Postado por - Newton Duarte

Quebrados demais para quebrar

Quebrados demais para quebrar

Durante a crise de 2008, o lema “grande demais para quebrar” se popularizou a partir dos EUA. A expressão dava conta da ideia de que grandes bancos, então em dificuldades, poderiam arrastar o resto da economia ainda mais para baixo se não recebessem ajuda de governos. De mantra em alguns círculos, “grande demais para quebrar” passou à política pública no calor da crise, e instituições financeiras receberam socorro na hora do aperto.

Lembrei do “grande demais para quebrar” quando li, na semana passada, o artigo que o ex-jogador Alex publicou na Folha de São Paulo. No texto, o craque de Coritiba, Palmeiras, Fenerbahçe e seleção brasileira faz um apelo à presidente Dilma Rousseff: barre a manobra da “bancada da bola” e impeça que os clubes tenham dívidas refinanciadas sem contrapartida. O que move deputados interessados em salvar a cara de caloteiros contumazes? Que tipo de entendimento (ou quase isso) faz com que isso passe como proposta de política pública? Seriam os clubes brasileiros também grandes demais para quebrar?

2015 será um ano para aceitar a realidade no futebol brasileiro (Foto: João Lucas Cardoso)

Os clubes brasileiros são grandes para os apaixonados, aqui dentro. Na disputa global, os clubes brasileiros são hoje pequenos, times do interior de escala nacional. Se não são verdadeiramente grandes, os times brasileiros tampouco estão ameaçados de quebrar. Antes disso: os clubes brasileiros já estão, na maioria, quebrados. A crise ou a paralela dança em torno do abismo são, para um grande número de clubes deste país, uma forma de existência.

No lugar de “grandes demais para quebrar”, os clubes brasileiros são quebrados demais para quebrar. Nosso futebol se acostumou até aqui a viver à espera do próximo resgate, puxado por dirigentes que incentivam a doença para receberem mais remédio. Como escreveu o brilhante Emerson Gonçalves em outubro passado, “o que costumamos ver é a reincidência dos clubes esperando pela próxima benesse, o que torna os que pagam em dia vítimas e beneficia financeiramente clubes que usam dos atrasos como fonte de recursos".

Não chorassem miséria e assumissem seus compromissos, os clubes brasileiros estariam removidos das redes de compadrio, facilitação e gambiarra, afastados da fila para conseguirem vantagens prometidas por intermediários que circulam em torno da máquina de Estado. Enquanto perseveram nessa fila, os dirigentes (a maioria deles) tentam acelerar a descida do maná jurando que seus vícios privados de gestores conduzem ao bem geral. É o que faz o mais conhecido defensor da eliminação das contrapartidas, o deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO), quando trata o futebol como "patrimônio público".

Fico com Alex, mais craque ainda ao parar:

Parcelar as dívidas dos clubes sem contrapartidas não significa salvá-los. Uma medida como essa continua distanciando cada vez mais o futebol brasileiro do profissionalismo e da modernização.

Depois de um 2014 orçado em cima de um 2013 ainda relativamente dourado, 2015 será um ano sem ilusões para o futebol brasileiro. Pelo que se anuncia, corremos o risco de presenciar vários “momentos Marcio Braga” nos próximos meses. “Acabou o dinheiro”, dirão muitos gestores, mesmo por meio de subterfúgios. Conter a sangria é dever de sobrevivência. É hora de dar os incentivos certos: ao ajuste, e não ao acochambramento. Quando tivermos um Rangers, rebaixado por bandalheira na Escócia, talvez possamos descansar um pouco.