Postado por - Newton Duarte

Pontos corridos X Mata-mata: Uma cortina de fumaça para esconder a má gestão dos clubes

Discussão mata-mata x pontos corridos é uma cortina de fumaça para a má gestão dos clubes

Dudu, do Grêmio

O ano é 2015, mas a discussão é antiga. O novo presidente do Grêmio, Romildo Bolzan Junior, tenta apoio para uma proposta de mudança da fórmula do Campeonato Brasileiro.  Ao invés dos pontos corridos estabelecidos desde 2003, a volta do mata-mata. São duas justificativas. A primeira é que o atual modelo deixa o campeonato, nas palavras do dirigente, “chocho”. A segunda é que esse é um modelo de campeonato que gera mais receita aos clubes. À parte a discussão sobre preferência sobre uma ou outra fórmula, o foco aqui é justamente as receitas. Há um grande problema quando achamos que é a fórmula de disputa do campeonato mais importante do país, e não a gestão que se faz do futebol, o problema das receitas no país.

É possível que o campeonato seja lucrativo tanto no mata-mata quanto nos pontos corridos. Há vantagens e desvantagens em ambos. As ligas americanas, como a NFL, MLB e NBA são altamente lucrativas em formato de mata-mata. A MLS também nasceu assim e embora ainda não seja tão lucrativa quanto as outras, tem conseguido crescer pouco a pouco nesse formato. A grande questão é a gestão que se faz. A começar pelo básico: há uma liga independente da federação do esporte. A US Soccer, a federação americana, nada tem a ver com a MLS. São interesses distintos. Por lá, os clubes são sócios da liga e, portanto, decidem juntos. Os direitos televisivos na NFL, por exemplo, são divididos de forma rigorosamente igual entre todos os times. A liga dura seis meses, sendo que o último deles é só playoffs. Além do mais, o calendário americano programa a NFL de agosto ao início de fevereiro, a MLB de março a outubro e a NBA vai de outubro a junho. Ou seja: as ligas não duram o ano todo.

Os clubes por aqui não se tratam como sócios de um mesmo esporte, o futebol. Não tratam de criar uma liga comum para seus interesses, deixando tudo nas mãos da CBF. Os clubes sequer querem que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja aprovada nos moldes pedidos pelo Bom Senso, por exemplo, com teto salarial e Fair Play Financeiro como contrapartidas na renegociação das dívidas. Na NFL, há um rígido teto salarial. Há um controle fiscal grande das finanças dos clubes. A MLS recentemente extinguiu o Chivas USA por ser um fracasso de público.

Há uma noção que os clubes são parceiros fora de campo de um mesmo campeonato. Um tipo de mentalidade que se vê também na Europa, onde a fórmula de mata-mata existe só para as Copas nacionais e torneios continentais. Nas ligas, predominam os pontos corridos. Embora em um modelo diferente do americano, as grandes ligas do continente são altamente lucrativas. Na Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França, as cinco maiores, as ligas negociam direitos de transmissão no mundo todo. Exceto pela Espanha, todos os outros dividem de maneira bastante equilibrada esse dinheiro. E mesmo na Espanha, há conversas no caminho de equilibrar as coisas para não deixar Real Madrid e Barcelona nadarem de braçada.

As temporadas na Europa seguem o calendário fiscal e escolar: começam em julho e vão até junho. Os campeonatos propriamente ditos normalmente começam em agosto e vão até maio – junho é mês de férias e julho é de pré-temporada. Por aqui, o calendário é inchado por conta das disputas dos campeonatos estaduais e regionais. Embora o Brasil seja um país gigante, temos poucas divisões nacionais. Seria possível ter divisões regionalizadas que mantivessem os times em atividade o ano todo sem depender dos três meses do estadual. Esta é justamente uma das causas defendidas pelo Bom Senso Futebol Clube.

