mas quero deixar ele bem à vontade, como meu pai fez comigo. O que a vida proporcionar e ele quiser fazer, eu vou apoiar. Como posso não apoiar se ele tiver o sonho que eu tive?

Hoje você atua em um clube grande e acabou perdendo a privacidade. Isso te incomoda?

Por incrível que pareça, eu acho muito legal, porque sempre sonhei com isso, sempre sonhei em dar autógrafo, tirar foto. Hoje, se eu for no shopping, eu fico até assustado, porque o reconhecimento é muito grande. Hoje, vestindo a camisa do Bahia, o reconhecimento é absurdo. Onde eu chego, sou bem recebido, com alegria, festa. Isso para mim é mais gratificante que qualquer coisa. Sempre digo ao meu pai que dinheiro e bens materiais ele não me deixou, mas me ensinou a ter respeito e humildade, que valem mais que qualquer coisa. Isso vou levar isso comigo para o resto da minha vida.

E como foi a sua vida nos estudos?

Foi difícil. Eu não tenho ensino fundamental completo. Parei de estudar na 8ª série, porque se tornou muito difícil subir para o profissional e conciliar jogos, estudos e treinos. Agora eu estou tentando voltar a estudar, para completar o que não completei lá atrás, e quero fazer uma faculdade. É um sonho que tenho.

Pretende cursar o que?

É uma dúvida que eu ainda tenho, sabia? Quero muito seguir no esporte, mas também gosto muito de administração ou algo ligado a isso.

Titi durante um projeto com crianças do Calabar

Essa decisão de voltar a estudar tem a ver já com o seu futuro, depois de encerrar a carreira?

Tem sim. Eu penso em tudo. Já planejei terminar os estudos justamente pensando no fim da carreira. Você precisa ter ensino completo e faculdade. A vida do atleta é cada vez mais curta e, se você não estiver preparado, acaba ficando um pouco frustrado. Não quero isso para mim.

Já pensou em ser técnico, auxiliar…?

Não! Não me vejo como isso. Meu desejo, na verdade, é trabalhar com criança. Uma das minhas maiores alegrias, que tenho na vida, é conviver com crianças.Tenho vontade de ajudar muita gente também. Quero criar um projeto com pessoas carentes ou algo ligado a isso. É um sonho que tenho e pretendo realizar.

Quem é seu ídolo no futebol?

Admiro muita gente, mas acho que o Thiago Silva é um zagueiro que eu gosto muito. Olho para ele e vejo o quanto profissional é, o quanto se esforça para dar o seu melhor. Não é à toa que ele, hoje, é o capitão da nossa seleção. Ele é um líder, um cara que me espelha e que eu admito muito.

Como é lidar com críticas o tempo inteiro?

Quando comecei, me importava muito. Via os jornais, programas esportivos, TV, rádio, acompanhava tudo. Depois que cheguei a uns 20 anos, parei, deixei de ouvir. A crítica não vai me atingir, como o elogio também não vai me botar lá em cima. Tenho minha autocrítica, revejo meus jogos 3, 4 vezes se for preciso, e vejo o que errei. Ninguém gosta de ser criticado, mas é uma coisa que você convive, ainda mais no esporte. O problema é que a crítica às vezes é pesada e chega a atingir o lado pessoal. Então, decidi não assistir. Prefiro seguir minha vida e o meu trabalho.

Você não acompanha nada que sai na imprensa?

Não. Acho que é a melhor forma de conquistar ainda mais coisas. Eu procuro me policiar e não ligar muito para isso. Minha autocrítica é o que vale para mim. Cresço em cima da dificuldade, que é o que realmente me ajuda.

Qual é o seu maior sonho como jogador?

Meu maior sonho é chegar na Seleção e disputar campeonatos importantes, como o que estou disputando hoje. É chegar e conseguir olhar para trás e ver a estrada que trilhei. Foi difícil, mas glorioso chegar onde quero chegar.

E o que você acha de poder contar a sua vida para o torcedor?

É bom. Quando você olhar para o time do Bahia, vai olhar para o zagueiro do Bahia canhoto, Titi, e não vai lembrar só do jogador, mas da história, de tudo o que ele passou e vem tentando construir em cima da dificuldade, sabe? Às vezes a gente recebe uma carga tão pesada que às vezes é difícil de suportar. Hoje, não tenho nenhuma carga como jogador, graças a Deus. Sou bem resolvido com minha vida. Estou prestes a casar, seguir minha vida como sempre segui e é o que levo para a minha vida toda. Mas é importante que o torcedor possa conhecer quem está ali, o ser humano, não só o jogador.


Fonte: Fernanda Varela – Futebol em Pauta - Correio

Foto: Ulisses Dumas/Ag.BAPRESS/Divulgação - Arquivo Correio e: Arisson Marinho