A chuva que cai em Salvador ganhou contornos salgados na Pituba. Perivaldo Lúcio Dantas, o homem que levou o nome do bairro para o Brasil inteiro, parou de cruzar as linhas da desconfiança, da subestimação e, também, das voltas por cima.
“Peri da Pituba”, ex-lateral direito do Bahia, Botafogo e Seleção Brasileira, que teve a qualidade de seus cruzamentos questionada muitas vezes enquanto atuou, realizou seu último cruzamento nesta quinta (27): da linha entre a vida e a morte.
Aos 64, morreu no Rio, vítima de uma pneumonia. Não deixa de ser uma triste coincidência, já que a doença atinge os pulmões, que ajudaram tanto na condição física invejável do ex-lateral-direito enquanto ele atuou.
Perivaldo fez parte de um time que deu singularidade ao termo Esquadrão de Aço. Entre 1975 e 1977 sagrou-se bicampeão baiano (saiu antes do título de 77) na equipe que completaria dois anos mais tarde a maior sequência de títulos da história do tricolor, o heptacampeonato.
Baiano de Itabuna, foi criado no azulino local e adquirido pelo Bahia por 10 mil cruzeiros. Havia chamado interesse do Vitória, mas o tricolor foi mais rápido. Em 75 fez parte, talvez, da maior linha defensiva que o Esquadrão já teve: Perivaldo, Sapatão, Roberto Rebouças e Romero. Campeões invictos, sofrendo 12 gols em 36 jogos.
Um ano depois, estava voando. No Brasileiro, em que o Esquadrão fez boa campanha e terminou na 8ª colocação entre 54 times, Perivaldo foi eleito o melhor lateral-direito do país e recebeu a Bola de Prata da Revista Placar. Seu nome, ali, já era cogitado na Seleção Brasileira, mas só vestiria a amarelinha cinco anos depois, já no Botafogo.
Sua passagem pelo alvinegro carioca começou em 1977. Para chegar a General Severiano, o Bota desembolsou 2 milhões de cruzeiros nos cofres tricolores. O Rio, enfim, conheceria o estilo Peri da Pituba de ser.
“Estou sempre muitos anos à frente da moda brasileira. Quer uma prova? Quando lancei a calça bag na Bahia, diziam que era calça de palhaço. Hoje todos usam, acham um charme”, declarou em 1980. Esbanjava estilo e grana, sem largar, claro, as origens: não dispensava um vatapá.
O sucesso no Botafogo rendeu-lhe outra Bola de Prata, em 1981, e o nome cogitado para fazer parte da Seleção que iria à Copa do ano seguinte. Perivaldo jogou amistosos com a camisa amarela. Contra a Tchecoslováquia, salvou um gol em cima da linha. Contra a Espanha, na Fonte Nova, teve a satisfação de atuar em frente a seu povo. Mas o lateral-direito acabou preterido por Leandro, do Flamengo, e Edevaldo, do Fluminense, e ficou fora dos convocados de Telê Santana.
Depois do Botafogo, Peri passou por Palmeiras, Bangu e Yukong Elephants (atual Jeju United), da Coreia do Sul. Rumou para Portugal em busca de novas oportunidades, mas a vida lhe colocou, talvez, sua maior dificuldade. Com o tempo, o dinheiro acabou e o baiano passou a fazer bicos.
Em 2013, foi encontrado pela reportagem do Fantástico nas ruas de Lisboa. Procurava roupas no lixo para vender na Feira da Ladra. À noite, as câmeras flagram Peri dormindo na rua. A família, no Barsil, desconhecia a situação do ex-jogador. No início de 2014, voltou ao Brasil, com ajuda do Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro (Saferj).
“Vou falar do fundo do meu coração: eu tive uma vida muito bacana em Portugal. Não tenho que culpar ninguém, apenas a mim. Bebi, gastei muito. Mas não posso reclamar. Sei que tudo que aconteceu foi culpa minha. Eu tive muito dinheiro, fui milionário, mas me prejudiquei. Bebia direto, dormia na rua por conta disso. Além disso, fui traído por muita gente. O futebol tem disso”, declarou ao UOL.
Peri estava trabalhando no Saferj, onde era auxiliar na manutenção de condicionamento físico de atletas desempregados e fazia trabalhos administrativos, quando passou mal na última semana.
“Ele deu entrada aqui no hospital há uma semana com um quadro muito delicado, o pulmão bem comprometido. Chegamos a cogitar uma tuberculose, mas exames mostraram que não. Seguimos o tratamento com antibiótico, mas o quadro era realmente complicado. A saúde dele estava bastante debilitada. Ontem (quarta, 26), ele não reagiu tanto aos medicamentos, o quadro não melhorou e ele faleceu nesta madrugada, dormindo. Uma pena. Grande figura que vinha despertando atenção é muito carinho aqui no hospital”, relatou Fernando Ferry, diretor-geral do Hospital Universitário Gaffrée Guinle, no Rio.
Depois de tanto cansar os adversários pela direita, chegou a hora, enfim, de Peri da Pituba descansar.
Fonte: Correio 24 Horas