Por aqui, os clubes não só não pensam em uma gestão melhor e mais responsável como também aplicam aquele velho costume do “farinho pouca, meu pirão primeiro”. Ou seja: se eu tiver uma vantagem, quero mais é que os outros se explodam. Os clubes atuam não só como rivais em campo, mas fora dele. Disputam jogadores e atravessam negociações apenas pelo prazer de espezinhar ou tirar o jogador do rival. Fazem o que podem para detonar o adversário, sem perceber que detonam o próprio campeonato, a própria credibilidade. Se apegam a minúcias ridículas para tentar levar uma vantagem mínima que seja. Ou às vezes nem isso, só para atrapalhar o outro.

É claro que a rivalidade existe e os interesses dos clubes não são sempre exatamente os mesmos. Mas quando se faz parte de uma liga, é possível votar e tentar chegar a um consenso, ou o mais perto disso possível. Por exemplo, a Premier League e mais recentemente a Bundesliga, votaram a favor do uso da tecnologia na linha do gol para detectar se foi ou não gol, como na Copa do Mundo. O mesmo vale para aprovar mudanças no sistema de acesso ou descenso, na distribuição do dinheiro da TV ou mesmo a mudança do calendário. Todos precisam trabalhar juntos por isso.

É possível termos um campeonato no mata-mata que seja um sucesso, assim como no formato de pontos corridos. O que importa mesmo é a gestão e esse é o grande problema do futebol brasileiro. Temos clubes irresponsáveis, que pagam salários de R$ 300 mil para jogadores medianos e depois ficam quebrados – e esse é apenas um modo de falar, porque como os clubes não são cobrados como empresas e não prestam contas, têm dívidas milionárias e continuam em funcionamento sem qualquer problema, muitas vezes contratando mais jogadores por centenas de milhares de reais.

A reformulação do futebol brasileiro precisa passar pela gestão. Os clubes precisam se dar conta que são rivais só dentro de campo. Fora dele, são sócios nos campeonatos que participam, precisam defender seus interesses. Precisam de uma liga em comum para que isso aconteça, porque a CBF não fará isso. Os clubes também precisam de uma liga para enfrentar a TV, que manda e desmanda no futebol brasileiro por ser a principal financiadora. A TV só paga muito porque há a paixão dos clubes. Equilibrar o poder da TV é difícil em qualquer lugar do mundo, mas no modelo atual não há como dar certo. Não é preciso nem dividir igualmente os direitos de TV para tornar a questão melhor. Uma divisão aos moldes do Campeonato Inglês, por exemplo, faria bastante sentido no Brasil.

Os clubes precisam ser mais transparentes e mais cobrados. Enquanto os dirigentes pagam R$ 500 mil para um jogador que está encostado, como Kléber Gladiador no Grêmio, ou contratam um jogador como Cristian por cerca de R$ 400 mil, como fez o Corinthians, será difícil que o negócio futebol seja lucrativo. Mas os dirigentes seguem fazendo loucuras. Corinthians e São Paulo disputam freneticamente a contratação de Dudu, que certamente custará mais caro do que vale, por um salário acima do que ele é capaz de oferecer em campo. É uma disputa que não tem vencedor. Porque se um jogador que não é decisivo para o clube ganha R$ 200 mil, R$ 300 mil, R$ 400 mil, porque o craque do time não pedirá R$ 600 mil? Se o São Paulo pagará R$ 350 mil a Wesley, que não tem jogado nada a tempos, quanto Ganso poderia pedir, tendo sido tão importante para o time? R$ 1 milhão? E aí a conta nunca vai fechar.

Enquanto os dirigentes acharem que o vai gerar receita para os clubes é o formato de disputa do Campeonato Brasileiro, seja ele de pontos corridos ou mata-mata, estaremos perdidos. A arrecadação aumentou mais de 300% nos últimos anos e as dívidas não diminuíram. Os contratos de TV aumentaram, mas os clubes continuam incompetentes, pagando salários cada vez mais altos, mesmo sem aumentar as receitas na mesma proporção. Há boas formas de se ganhar dinheiro e ter uma liga forte e de alto nível nos dois formatos. Mas será preciso uma gestão muito melhor do que a que temos hoje. E isso é o que estamos mais distante de ter.